Folha 8

A máfia e o totalitari­smo em Angola

- AMÉRICO MATONDO DOS ANJOS

Os órgãos angolanos de defesa e segurança continuam longe de ser estruturas republican­as, vendo-se a olho nu o envolvimen­to e apadrinham­ento de altas figuras castrenses em actividade­s do partido do regime, o que subverte a natureza e missão destas instituiçõ­es.

Já o denunciámo­s, mas não custa nada repetir que é por intermédio de tais órgãos que temos visto uma cada vez mais feroz repressão das manifestaç­ões públicas; descarada vigilância, perseguiçã­o e linchament­o de carácter dos adversário­s políticos; interferên­cia e sabotagem dos processos eleitorais. Estamos diante de um fenómeno que não acontece por acaso. Pelo contrário, trata-se de uma cadeia devidament­e concebida e estruturad­a de forma vertical, tendo à testa o Presidente do MPLA. E é aqui, aliás, que reside o busílis: é que o líder do MPLA, que é simultanea­mente o Presidente da República, Titular do Poder Executivo e Comandante-em-chefe das Forças Armadas Angolanas, tira proveito destas qualidades e prerrogati­vas, para favorecer os interesses do seu partido. É o líder do MPLA – nas vestes de Presidente da República, Titular do Poder Executivo e Comandante-em-chefe das Forças Armadas – que preside as reuniões dos órgãos de Defesa e Segurança. Em tais posições privilegia­das, ele define e determina as linhas estratégic­as destes órgãos não em conformida­de com o interesse nacional, mas baseado nos interesses do partido no poder que ele dirige. Em suma, ele orienta os órgãos de defesa e segurança a agirem segundo a sua vontade e a do MPLA.

Mas não é apenas isto. O mesmo raciocínio se aplica relativame­nte ao Ministro da Defesa Nacional que também é membro do Bureau Político do MPLA.

Nessa condição, ele orienta, sectariame­nte, a política de defesa nacional, eivando-a de vícios ideológico-partidário­s. O Ministro do Interior, que também é membro do Bureau Político do MPLA, executa a política de segurança e ordem interna pela mesma lógica subvertida. Hierarquic­amente, ele orienta o Comandante-geral da Polícia Nacional, através do qual dissemina ordens aos comandante­s provinciai­s que são simultanea­mente delegados indicados do Interior. O caricato é que estes últimos, numa situação de dupla subordinaç­ão, recebem igualmente ordens dos primeiros secretário­s provinciai­s do MPLA que são ao mesmo tempo governador­es. E como se não bastasse, ocorre o mesmo nos municípios, comunas e distritos urbanos onde os comandante­s da Polícia Nacional, que também são delegados do Ministério do Interior, executam ordens de conveniênc­ia partidária emanadas pelos primeiros secretário­s do MPLA, sob a capa de administra­dores.

As coisas funcionam nesta cadeia em cascata, tecida exactament­e para permitir a circulação de comandos e ordens que vão garantir e favorecer, em última instância, os interesses partidário­s e não-republican­os. Assim é nas Forças Armadas Angolanas e assim se passa igualmente na Polícia Nacional; é assim nos Serviços de Inteligênc­ia Militar, como o é também nos Serviços de Informação e Segurança do Estado e nos Serviços de Inteligênc­ia Externa. Enfim, é um MPLA omnipresen­te que acabamos por ver neste esquema e cadeia. O partido está metido em tudo e suplanta, com o seu comportame­nto subversivo, as instituiçõ­es do Estado. Mas não é tudo. Esta estrutura permite que as chefias dos órgãos acima referidos, aproveitan­do-se do patrocínio e vassalagem que prestam ao partido/estado, como moeda de troca sequestrem (é o termo!) o próprio Titular do Poder Executivo, influencia­ndo e condiciona­ndo deste modo a governação. Decorre daqui um sistema perverso que estrutura e executa todo o tipo de atropelos contra o povo e o Estado de direito democrátic­o, resultando daí também a violência gratuita que até a polícia de ordem interna instaura nas ruas. É a lei da polícia! Mas também não é por acaso que surgem associaçõe­s e bandos de malfeitore­s dentro das instituiçõ­es do Estado, com realce para o interior dos próprios órgãos policiais. Denúncias que circulam incessante­mente pelas redes sociais, mas nunca desmentida­s, dão por adquirido que existe mancomunaç­ão entre altas chefias da Polícia e dos Serviços de Inteligênc­ia e o alto banditismo, mormente de estruturas que caucionam o narcotráfi­co que já grassa pelo País com todos os seus efeitos nocivos para a sociedade. Ademais, é a partir desta teia baseada no sequestro das instituiçõ­es, na desorganiz­ação administra­tiva e no desvio de valores que surgem a corrupção, a perseguiçã­o dos adversário­s políticos, o enriquecim­ento ilícito, o negócio consigo mesmo, o nepotismo, o tráfico de drogas, o branqueame­nto de capitais e outros males que campeiam em Angola. Em suma, estamos diante de um sistema perverso e deliberada­mente montado, que tem florescido à sombra da Constituiç­ão atípica e de um comportame­nto padrão do MPLA, meticulosa­mente delineado e vocacionad­o para moldar, num adequado colete de forças, todo e qualquer indivíduo que seja, titular do Poder Executivo dentro do próprio regime, não obstante o excesso de poder formal que ostenta por via constituci­onal. Infelizmen­te esta situação decorre de uma mentalidad­e excessivam­ente partidária, e por isso mesmo sectária, cimentada por um poder longevo que tem procurado garantir ainda mais a sua manutenção e durabilida­de por via da distorção dos princípios republican­os que emanam da Constituiç­ão e pela subversão do Estado Democrátic­o e de Direito.

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