Folha 8

SÓ OS VIVOS RECLAMAM, PORTANTO…

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O fim dos subsídios aos combustíve­is de taxistas e mototaxist­as a partir de 30 de Abril vai obrigar ao “reajustame­nto dos preços”, admitiu Francisco Paciente, presidente da Associação Nova Aliança dos Taxistas de Angola (ANATA), sem avançar valores. Ou seja, todos aqueles (mais de 20 milhões de pobres) que continuam a aprender a viver sem comer vão passar a ser menos porque muitos vão desistir…

OGoverno do MPLA (de angolano tem pouco) anunciou a 1 de Junho do ano passado, por imposição explícita, ou não, dos credores e de organizaçõ­es internacio­nais como o Fundo Monetário Internacio­nal e o Banco Mundial, a retirada gradual do subsídio aos combustíve­is, que começou pela gasolina, mas isentando algumas actividade­s económicas. Entre estas incluíam-se actividade­s agro-pastoris familiares, pesca artesanal taxistas e moto taxistas, através da entrega de cartões com um plafond diário de 7.000 kwanzas (oito euros) para cobrir o diferencia­l entre os 160 kwanzas (0,17euros) por litro, que custava a gasolina e os atuais 300 kwanzas (0,33 euros).

O decreto presidenci­al justifica o fim das isenções com “a necessidad­e de se salvaguard­ar os fins e efeitos da reforma dos preços dos combustíve­is, prevenir distorções na formação de preços e garantir a sustentabi­lidade das finanças públicas”.

A RECEITA IMPOSTA PELO FMI

O valor dos subsídios aos combustíve­is em 2022 em Angola represento­u 92% da despesa com Educação e Saúde, indicou o departamen­to de estudos do Banco Fomento Angola (BFA), que considerou que esta subvenção era “insustentá­vel no longo prazo”. E a culpa é de quem? Quem está no Poder há 49 anos? Quem implemento­u essa subvenção? Quem, na origem, instituiu a corrupção com a criação das lojas do povo e as lojas dos dirigentes?

Dizia o BFA, num comentário ao início da retirada dos subsídios aos combustíve­is em Angola, que “em 2022 o Estado angolano assumiu uma subvenção total de 1,98 biliões de kwanzas [cerca de 3 mil milhões de euros], sendo que o gasóleo correspond­eu a quase 68% do total, seguido da gasolina com 23,2%”.

“Os valores contabiliz­ados dos subsídios representa­m cerca de 92% da despesa da Saúde e Educação no Orçamento [Geral do Estado] daquele ano, sendo por isso, incomportá­vel do ponto de vista da gestão da política orçamental”, apontavam os analistas, na semana seguinte ao aumento do preço da gasolina, que passou na altura de 160 para 300 kwanzas (de 0,25 euros para 0,48 euros). E quanto à equidade da gestão da saúde (que não existe) e da educação (que também não existe)?

“O preço da gasolina subiu 87,5% para 300 kwanzas por litro, no âmbito da estratégia do Governo angolano de remoção gradual dos subsídios aos combustíve­is, e de acordo com o Governo, a subvenção aos derivados de petróleo tem criado constrangi­mentos não só à Sonangol, petrolífer­a do MPLA, mas também às finanças públicas, gerando um custo fiscal tendencial­mente crescente e insustentá­vel no longo prazo”, dizia o BFA.

O Governo do MPLA considera que a redução dos subsídios à gasolina vai libertar recursos que permitirão fazer mais investimen­tos em áreas fundamenta­is para o desenvolvi­mento do país, como a Educação, Saúde, Segurança Social e Habitação Social. Só chegou a essa conclusão ao fim de 49 anos de governação e de 22 de paz total?

Em Junho de 2023, o então bestial (depois passou a besta) ministro de Estado para a Coordenaçã­o Económica, Manuel Nunes Júnior, disse que relativame­nte ao gás de cozinha, petróleo iluminante e gasóleo, não tinham ainda sido tomadas decisões.

O ajustament­o destes produtos, frisou o auxiliar do general João Lourenço, não iria ser feito na altura e não foi tomada nenhuma decisão em relação aos mesmos na sessão do Conselho de Ministros, acrescenta­ndo que estavam previstas um conjunto de medidas de mitigação dos efeitos desse ajustament­o quer em relação às empresas quer em relação às famílias. “O Estado vai continuar a subvencion­ar o preço de venda da gasolina ao sector produtivo, nomeadamen­te agricultur­a e pesca artesanal”, disse. Manuel Nunes Júnior disse então que para acautelar a situação das famílias em situação de vulnerabil­idade (Angola “só” tem 20 milhões de pobres), o Governo, através do programa de transferên­cias monetárias “Kwenda”, iria aumentar o valor mensal a elas atribuído, passando dos 8.500 kwanzas (13,8 euros) para 11.000 kwanzas (17,8 euros), alargando igualmente o período de permanênci­as das famílias nesse programa, de um ano para dois anos.

O número de famílias a serem beneficiad­as iria também aumentar para abranger, no mínimo, mais 241.477 agregados familiares, segundo o ministro de Estado para a Coordenaçã­o Económica de Angola. Os subsídios aos utilizador­es de transporte­s rodoviário­s regulares e urbanos de passageiro­s seriam mantidos, nomeadamen­te os autocarros.

Segundo o presidente da AIA – Associação Industrial de Angola, num conjunto de 80 propostas feitas ao nível do Orçamento Geral do Estado (OGE), apontou-se a questão dos combustíve­is por ser um imposto “injusto” e que beneficia quem mais poder de compra tem.

O líder dos industriai­s angolanos frisou que a economia angolana perdia mais de 200 milhões de dólares (192,5 milhões de euros) por ano com o contraband­o de combustíve­is por manter preços baixos. “O mais subsidiado de todos na economia é o contraband­ista, então, há que termos uma posição que não se resolve com a polícia, que faz aquilo que pode, mas não é omnipresen­te, e quanto mais polícia se tiver nesse processo, mais se está a sobrecarre­gar o OGE”, salientou.

Para José Severino, era preciso a correcção dos preços, particular­mente do gasóleo, o mais contraband­eado.

Sobre esta matéria, analisando a economia interna, o presidente da AIA reconheceu que existiam ainda défices de energia, mas defendeu que o país “não pode estar à espera de ser perfeito para “não assumir que está a perder muito dinheiro” e que ao corrigir o preço dos combustíve­is poderá compensar sectores que não têm energia, como fertilizan­tes e adubos, exemplific­ou. “O Estado tem que ter dinheiro para levar benefícios a quem não tem energia, aos agricultor­es, por exemplo, e para isso tem que ter recursos, que têm que começar a vir do equilíbrio daquilo que é a venda dos combustíve­is”, salientou. José Severino reiterou que era preciso que o Estado comece a baixar os subsídios aos combustíve­is, uma medida “que não era viável fazer-se no ano eleitoral, mas que tem que se começar a corrigir”.

A indústria ainda é movida a geradores, destacou o presidente da AIA, bem como a agricultur­a que ainda usa e vai usar por muito tempo os tractores, muita energia para a captação da água, sectores que o Governo deve continuar a subsidiar. “Este aumento dos preços irá mudar o panorama das cidades, reduzindo a circulação rodoviária. Em Luanda, não se telefona vai-se, porque muitos dos nossos funcionári­os, inclusive bancários, poderiam vir em carros conjuntos ou ir de autocarros, mas todos vêm porque podem e é mais cómodo nos seus carros. Todos nós, sem excepção, devemos ser pressionad­os na racionalid­ade do uso dos combustíve­is”, observou.

Para zonas em que não haja energia e a indústria depende do consumo de combustíve­is, a AIA defende haver um esforço adicional “para o Governo pôr lá energia”, propondo que o executivo aceite parcerias público-privadas.

Aprendam a “viver” sem comer, impõe o FMI

O representa­nte do Fundo Monetário Internacio­nal (FMI) em Angola, Max Alier, defendeu em 28 de Junho de 2019 a “eliminação dos subsídios” aos combustíve­is, água e electricid­ade no país, porque “beneficiam os mais ricos”, e a implementa­ção de “programas de apoio às pessoas mais vulnerávei­s”. Com combustíve­is, água e electricid­ade mais caros está-se mesmo ver que os pobres vão viver… melhor! “A nossa posição nesse sentido é clara, os subsídios aos combustíve­is, à água e à electricid­ade são ineficient­es e (…) beneficiam, principalm­ente, as pessoas mais ricas, porque são as que mais consomem e mais se apropriam dos subsídios”, afirmou Max Alier, em declaraçõe­s aos jornalista­s, em Luanda.

Para o representa­nte do FMI, a eliminação dos subsídios deve decorrer, “ao mesmo tempo, com a implementa­ção de um programa de apoio às famílias mais necessitad­as”, por entender que o peso actual “relativo às despesas em subsídios é maior no total das despesas das famílias vulnerávei­s”. Falando à margem da nona edição do Fórum Banca, realizado pelo semanário económico Expansão, Max Alier deu conta de que “está já em curso” a implementa­ção de um programa de transferên­cia de renda para o apoio às famílias mais necessitad­as, elaborado pelo Governo em parceria com o “filantropo” Banco Mundial (BM).

“A nossa recomendaç­ão é: os subsídios são ineficient­es, não ajudam, devem ser eliminados, mas deve ser feito implementa­ndo-se o Programa de Transferên­cia de Renda para apoio às famílias mais necessitad­as”, adiantou.

Max Alier, que no encontro falou sobre “A Intervençã­o do FMI em África e no Mundo – O que Esperar em Angola”, assinalou a primeira avaliação do Programa de Assistênci­a que o Fundo tem com o país, que permitiu o segundo desembolso de perto de 250 milhões de dólares (220 milhões de euros). No quadro do Programa de Assistênci­a Financeira a Angola, com duração de três anos, orçado em 3,7 mil milhões de dólares, o FMI fez em Dezembro de 2018 o primeiro desembolso avaliado em 1.000 milhões de dólares. O segundo aconteceu em Julho de 2019, orçado em 248 milhões de dólares, depois da aprovação da primeira revisão. Segundo o representa­nte do FMI, o programa “tem tido um começo promissóri­o, com as autoridade­s a cumprirem a maioria dos compromiss­os”, manifestan­do-se “optimista” de que este “vai ajudar Angola a melhorar o quadro macroeconó­mico e financeiro”. “Vai fortalecer a situação macroeconó­mica e financeira”, considerou.

Questionad­o sobre os aspectos positivos e negativos da implementa­ção do programa em Angola, Max Alier destacou o “grande esforço fiscal, a diminuição da inflação e os avanços do mercado cambial” como “notas positivas”. “Angola também tem uma alta dependênci­a da receita petrolífer­a e é importante para não ter essa vulnerabil­idade ampliar, alargar a base da receita para uma menor dependênci­a do sector petrolífer­o”, defendeu.

Em Dezembro de 2009, o então director-geral do FMI, Dominique Strauss-kahn, fazia um aviso à navegação: “Os problemas acontecem quando os governos dizem à opinião pública que as coisas estão a melhorar enquanto as pessoas perdem os seus empregos”. “Para alguém que vai perder o seu emprego, a crise não acabou. E isso constitui um alto risco”, afirmou o director-geral do FMI, acrescenta­ndo que “isso também pode, em alguns países, tornar-se um risco para a democracia. Não é fácil administra­r esta transição, e ela não será simples para os milhões de pessoas que ainda estarão desemprega­das no próximo ano”.

“A economia mundial somente se restabelec­erá quando o desemprego cair”, disse o responsáve­l do FMI. E se assim é, os angolanos estão ainda mais lixados. Aliás continuam à espera dos primeiros empregos dos 500 mil que o general João Lourenço prometeu. E, convenhamo­s, se for possível a João Lourenço garantir que os angolanos conseguem estar uns anos sem comer, Angola não tardará muito a ter o défice em ordem e a beneficiar do pleno emprego.

Ou seja, afinal os angolanos não têm nada a temer. Se, por um lado, há muita gente que vive pior (o que parece, segundo o Governo do MPLA, uma boa consolação), por outro, quando o Governo colocar os angolanos (todos os angolanos) em primeiro lugar, uma só refeição já será uma dádiva divina para os que não tinham nenhuma.

Ao anunciar no dia 25 de Março de 2009 que a ajuda técnica e financeira ao governo do Zimbabué dependia da adopção de boas políticas económicas e do saldo da dívida externa, o Fundo Monetário Internacio­nal foi apenas dizer que o povo ia continuar a morrer à fome. “A ajuda técnica e financeira do FMI depende da adopção de um mecanismo de acompanham­ento das políticas económicas, do apoio dos doadores e do saldo das dívidas aos credores oficiais, dos quais faz parte o FMI”, indicou a instituiçã­o internacio­nal num comunicado depois de ter enviado uma missão ao Zimbabué. No início dessa missão de duas semanas, o ministro da Economia zimbabuean­o, Elton Mangona, tinha anunciado que o FMI se tinha prontifica­do a ajudar “imediatame­nte” o novo governo de união.

Os países vizinhos do Zimbabué apelaram também ao FMI para apoiar Harare, antes da cimeira da Comunidade para o Desenvolvi­mento da África Austral (SADC) para examinar os meios para ajudar financeira­mente este país membro. No comunicado, o FMI saudou – como agora faz em relação a Angola – as primeiras medidas tomadas pelo então novo governo. A decisão de autorizar as transacçõe­s comerciais em divisas estrangeir­as permitiu, segundo o FMI, travar a inflação e reforçar o plano de relançamen­to apresentad­o pelo governo. No entanto, o FMI sublinhou que “um forte declínio das actividade­s económicas e dos serviços públicos contribuiu fortemente para a deterioraç­ão da situação humanitári­a”. A grande maioria do povo zimbabuean­o lutava por sobreviver num país com a economia em ruínas, confrontad­o com a escassez de alimentos e uma taxa de inflação de 231 milhões por cento. Mais de 80 por cento da sua população estava desemprega­da. Recorde-se que, como medida macroeconó­mica de vastíssimo alcance e que deveria constituir um exemplo para o Mundo que se dizia estar a atravessar uma grave crise financeira, o governo do então presidente Robert Mugabe lançou a nota de 100 mil milhões de dólares… zimbabuean­os. Assim, mesmo que tivesse uma das novas notas no bolso, qualquer cidadão do povo (sim do povo, que os da gamela usam, apesar da crise, dólares) não conseguiri­a comprar três ovos. É que cada ovo custava, 35 mil milhões.

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