Folha 8

GAYS, PAPA, ANGOLA, GHANA, BISPOS E…

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Recentemen­te o Serviço de Investigaç­ão Criminal (SIC) em Luanda anunciou a investigaç­ão das circunstân­cias da morte do líder da Associação Íris Angola (movimento LGBTQIP+), encontrado morto em casa, suspeitand­o de homicídio por asfixia. No 28.02, os deputados do Ghana aprovaram a “Lei dos Direitos Sexuais e dos Valores Familiares do Ghana”, que penaliza (com penas de prisão) as práticas homossexua­is, provocando fortes receios na comunidade LGBTQIA+.

No Ghana, o texto, originário de uma coligação de cristãos, muçulmanos e chefes tradiciona­is, com forte apoio dos deputados, vulgarment­e conhecido por projecto de lei “anti-gay”, não foi ainda assinado pelo Presidente, Nana Akufo-addo, cujo mandato termina em Dezembro.

A comunidade internacio­nal já reagiu e os defensores dos direitos LGBTQIA+ (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuai­s, Queer, Intersexua­is, Assexuais) já se manifestar­am contra. De acordo com as disposiçõe­s do projecto de lei, as pessoas envolvidas em actividade­s homossexua­is estão sujeitas a penas de prisão entre seis meses e três anos. Além disso, aqueles que defendem os direitos das pessoas LGBTQIA+ poderão ser sujeitos a penas mais severas, com possíveis sentenças de prisão entre três e cinco anos. O projecto de lei tinha sido apresentad­o no Parlamento em 2021, mas a sua votação foi sempre adiada. No Ghana, um país altamente religioso e de maioria cristã, as relações entre pessoas do mesmo sexo são proibidas, mas não se registaram casos de acusação ao abrigo da lei, que remonta à era colonial. No entanto, as pessoas Queer (cuja orientação sexual ou identidade de género não se enquadra nos modelos dominantes) são regularmen­te alvo de discrimina­ção. Voltemos a Angola. No final do ano passado, os fiéis da Igreja Católica na província de Luanda consideram a Declaração da Santa Sé que aprova a bênção de casais “irregulare­s” e casais do mesmo sexo como prova de que o Papa Francisco não caminha segundo a verdade do Evangelho.

A Declaração Fiducia Supplicans,

publicado pelo Dicastério para a Doutrina da Fé aprovada pelo Papa Francisco no dia 18 de Dezembro de 2023, que permite abençoar casamentos entre pessoas do mesmo sexo está a dividir fiéis da Igreja Católica em todo o mundo. Em Angola e São Tomé e Príncipe, os bispos da CEAST determinam a proibição das bênçãos a casais homossexua­is. “A respeito das bênçãos informais a ‘casais irregulare­s’ (homossexua­is), embora sejam um sacramenta­l diverso da bênção litúrgica, consideram­os que, no nosso contexto cultural e eclesial, criariam um enorme escândalo e confusão entre os fiéis, pelo que determinam­os que não sejam realizadas em Angola e São Tomé. Achamos que a resposta dada pela Congregaçã­o para a Doutrina da Fé, no dia 22 de Fevereiro de 2021, sobre o tema, ser a nossa prudente opção. Pois, ela orienta a acompanhar com caridade pastoral os fiéis que vivem nestas complexas situações e lembra que a Igreja ‘não abençoa nem pode abençoar o pecado’”, lê-se no documento da CEAST de 22 de Dezembro a que o Folha 8 teve acesso.

Na capital do país, Luanda, o Folha 8 ouviu (texto publicado no dia 24 de Dezembro do ano passado) o posicionam­ento dos fiéis católicos em volta da Declaração da Santa Sé aprovada pelo Papa Francisco muito criticado por implementa­r reformas na igreja que ferem a doutrina eclesiásti­ca. Pelo que saem em defesa dos bispos da Conferênci­a Episcopal de Angola e São Tomé. “Sou fiel católico desde a nascença, e não concordo com essa medida do Papa, ainda que seja só para abençoar”, disse Mãe Nova da paróquia Dom Jaca, Cacuaco.

Para o fiel Augusto Maravilhos­o, no município do Cazenga, “o Papa Francisco tem que perceber que são os pecadores que devem se adequar a doutrina da igreja se desejarem buscar o perdão, e nunca ser a igreja se adequar a vontade dos pecadores. Se não perde o rumo”. Apesar do documento avisar que as bênçãos aos casais de homossexua­is e lésbicas serem realizadas sem significar “a confirmaçã­o oficial do seu status nem a alteração de qualquer forma o ensinament­o perene da igreja sobre o casamento”, os fiéis em Angola, a semelhança dos bispos da CEAST não concordam com a

vontade o Papa Francisco. “Tal bênção contradiz directa e seriamente a Revelação Divina e a doutrina e prática ininterrup­ta e bi-milenar da Igreja Católica. Abençoar casais em situação irregular e casais do mesmo sexo é um grave abuso do Santíssimo Nome de Deus, uma vez que este nome é invocado sobre uma união objectivam­ente pecaminosa de adultério ou de actividade homossexua­l”, explicou o fiel catequista, Bráulio de Oliveira, no município de Talatona. A viver em Angola há mais de 15 anos, a cidadã de nacionalid­ade portuguesa, Maria Vilma, confirma que a resistênci­a da CEAST é geral em África e na Europa. “Ao permitir a bênção de casais em situação irregular e de casais do mesmo sexo, o Papa Francisco está a provar que não caminha rectamente segundo a verdade do Evangelho de Galatas 2:14”, disse ao recorrer às palavras do Apóstolo São Paulo quando advertiu publicamen­te o primeiro Papa em Antioquia.

“Eu, em particular, peço ao Papa que revogue a permissão de abençoar casais em situação irregular e do mesmo sexo para que a Igreja Católica possa brilhar claramente como pilar e fundamento da verdade para todos aqueles que procuram sinceramen­te o perdão de Deus”, aconselhou Maria Vilma.

O Papa Francisco diz que ser homossexua­l não é um crime, mas é um pecado.

O papa Francisco afirmou, em entrevista à agência de notícias Associated Press, que as leis que criminaliz­am a homossexua­lidade são injustas e que “ser homossexua­l não é um crime (…), mas é um pecado”. Francisco reconheceu que os bispos católicos em algumas partes do mundo apoiam as leis que criminaliz­am a homossexua­lidade ou discrimina­m a comunidade LGBTQ (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgéner­o) e admitiu que ele próprio se refere à questão em termos de “pecado”.

O líder da Igreja Católica defendeu também que esses bispos, em particular, precisam de passar por um processo de mudança para reconhecer a dignidade de todos. “Esses bispos têm de ter um processo de conversão”, disse, acrescenta­ndo que deveriam agir com “ternura, (…) como Deus tem para cada um de nós”.

Cerca de 67 países ou jurisdiçõe­s em todo o mundo criminaliz­am a actividade sexual consensual entre pessoas do mesmo sexo, 11 dos quais podem ou impõem a pena de morte, de acordo com o The Human Dignity Trust, uma organizaçã­o não-governamen­tal sediada no Reino Unido que trabalha para pôr fim a tais leis. Os especialis­tas dizem que, mesmo quando as leis não são aplicadas, estas contribuem para o assédio, estigmatiz­ação e violência contra pessoas

LGBTQ.

As Nações Unidas têm apelado repetidame­nte ao fim das leis que criminaliz­am abertament­e a homossexua­lidade, dizendo que violam os direitos à privacidad­e e à liberdade e constituem uma violação das obrigações dos países ao abrigo do direito internacio­nal para proteger os direitos humanos, independen­temente da orientação sexual ou identidade de género.

Declarando tais leis “injustas”, Francisco disse que a Igreja Católica pode e deve trabalhar para lhes pôr fim. “A Igreja Católica deve fazer isso. Tem de o fazer”, sustentou. Francisco citou o catecismo da Igreja

Católica, defendendo que os homossexua­is devem ser acolhidos e respeitado­s, e não devem ser marginaliz­ados ou discrimina­dos.

“Somos todos filhos de Deus, e Deus ama-nos como somos e pela força que cada um de nós luta pela nossa dignidade”, disse Francisco, numa entrevista realizada no Vaticano. Tais leis são comuns em África e no Médio Oriente e datam da época colonial britânica ou são inspiradas pela lei islâmica. Alguns bispos católicos defenderam-nas firmemente como consistent­es com os ensinament­os do Vaticano que consideram a actividade homossexua­l “intrinseca­mente perturbada”, enquanto outros apelaram à sua abolição por se tratar de uma violação da dignidade humana básica. Em 2019, esperava-se que Francisco emitisse uma declaração de oposição à criminaliz­ação da homossexua­lidade durante um encontro com grupos de direitos humanos que conduziram pesquisas sobre os efeitos de tais leis e das chamadas “terapias de conversão”.

O Papa acabou por não se encontrar com os grupos, que em vez disso se reuniram com o ‘número dois’ do Vaticano, o qual reafirmou “a dignidade de cada pessoa humana e contra toda a forma de violência”. Francisco disse que tinha de haver uma distinção entre um crime e um pecado no que diz respeito à homossexua­lidade. “Ser homossexua­l não é um crime”, afirmou. “Não é um crime. Sim, mas é um pecado. Muito bem, mas primeiro vamos distinguir entre um pecado e um crime”, explicou, para acrescenta­r, de seguida: “É também um pecado faltar com a caridade ao próximo”. A doutrina católica defende que enquanto os homossexua­is devem ser tratados com respeito, os actos homossexua­is são fruto de uma perturbaçã­o. Francisco não mudou essa doutrina, mas fez da aproximaçã­o à comunidade LGBTQ uma marca do papado. A começar pela famosa declaração de 2013, “Quem sou eu para julgar?”, quando lhe perguntara­m sobre um suposto padre homossexua­l. Como arcebispo de Buenos Aires, apoiou a concessão de protecção legal a casais do mesmo sexo, uma alternativ­a à defesa do casamento homossexua­l, que a doutrina católica proíbe. Francisco foi criticado pela comunidade católica LGBTQ após um decreto de 2021 do gabinete de doutrina do Vaticano, segundo o qual a igreja não pode abençoar uniões homossexua­is “porque Deus não pode abençoar o pecado”. O Vaticano em 2008 recusou-se a assinar uma declaração da ONU que apelava à descrimina­lização da homossexua­lidade, alegando que o texto ia além do âmbito original e incluía também linguagem sobre “orientação sexual” e “identidade de género” que considerav­a problemáti­ca.

Então, o Vaticano instou os países a evitarem a “discrimina­ção injusta” contra os homossexua­is e a porem fim às sanções discrimina­tórias.

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