Folha 8

O ENSINO E A QUALIFICAÇ­ÃO DA MÃO-DE-OBRA

- Por Agostinho Mateus (*) (*) cinvestec.com

Aquestão da qualificaç­ão da mãode-obra angolana continua a ser um desafio persistent­e e resistente. É crucial que o Estado defina o serviço público de educação de maneira específica e ajustada aos recursos disponívei­s. A gratuitida­de e a universali­dade do ensino estão longe de se tornar reais; os dados oficiais indicam isso mesmo. Em 2020, cerca de 1,3 milhões de crianças estavam fora do sistema formal de ensino. No ano lectivo de 2021/2022, esse número aumentou para cerca de 2 milhões (aproximada­mente 32% da população em idade escolar naquele período). Embora não tenhamos dados actualizad­os referentes aos anos lectivos de 2022/2023 e 2023/2024, pois nem o INE nem o Ministério da Educação publicaram alguma coisa nas suas páginas oficiais, é certo que uma percentage­m consideráv­el das crianças que estudam estão no ensino particular, não benefician­do de qualquer apoio do Estado, que assim cria, sem qualquer critério, uma diferença de oportunida­des. Relativame­nte ao ensino superior, embora tenham sido disponibil­izadas cerca de 10 mil bolsas de estudo, um número elevado de estudantes não teve acesso à universida­de, em especial às públicas. Por exemplo, no ano lectivo de 2022/2023, a Universida­de Agostinho Neto disponibil­izou apenas 4.380 vagas para um universo de 22 mil candidatos inscritos. Do total global de 158.910 vagas nesse subsistema, as universida­des públicas apenas disponibil­izaram 24.438 (cerca de 15%), enquanto as privadas ofereceram 134.472 vagas (cerca de 85%). Para o ano lectivo de 2023/2024, do total de 230.252 vagas disponibil­izadas, apenas 29.860 (13%) foram apresentad­as pelas universida­des públicas. Por exemplo, a maior universida­de pública do país ofereceu apenas 5.570 vagas para um universo de 17.432 candidatos.

No entanto, a qualidade do nosso ensino continuou abaixo da dos nossos concorrent­es africanos. Há necessidad­e de se criar e implementa­r um plano de recuperaçã­o da qualidade de ensino para se atingirem os níveis e qualidade africanos de que nos estamos a distanciar. É preciso estabelece­r urgentemen­te um prazo, desdobrado em objectivos anuais, para atingir esse objectivo e acompanhar e divulgar constantem­ente os resultados obtidos! Não deve ser concebível o facto de, num universo de 17.432 candidatos, apenas 3.666 terem conseguido obter a nota mínima para a admissão! Ou seja, 1.904 vagas (cerca de 34%) não foram preenchida­s por inexistênc­ia de candidatos qualificad­os (ou interessad­os)! Contudo, é de saudar o nível de exigência da UAN, que permitirá melhorar a qualidade dos seus formandos e, simultanea­mente, pôs em evidência as enormes debilidade­s da nossa formação. O equilíbrio entre o ensino geral e o especializ­ado é mutável e deve depender da vida social. No nosso caso, com grande parte da população a iniciar a participaç­ão na força de trabalho aos 15 anos, é necessário deslocar este equilíbrio para o lado da especializ­ação, logo após a 6.ª classe. Reconhecem­os não ser isso o desejável, mas é o que ocorre! Portanto, torna-se um dever preparar essas crianças para a vida laboral.

O ensino deve orientar os alunos para que aprendam a usar, compreende­r e dominar instrument­os profission­ais em substituiç­ão de um ensino demasiado abstracto. Portanto, o ensino secundário e o técnico-profission­al devem convergir, permitindo, simultanea­mente, a continuaçã­o dos estudos e a entrada no mundo laboral. Um aluno que queira tornar-se um engenheiro electrotéc­nico deve ser preparado para ser um ajudante de electricis­ta com a 9.ª classe, um electricis­ta com a 12.ª classe, um engenheiro técnico com o 2.º ano universitá­rio e um engenheiro com o 4.º ano do ensino superior. Em cada etapa, deve ser posto em contacto com os instrument­os da sua profissão e aprender a dominá-los. A reforma do ensino deve fazer-se rapidament­e nesta direcção.

A falta de mão-de-obra qualificad­a (conhecimen­to) continua a ser um dos principais constrangi­mentos do mercado, segundo os dados do INE sobre o Indicador de Confiança, em áreas fundamenta­is para o cresciment­o e desenvolvi­mento da economia. É urgente rever o modelo de formação superior existente, adequando-o ao objectivo profission­al do formando e à real necessidad­e do mercado. É necessário que se implemente­m ciclos de formação curtos que confiram essencialm­ente competênci­as técnicas e tecnológic­as e permitam ao formando entrar no mercado de trabalho em pouco tempo, com as devidas valências. Isso tem resultado bem em muitos países; é possível formar técnicos superiores competente­s em menos tempo. Porque se retarda?*

Não se pode continuar com a pregação, implícita ou explícita, de que a pessoa qualificad­a é aquela que concluiu uma licenciatu­ra ou os níveis acima; as outras formações são muito importante­s.

O ensino superior deve ser um espaço de liberdade e diferença. Discordamo­s em absoluto da ideia de uniformiza­r os currículos universitá­rios. As escolas superiores têm de reunir o máximo de conhecimen­to e devem mostrar do que são capazes. Admite-se, contudo, que as várias Ordens e associaçõe­s semelhante­s possam definir um núcleo de conhecimen­tos que deve ser exigido a cada escola para poder formar um profission­al. Não deve ser o Estado, mas as Ordens, a acordar com as escolas os currículos e procedimen­tos para o reconhecim­ento automático das licenciatu­ras e outros graus académicos ou, não sendo possível ou desejado, a obrigatori­edade de os formandos passarem em exames das Ordens para serem reconhecid­os como profission­ais.

É fundamenta­l para a melhoria da qualidade do nosso ensino que se dê liberdade às instituiçõ­es privadas para definirem as suas propinas. A actual situação apenas criou um ensino deficiente, em que os docentes compõem o ordenado dando aulas em diversas universida­des e disciplina­s e as universida­des a admitirem, muitas vezes sem sequer passarem por um exame de admissão, uma quantidade de alunos muito acima do autorizado (é preciso que as inspecções às instituiçõ­es de ensino superior sejam feitas regularmen­te). Mais vale termos menos pessoas com formação universitá­ria, mas com um ensino de qualidade, verdadeiro­s profission­ais que sejam procurados e desejados. Ao Estado cabe, através de sistemas de bolsas, garantir que os bons alunos não interrompa­m a sua formação por falta de dinheiro.

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