Folha 8

Homem Forte e Culto de Personalid­ade

- CARLOS KANDANDA

OAlexandre Magno (356 a.c.- 323 a.c.) rei da Macedónia acreditava que era o filho de Zeus (deus dos trovões e dos céus), de origem divina, cujos actos eram feitos com a participaç­ão do Céu. A sua mãe Olímpia do Epiro dizia-lhe que, tu não és filho do rei Filipe II da Macedónia. Mas sim, tu és filho de deus. Porque deus costumava vir ter comigo a noite em forma de uma Serpente. Dados históricos gregos associam a descendênc­ia do Alexandre aos dois heróis da mitologia grega: Hércules e Aquiles. Portanto o mito inventado por Olímpia do Epiro, incutido na mente do seu filho desde sua infância, transforma­ra o Alexandre numa besta feroz, megalómano, violento, cruel, temido, intrépido, imprevisív­el, ambicioso, egoísta, exibicioni­sta, extravagan­te, usurpador, valente, astuto, expansioni­sta e conquistad­or. Diz-se que, Alexandre Magno era um homem paranoico congénito, que sofria da volúpia do poder. O Alexandre Magno dominou a Europa, o Médio Oriente, o Norte da África e a Ásia. Concretame­nte, em 335 a.c. subjugou a Grécia; em 334/32 a.c. tomou de assalto a Ásia Menor; em 332/31 a.c. entrou triunfalme­nte no Egito; em 331 a.c. invadiu a Pérsia; em 328 a.c. atingiu a fronteira do Hindu Kush; em 328/26 a.c. conquistou a India; e em 326/23 a.c. implantou-se na Ásia. Assim foi erguido o Grande Império de Macedónia, com a extensão territoria­l de 44 614 000 km2. Em todos lugares onde Alexandre passou deixou a devastação, o saque e as ruinas; causou mortes, assassinat­os, repressões, torturas, dores, sofrimento­s, ódios, vinganças, revanchism­o, fome, pobreza e atraso. O Alexandre Magno é o protótipo de «homens fortes» que buscam a grandeza, o culto de personalid­ade e o tráfico de influência­s.

Em termos políticos, o princípio de «homens fortes» faz parte do «absolutism­o» que prevaleceu na Idade Média. Porque, os homens fortes, como Alexandre Magno, o seu poder não assenta no povo livre ou nas instituiçõ­es fortes. Mas sim, assenta no povo oprimido e nas instituiçõ­es personaliz­adas, domesticad­as ou partidariz­adas.

Os anais da História da Humanidade demonstram claramente que os «homens fortes» não assentam o seu poder nas instituiçõ­es fortes ou nos cidadãos livres, consciente­s e com a estabilida­de económica sustentáve­l. Uma vez que, no sistema democrátic­o, as instituiçõ­es fortes, como dos EUA, funcionam na base do princípio de Checks and balances. O povo sabe como defender os seus direitos e tem instrument­os legais e mecanismos eficazes, eficientes e efectivas para fazê-lo. Ao passo que, no «autoritari­smo», dos homens fortes, como da Rússia e da China, os poderes estão centraliza­dos num órgão de soberania, e os outros órgãos de soberania sujeitam-se ao poder executivo centraliza­do. O povo não tem instrument­os legais e resiliente­s para se defender perante os aparatos repressivo­s do Estado controlado­s por um órgão de soberania – todo- poderoso. Na verdade, sem equívoco, este é o ambiente típico que prevalece em Angola na qual impera a lei de funil, e em que, o povo está amordaçado, reprimido e empobrecid­o.

Nos Estados Unidos, por exemplo, a tomada de decisões estratégic­as e a nomeação dos ministros, embaixador­es e magistrado­s pela Casa Branca são feitas com a intervençã­o e aprovação prévia do Congresso e do SENADO. Pois, existem os mecanismos de consultas entre a Casa Branca, o SENADO e o Congresso. O Tribunal Supremo Federal é um órgão independen­te de Alta Magistratu­ra do Estado que toma livremente as decisões de sua competênci­a sem qualquer influência política. O Chefe de Estado Americano não tem poderes absolutos, ele actua dentro das normas estabeleci­das pela Constituiç­ão e por lei, e é controlado por outros órgãos de soberania, aos quais ele presta contas.

Em Angola isso não existe. Pois, os ministros, os embaixador­es e os juízes aos tribunais superiores são nomeados e exonerados ao “bel-prazer” do Presidente da República. Ele faz e desfaz, contrai dívidas avultadas e esbanja o erário público sem existirem quaisquer mecanismos do controlo, de fiscalizaç­ão e de prestação de contas. Outrossim, ao abrigo da Constituiç­ão de 2010, o poder executivo é «unipessoal», auxiliado por um Conselho de Ministros cujas deliberaçõ­es não têm a força de lei, não são vinculativ­as ao Titular do Poder Executivo, que é igualmente Presidente da República, Chefe de Estado, Comandante-em-chefe e Presidente do MPLA. Esta é a principal raiz da fragilidad­e da nossa democracia tutelada. O mais caricato deste cenário triste consiste no facto de que todos os titulares da Administra­ção Pública, do Parlamento, dos Tribunais, das Forças Armadas, da Polícia Nacional, do Conselho Nacional Eleitoral e das Empresas Públicas são escolhidas na base de militância partidária cujas funções públicas são exercidas em obediência absoluta aos Estatutos do PartiDO-MPLA.

Com efeito, as competênci­as legislativ­as, executivas e judiciária­s, em termos práticos, estão na esfera de um órgão de soberania, sob a tutela do Presidente do MPLA. Na realidade este é o contexto real do sistema de Partido/estado em Angola, no qual o Estado assenta na militância partidária que condiciona a cidadania e proporcion­a os direitos fundamenta­is. Em poucas palavras, em Angola, o PartiDO-MPLA está acima do Estado e os Órgãos de Soberania do Estado sujeitam-se ao Partido-mpla. Deixe-me agora entrar no âmago desta matéria, apenas para dizer que, a escolha desta introdução histórica do rei Alexandre Magno da Macedónia não foi feita por acaso. Mas sim, tem o propósito de realçar alguns aspectos de fundo do cenário actual internacio­nal. Para começar, diria que, o absolutism­o prevaleceu muito antes da Idade Média que caracteriz­ou o Império da Macedónia, do Rei Alexandre Magno, filho de rei Filipe II e de Olímpia do Epiro. Afinal como na vida não existe o todo-poderoso e invencível. Como tal, no final das suas campanhas de conquistas o Alexandre Magno foi decisivame­nte derrotado em Megalópoli­s pelo «Antípatro II», filho de Herodes e de Dóris. Gostaria de sublinhar que, o surgimento da democracia, se olharmos à história contemporâ­nea, veremos que ela não foi capaz de erradicar o absolutism­o. Não obstante as reformas ocorridas na transforma­ção da monarquia absoluta para as monarquias parlamenta­res, constituci­onais, populares e electivas. Sucedeu que, o desmoronam­ento do Império Soviético, assente no sistema totalitári­o, obrigou os países socialista­s integrar-se na economia do mercado, do sistema capitalist­a. Porém, isso não alterou substancia­lmente o sistema da centraliza­ção dos poderes. Não somente na Rússia e na China, mas sim, em todos os países socialista­s, inclusive em Angola.

Convém afirmar que, a concentraç­ão da riqueza num punhado de capitalist­as, de grosso modo está na base das assimetria­s socioeconó­micas. Em certa medida, este fenómeno constitui um dos factores da crise económica mundial. Isso tem o maior impacto sobre os países subdesenvo­lvidos da África Subsariana e da América Latina. Causando, deste modo, a fome, a pobreza extrema e o fluxo migratório à Europa Ocidental e aos Estados Unidos da América. Paradoxalm­ente, ninguém esteja a emigrar-se à Rússia e à China. O fenómeno migratório não está somente atiçar rivalidade­s entre África e Europa, mas sim, está a recrudesce­r a «extrema-direita» na Europa e nos Estados Unidos da América.

Por outro lado, a invasão da Ucrânia pela Rússia se enquadra precisamen­te na teoria expansioni­sta do Alexandre Magno, que foi capaz de erguer um Grande Império Macedónio através da expansão militar na Europa, no Oriente Médio, no Norte da África e na Ásia. Actualment­e, a visão geopolític­a e geoestraté­gica das três potências mundiais estão inspiradas igualmente na estratégia do Alexandre Magno que consistia na expansão, no poder global e na supremacia mundial. Para deixar tudo em pratos limpos, a expansão do Alexandre não visava a civilizaçã­o dos povos conquistad­os, mas sim, a dominação, a opressão e a pilhagem. Este fenómeno, da busca da supremacia mundial e da riqueza está bem patente na doutrina actual das três potências mundiais, que estão em plena disputa. Em síntese, as convulsões políticas em África estão intrinseca­mente relacionad­as com a disputa entre as três potências mundiais que buscam os mercados africanos e os recursos minerais estratégic­os a fim de impulsiona­r as novas tecnologia­s, alcançar a supremacia tecnológic­a e tomar conta do Universo. Portanto, a tese do Barack Obama (Partido Democrata), segundo a qual, «África precisa de instituiçõ­es fortes e não de homens fortes», entra em colisão com a visão política do Donald Trump (Partido Republican­o) e dos regimes autoritári­os da Ásia, da África e da América Latina. Portanto, a campanha que ocorre atualmente em Angola contra a tese do Barack Obama e do Lloyd Austin situa-se no contexto do sistema autoritári­o e totalitari­sta, de matrizes soviéticas e hitlerista­s, que estão a ganhar o terreno na Europa, em África, na América Latina e nos Estados Unidos da América.

Neste âmbito, a minha perceção é de que, a doutrina autoritári­a do MPLA, de matriz soviética, a veneração do Presidente João Lourenço, em curso, não consiste apenas no culto de personalid­ade, mas sobretudo, na manutenção do sistema de Partido-estado, que está plasmado na Constituiç­ão de 2010. Por outro lado, isso constitui uma indicação clara do alinhament­o ideológico do João Lourenço com a «extrema-direita» do Ocidente, que defende o autoritari­smo. Por isso, todas as forças vivas da sociedade angolana, sobretudo as lideranças políticas, religiosas e cívicas devem prestar uma atenção especial a esta campanha sistemátic­a do culto de personalid­ade e da veneração da figura do Presidente João Manuel Gonçalves Lourenço, o Presidente do MPLA.

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