Folha 8

ARCA CONGELADOR­A, UMA HERANÇA DA REPÚBLICA POPULAR DE ANGOLA? (II)

-

Aarca era uma marca da República Popular de Angola! Não conheci arca no tempo colonial e também não a tinha visto em França. Procurei uma explicação e disseram-me que a cultura dos talhos e peixarias que durante o tempo colonial estavam de portas abertas por todo o lado, até nos bairros mais modestos à volta das cidades tinha desapareci­do na República Popular.

Naquela altura não se consumiam alimentos congelados. A mãe (Lukamba Gato) mandavanos às 10h00 para o talho do “sô Carvalho” para comprar a carne fresca para o almoço que normalment­e reunia toda a família à volta da mesa às 12h30. O peixe carapau ou caxuxu frescos para o jantar era comprado na peixaria da “dona Dolores” às 16h00 para o jantar às 19:30. Não se comiam alimentos congelados e nem sequer existiam. Compreendi então que a arca surgiu numa altura e contexto de inseguranç­a, de instabilid­ade no sector do comércio. A arca surge então para dar respostas à INCERTEZA SOBRE O DIA DE AMANHÃ. As pessoas viviam o dia à dia. O verbo comprar tinha sido substituíd­o pelo verbo CONSEGUIR. Conseguia-se uma caixa de peixe hoje, então era preciso conservar. Conseguia-se uma perna de vaca, era preciso conservar. Já não se comprava um kilo para uma refeição porque sobre o dia seguinte nem Deus sabia. Então a arca é um electro doméstico adaptado à situação de instabilid­ade e escassez de produtos no mercado. Compreendi melhor o estado de espírito de um contemporâ­neo e conterra, que apareceu em Paris no longínquo ano de 1985/86, ido de Luanda e teve a coragem de procurar por mim. Encontrei-o e pediu que eu lhe mostrasse uma loja que praticasse preços modestos. Levei então o “camarada” para uma loja e a dado momento ele desarrumou parte de toda uma secção de vestuário feminino mas como ele não trazia dinheiro suficiente, pediu-me: “Oh Gato, por favor pede à senhora para guardar o resto das roupas para que eu possa vir pagar amanhã”. Eu disse ao “camarada” para estar tranquilo porque aquela era uma daquelas lojas em que os artigos eram “incabáveis” conforme já cantou o meu amigo Bonga Kuenda. Conclui que o mais velho Jonas teve razão quando há mais de 30 anos dizia: “Uma Angola de amanhã que seja equivalent­e à de hoje, onde os homens e as mulheres não têm confiança no dia de amanhã, não têm confiança no futuro, por isso têm de roubar hoje, essa Angola a mim não me interessa. Os homens que têm segurança que o dia de amanhã vai existir não roubam. Eles trabalham para que haja união de esforços, justiça na distribuiç­ão e continuida­de da acção.”

 ?? ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Angola