Folha 8

CPLP CANTA E RI ENQUANTO TERRORISTA­S MATAM MOÇAMBICAN­OS

- Folha 8 com Lusa

Mmala, aldeia moçambican­a em Cabo Delgado, tinha mais de 11 mil pessoas, mas dois ataques dos terrorista­s levaram a população a fugir nos últimos dias com crianças ao colo, carregando à cabeça o pouco que escapou à destruição. Enquanto isso, entre outros elefantes brancos, a CPLP – Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, assobia para o lado.

Lourenço Ancuara, o chefe da aldeia, descreve à Lusa que “primeiro passaram e mataram duas pessoas, passaram em redor da aldeia, passou um dia, no dia seguinte passaram de novo e mataram seis pessoas e queimaram um cubículo do hospital e da escolinha”.

Face a isto, a solução tem sido fugir à pressa, nomeadamen­te para a vila de Chiùre, hoje o último reduto de alguma segurança nas proximidad­es. Ainda assim, uma viagem de três dias a pé, por campos agrícolas e estradas, num movimento de milhares de pessoas em simultâneo. Mmala situa-se no posto administra­tivo de Chiùre-velho, o mais afectado pelos ataques terrorista­s na província de Cabo Delgado nos últimos dias, e dista 50 quilómetro­s de Pemba, capital provincial, percurso que leva mais de três horas a percorrer de carro, numa estrada em permanente ameaça de novos ataques.

Lourenço Ancuara, acabado de chegar à vila de Chiùre, conta que a aldeia ficou deserta: “Ninguém, todos nós abandonámo­s lá (…) Tenho lá 11.014 habitantes. E não está ninguém lá, abandonara­m. Ninguém trouxe nada, saímos só assim mesmo”. Chegam a pé, de bicicleta, algumas crianças de poucos anos ainda a dormir, depois de noites de medo.

Os ataques ao longo da última semana deixaram a aldeia, onde todos, nas várias comunidade­s, se dedicam às machambas da agricultur­a, vazia.

Por agora, ainda não há esperança de regresso e o chefe da aldeia só pede ajuda para os milhares que fugiram de Mmala para outras povoações: “Ainda não temos apoio, não sei se vão nos dar”.

Em Mujipala, comunidade da aldeia de Mmala, vivia Sousa Américo, um camponês de 40 anos. Ao fim de três dias de caminhada com os cinco filhos e centenas de outras pessoas, chegou a Chiùre.

“Lá não mataram ninguém, só que queimaram as 47 casas. Está tudo vazio (…) Chegámos aqui sem nada, estamos a sofrer de fome e a pedir apoio”, desabafa, ainda à entrada de Chiùre, antes de partir para um dos três campos de reassentam­ento provisório­s em escolas que, segundo dados da autarquia, já recebem actualment­e 13.000 deslocados na vila, além dos que procuram abrigo em casas de amigos e familiares. “Lá ninguém está mais. Está tudo vazio”, descreve, receoso com o futuro, enquanto pede apoio. “A população de lá está aqui sem nada. Estamos quase no alto mar”, lamenta ainda Sousa Américo.

Mustafa Emílio, de 45 anos, também acaba de chegar a Chiùre, que antes desta onda de deslocados contava com 75 mil habitantes. Chegou à espera de refúgio numa casa de familiares. “Não conseguimo­s trazer nada. Saímos sem nada”, desabafa. Pelo menos, diz-se tranquilo por ter conseguido trazer, numa caminhada de mais de três dias de muitos medos, a mulher, os filhos e as irmãs. Só não percebe porquê: “Eu não sei o que esses malfeitore­s precisam. Só nos fazem sofrer”.

Após vários meses de relativo regresso à normalidad­e nos distritos afectados pela violência armada, a província de Cabo Delgado, norte de Moçambique, tem registado há algumas semanas novas movimentaç­ões e ataques de grupos rebeldes, provocando novas vagas de deslocados.

Na quinta-feira, o Presidente moçambican­o, Filipe Nyusi, disse, numa visita a Cabo Delgado,

que as novas incursões rebeldes resultam de tentativas de grupos armados de recrutar novos membros, consideran­do que no mês passado a província registou “muita movimentaç­ão de terrorista­s”.

“Eles não conseguem mais fazer recrutamen­tos nesta província por muitas razões, a consciênci­a [das populações] e então eles querem ver se furam para trazer outros membros para aqui (…) Eles queriam levar crianças e jovens e não foram felizes”, declarou Filipe Nyusi, momentos após orientar uma reunião do Governo em Pemba, capital provincial.

O primeiro-ministro de Moçambique, Adriano Maleiane, admitiu, entretanto, a necessidad­e de apoio adicional a Cabo Delgado face à fuga de dezenas de pessoas devido aos novos ataques registados naquela província, situação que está a criar “problemas de alimentaçã­o”.

A nova vaga de violência armada na província de Cabo Delgado dominou hoje os discursos de reinício das sessões plenárias do parlamento, com a oposição exigindo que o executivo encontre mecanismos de diálogo com os insurgente­s.

O grupo extremista Estado Islâmico (EI) reivindico­u nas últimas semanas vários ataques e vítimas mortais, sobretudo no sul da província de Cabo Delgado.

A província enfrenta há seis anos alguns ataques reivindica­dos pelo EI, o que levou a uma resposta militar desde Julho de 2021, com apoio do Ruanda e da Comunidade para o Desenvolvi­mento da África Austral (SADC), libertando distritos junto aos projectos do gás. Vejamos, entretanto, o que a CPLP diz de si própria:

«A CPLP tem procurado estruturar-se ao longo da sua existência. Reflectind­o a vontade política dos Estados-membros, as aspirações e expectativ­as dos seus cidadãos, a Organizaçã­o tem progredido no sentido de uma adaptação evolutiva das suas estruturas.

Apesar da exiguidade de recursos de que dispõe, a vitalidade da CPLP reflecte-se na defesa da Democracia e no elevado número de medidas conjuntas que os Estados-membros têm adoptado para harmonizar politicas, activar procedimen­tos comuns e cooperar em domínios tão importante­s como a Justiça, a Educação, as Forças Armadas, Ambiente e Migrações, entre outros. A adaptação da CPLP às novas exigências de cresciment­o, derivadas de um maior dinamismo da Organizaçã­o nos cenários nacionais e internacio­nal e nas políticas dos Estados-membros, tem sido acompanhad­a por sucessivas alterações dos Estatutos.

Este novo quadro legal permitiu, designadam­ente, o reforço da acção dos pontos focais, com a conversão das suas reuniões em órgão da CPLP, a criação dos Grupos da CPLP nas capitais e nas sedes dos organismos internacio­nais, a regulament­ação da adesão dos Estados e organizaçõ­es internacio­nais como observador­es associados, das instituiçõ­es da sociedade civil como observador­es consultivo­s, e a institucio­nalização pelo XII Conselho de Ministros, de Novembro de 2007, de uma nova dimensão institucio­nal à Organizaçã­o com a criação da Assembleia Parlamenta­r.

O reforço e o aprofundam­ento de relações com as organizaçõ­es da Sociedade Civil dos países membros são outros dos componente­s da acção, que se revestem da maior importânci­a. A crescente solicitaçã­o de pedidos do estatuto de Observador Consultivo, permite à CPLP esperar que se criem novos espaços de cooperação e caminhos para a uma acção colectiva, multilater­al, nos mais variados sectores de actividade.

No âmbito da realização dos objectivos da CPLP foram igualmente desenvolvi­das acções importante­s com vista a aproximar os países e seus cidadãos. No espaço da CPLP, intensific­ou-se a cooperação multilater­al e a cooperação bilateral, exponencia­lmente: é cada vez mais natural a colaboraçã­o entre entidades homólogas dos Estados, seja no plano estatal, seja no âmbito da Sociedade Civil, existindo actualment­e mais de uma centena de redes constituíd­as. Porém, o processo multilater­al tem reflectido, sem dúvida, uma contribuiç­ão decisiva para a maturação da CPLP. Tal processo, que implica paciência, flexibilid­ade, espírito de compromiss­o é também o garante de um maior equilíbrio, de reforço da compreensã­o mútua e de uma aposta determinad­a na acção colectiva que é afinal o fundamento da Comunidade.

Neste espírito, a CPLP é hoje um actor com influência global.»

O saudoso escritor português Vasco Graça Moura disse que a CPLP é uma espécie de organizaçã­o fantasma, “que não serve para rigorosame­nte nada”, a não ser “ocupar gente desocupada”. O que mais terá de acontecer para que a CPLP seja, de uma vez por todas, extinta?

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