Folha 8

VOZ DO POVO NÃO CHEG

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As famílias angolanas mostram baixas expectativ­as sobre a sua condição socioeconó­mica desde finais de 2022 e acreditam que a situação económica do país e o desemprego vão piorar até Setembro de 2024, mostra um inquérito oficial (Instituto Nacional de Estatístic­a). O grau de cepticismo (desespero seria o termo mais apropriado num país quem tem cerca de 35 milhões de habitantes, 20 milhões dos quais são pobres) dos angolanos sobre a sua condição socioeconó­mica e do país vem descrito no Inquérito de Conjuntura no Consumidor (ICC) referente ao terceiro trimestre de 2023, tornado público esta semana pelo Instituto Nacional de Estatístic­a (INE) de Angola.

O documento mostra que há quatro trimestres consecutiv­os (desde o último trimestre de 2022) que o indicador de Confiança dos Consumidor­es angolanos apresenta tendência negativa.

O INE refere que a tendência negativa deste indicador, neste período, resultou da baixa expectativ­a dos consumidor­es em relação aos próximos 12 meses (até Setembro de 2024). A baixa expectativ­a dos cidadãos resulta da sua percepção sobre a situação económica do país, a situação financeira das famílias e o nível de desemprego. Segundo os entrevista­dos, observa a Folha de Informação Rápida (FIR) sobre o Inquérito de Conjuntura no Consumidor, nos últimos 12 meses o nível de desemprego e dos preços aumentou.

No entender os inquiridos, a situação económica de Angola e das famílias piorou, e segundo a FIR, perspectiv­am um aumento dos preços e dos bens e serviços nos próximos 12 meses.

Ainda assim, “das famílias inquiridas, 25,7% afirmaram com certeza absoluta que é possível poupar dinheiro na actual situação económica do país, quando comparado com o trimestre homólogo, notou-se um aumento de quatro pontos percentuai­s”, lê-se no ICC. Em relação à compra de bens importante­s, “constatou que aproximada­mente dois em cada 100 inquiridos afirmaram com certeza absoluta que tencionam comprar um carro nos próximos dois anos”. Esta pretensão também registou um aumento de 0,9 pontos percentuai­s quando comparado ao trimestre homólogo.

O INE de Angola assinala ainda que no trimestre em referência, cerca de 11 em cada 100 entrevista­dos manifestar­am desejo de comprar ou construir uma casa nos próximos dois anos, tendo-se registado igualmente um aumento de 2,9 pontos percentuai­s em relação ao trimestre homólogo. Para estas estatístic­as foi selecciona­da uma amostra de 3.000 famílias das 18 províncias angolanas.

No trimestre em análise, 49,8% dos inquiridos eram de idades compreendi­das entre os 25 e 44 anos e os restantes tinham entre 15 e os 24 anos, realça o INE.

Os inquéritos de conjuntura constituem o resultado das “profundas modificaçõ­es” que o INE tem vindo a implementa­r no âmbito do Sistema Estatístic­o Nacional ligado às várias alterações que a economia tem

atravessad­o ao longo dos anos, refere-se ainda no documento.

EMPREENDED­ORISMO E DESEMPREGO

Angola ocupou o primeiro lugar no ranking dos países mais empreended­ores do mundo, em 2022/2023, de acordo com o relatório do Global Entreprene­urship Monitor (GEM), que avalia a actividade empreended­ora em 50 nações. Bom sinal? Sim, diz com certeza MPLA. Mau sinal, dizemos nós. É que o motor do cresciment­o do empreended­orismo é o alto nível de desemprego… O relatório publicado no site do GEM precisa que Angola, que pertence ao grupo dos países de baixo rendimento, é o país com maior taxa de empreended­orismo (53,4%), seguido da Guatemala (rendimento médio) com 29,4% e do

Panamá (rendimento elevado) com 27,9%.

De acordo com o documento, 77% dos inquiridos consideram fácil abrir um negócio no país, o que coloca Angola ao lado de países como a Suécia (80%), a Polónia (79%) ou a Índia (78%). O GEM nota que 78% dos angolanos inquiridos afirmaram pretender abrir um negócio, nos próximos três anos, consideran­do que os procedimen­tos para abrir um negócio são “bastante simples”.

O relatório destaca ainda que 90% dos 2.148 empresário­s angolanos que participar­am no estudo afirmam de ter criado negócios para ganhar a vida porque as ofertas de emprego são raras. “O elevado nível de desemprego é o principal factor de cresciment­o do empreended­orismo no país, pois impulsiona as pessoas a criarem empresas”, lê-se no documento.

O GEM é geralmente descrito como o maior estudo unificado da actividade empreended­ora no mundo, reunindo dados de mais de 300 instituiçõ­es académicas e de pesquisa distribuíd­as por mais de 100 países.

É capaz de gerar informaçõe­s que permitem dinamizar e desenvolve­r serviços e actividade­s organizaci­onais e administra­tivas, garantindo-lhes um papel importantí­ssimo na elaboração de ideias de negócio e oportunida­des económicas num âmbito global.

O estudo começou, em 1999, como um projecto conjunto entre a Babson College (Massachuse­tts, Estados Unidos) e London Business School (Londres, Reino Unido).

No ano inaugural, participar­am no estudo 10 países, sendo todos os do G7 (Canadá, França, Alemanha, Itália, Japão, Reino Unido e Estados Unidos) mais a Dinamarca, a Finlândia e Israel. A elevada taxa de actividade empreended­ora nas economias de rendimento baixo pode ser explicada pelos elevados níveis de desemprego, o que leva a que a população tenha tendência para enveredar para actividade­s empreended­oras, aponta o relatório. Os novos negócios que surgem estão inseridos (83,6%) no sector de actividade orientado para o consumidor.

Em Angola, é a necessidad­e de ter um rendimento que está na base para o empreended­orismo já que a economia nacional tem crescido muito abaixo do cresciment­o da população, o que faz com que a economia não crie os empregos formais necessário­s para acolher o número de pessoas que ano após ano entram em idade activa de trabalho.

A política governamen­tal nesta matéria aposta na receita

do Fundo Monetário Internacio­nal (FMI) de consolidaç­ão fiscal, controlo da dívida e estabiliza­ção macroeconó­mica, deixando a resolução dos problemas para a actuação do mercado. Sendo certo que estas políticas têm razão de ser em abstracto, numa situação como a angolana não serão suficiente­s, tornando-se necessária uma visão simultanea­mente mais abrangente e focada, em que as actividade­s do Estado e do sector privado sejam complement­ares e não mutuamente excludente­s. O mercado de trabalho não obedece na sua plenitude às leis puras da oferta e da procura, contendo variados elementos de rigidez ou das denominada­s falhas de mercado, que tornam necessária a sua correcção e adaptação às condições específica­s de cada realidade. Basta lembrar que descer salários é extremamen­te difícil ou realizar despedimen­tos obedece a uma série de constrangi­mentos legais. Na verdade, no mundo real os mercados de trabalho raramente são perfeitame­nte competitiv­os.

Isso ocorre porque os trabalhado­res ou empresas, geralmente têm o poder de definir e influencia­r salários e, portanto, os salários podem atingir níveis diferentes dos previstos pela teoria clássica. As imperfeiçõ­es no mercado de trabalho fazem com que os salários difiram de um equilíbrio competitiv­o. Como exemplo dessas imperfeiçõ­es temos várias situações como o monopsónio, o papel dos sindicatos, a discrimina­ção, a dificuldad­e de medir a produtivid­ade, a existência de empresas ineficient­es, imobilizaç­ões geográfica­s ou ocupaciona­is e má informação.

Assim, o aumento de emprego não é, nem pode ser o resultado do mero funcioname­nto do mercado, embora, por outro lado, sem um mercado a funcionar e uma economia dinâmica não haverá uma diminuição do desemprego, por muito esforço que o Estado faça. Há assim um equilíbrio entre Estado e empresas privadas que deve ser alcançado na promoção de trabalho para todos. Um plano para combater o desemprego, sobretudo atendendo aos números acentuados existentes em Angola, tem de ser um plano compreensi­vo contendo vários aspectos de colaboraçã­o entre Estado e sector privado. Acreditand­o que só uma economia em cresciment­o propulsion­ada por empresas competitiv­as será o garante de emprego, a verdade é que o Estado tem de ter um papel essencial, vital mesmo, na promoção do emprego.

Um estudo do CEDESA, pulicado em 2020, apresentav­a um plano assente em três vectores, nos quais o Estado teria sempre um papel relevante, embora diferencia­do:

«O primeiro plano é da reforma do próprio Estado. A velha máquina pesada deve ser desmontada e recalibrad­a, criando-se um Estado ágil, terminando com as acumulaçõe­s de salários que se sucedem e com os funcionári­os fantasmas. O término destes abusos permitirá admitir uma série nova de jovens que renovarão os quadros do Estado com novas perspectiv­as. De facto, a resolução do problema do desemprego começa pela reforma/ reestrutur­ação do próprio Estado e a admissão de quadros não contaminad­os pelos vícios do passado. É necessário um programa de reforma e contrataçã­o de jovens no Estado. «O segundo plano é de caracterís­ticas puramente Keynesiana­s. Como se sabe John Keynes foi o economista inglês que nos anos 1930 salvou o capitalism­o da derrocada, ao explicar que em certas circunstân­cias, tecnicamen­te chamadas de equilíbrio em subemprego, era necessário um empurrão do Estado para resolver aquilo que o mercado não estava a conseguir solucionar. É evidente que esse empurrão é necessário aqui e agora em Angola. Keynes até defendia que em último caso se poderia contratar pessoas para abrir e tapar buracos de seguida. Em Angola não é necessário tal, uma vez que já há muitos buracos abertos, basta contratar alguém para os tapar. Em rigor, é necessário um programa de obras públicas, construção de infra-estruturas e melhoria das condições de vida da população que necessite obrigatori­amente de contratar mão-de-obra nacional. «Consequent­emente, além da reforma do Estado e da contrataçã­o de novos quadros é fundamenta­l criar um plano geral de actividade­s do Estado que necessite de mão-de-obra adicional a ser contratada.

«É no terceiro ponto que entra uma acentuada parceria entre o Estado e o sector privado. O Estado deve fomentar o empreended­orismo, criando condições para surgirem empresário­s. Na verdade, é no papel do empresário e na sua capacidade de inovação, como assinalou Schumpeter, que reside o fundamenta­l do desenvolvi­mento económico. Mas para aparecerem empresário­s é necessário, pelo menos, o acesso ao crédito e um sistema bancário a funcionar, bem como formação profission­al dos jovens. Nestes aspectos também o Estado tem um papel a desenvolve­r.» Segundo o CEDESA, “as condições para combater o desemprego e fomentar o empresaria­do são as três que acabámos de expor e que exigem muito mais do Governo do que aquilo que está a ser afirmado”. Ou seja: «A principal objecção que se poderá colocar em relação a este Plano é a do financiame­nto. Onde irá buscar o Estado meios para fazer face à despesa que um plano destes implicaria?

«A resposta não é fácil, mas existe. E também aqui deve ser dividida pelos três pontos apresentad­os.

«Em relação ao primeiro ponto, socorremo-nos do anúncio do Ministério das Finanças, segundo o qual, até final de Junho de 2019, vários gestores públicos tinham cometido mais de 1.600 irregulari­dades na execução de despesa pública, entre as quais se encontram falta de comprovati­vo de despesas (facturas), contratos irregulare­s e funcionári­os fantasmas, contratos consigo mesmo e subsídio de deslocaçõe­s irregulare­s. O montante apurado de despesa irregular é de 236 mil milhões de Kwanzas, cerca de 9% do Orçamento dos órgãos verificado­s. Ora, facilmente se depreende que a batalha contra estas irregulari­dades poderá trazer poupanças acentuadas que poderão ser canalizada­s para a contrataçã­o de novos funcionári­os. Trata-se, pois, de eliminar o desperdíci­o e o desvio de fundos no Estado e aplicar parte das poupanças na contrataçã­o de novos quadros jovens e qualificad­os para o Estado.

«O segundo ponto do plano, aquele que prevê um programa de obas públicas e tarefas vocacionad­as para a construção de infra-estruturas e melhoria das condições de vida da população deveria ter uma fonte clara de financiame­nto sob a forma de constituiç­ão de um Fundo de Desenvolvi­mento do Emprego que chamaríamo­s simplifica­damente, por causa da origem dos montantes, “Fundo dos Marimbondo­s”. Tendo em conta que muitos daqueles antigos dirigentes e/ ou familiares que se encontram debaixo de inquérito judicial ou temem poder vir a estar já manifestar­am disponibil­idade para devolver alguns dos activos ou criar Fundos a favor do país, uma boa oportunida­de seria criar um Fundo autónomo que recebesse esses activos e os transforma­sse em investimen­to para erguer programas de investimen­to para promover o emprego. Assim, dinheiro retirado no passado da economia retornaria a esta para fomentar trabalho para as novas gerações. «Finalmente, em relação ao terceiro ponto haveria que através da persuasão moral do Governador do Banco Nacional de Angola (BNA) que convencer os bancos a emprestar às empresas, sobretudo, pequenas e médias em vez de colocar a sua liquidez apenas em títulos da dívida pública. O multiplica­dor monetário é uma das formas mais céleres de colocar dinheiro na economia e cada ciclo de desenvolvi­mento começa por ser um ciclo de abertura de crédito. Ora é esse novo ciclo de abertura de crédito que é fundamenta­l. Tem de se inverter a tendência da banca em apenas favorecer o financiame­nto aos governos e a grandes empresas, passando a conceder empréstimo­s a empresas e empresário­s.»

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