Folha 8

VÍTOR GASPAR, O ESPELHO DO FMI

-

Como o Folha 8 deu conta, o Fórum Orçamental Africano, organizado pelo Fundo Monetário, foi aberto pelo antigo ministro das Finanças de Portugal e director do departamen­to orçamental do FMI, Vítor Gaspar. A ministra das Finanças de Angola, Vera Daves de Sousa, que participou no evento, não poderia estar mais mal acompanhad­a. Em Abril de 2012, o ministro das Finanças de Portugal admitiu, embora e mais uma vez em câmara lenta, “um lapso” ao ter dito em entrevista à RTP que a suspensão dos subsídios de férias e de Natal terminaria com o programa, que acabaria em 2013.

Já depois de Vítor Gaspar ter admitido este “lapso”, o deputado comunista Honório Novo confrontou novamente a bancada do Governo, para perguntar a Miguel Relvas, ministro dos Assuntos Parlamenta­res e à secretária de Estado do Tesouro, Maria Luís Albuquerqu­e, se queriam também admitir lapsos, já que teriam feito as mesmas afirmações a dizer que a suspensão dos subsídios vigoraria apenas durante dois anos. Recordam-se que, terá sido lapso?, Vítor Gaspar ficou ofendido por uma “afirmação insultuosa” de um deputado do PCP, que sugeriu que o zelo do governo no cumpriment­o do programa com a ‘troika’ é antipatrió­tico?

Não. Aí não foi lapso. Gaspar (não o gato de Honório Novo que tinha o mesmo nome, mas o ministro) tinha toda a razão. Pôr a grande maioria dos portuguese­s a aprender a viver sem comer é, bem vistas as coisas, um acto patriótico e digno até de uma condecoraç­ão do mais alto nível. Aliás, em Angola a receita foi, é e será a mesma enquanto o MPLA continuar a ser o dono do Poder. “Este governo vai-se sempre mostrando bastante prestável (perante a ‘troika’), mesmo que isso signifique o definhar da economia”, disse Miguel Trigo, deputado do PCP.

“O deputado Manuel Tiago fez uma afirmação insultuosa sobre sacrificar os interesses do país para servir interesses estrangeir­os”, respondeu Vítor Gaspar, acrescenta­ndo do alto da sua cátedra de perito dos peritos (por alguma coisa é director do FMI) que “essa afirmação só pode atribuída aos excessos retóricos que por vezes os debates parlamenta­res propiciam.”

Sem alterar o tom de voz e a candura habituais, o ministro das Finanças declarou que “o programa de ajustament­o é de Portugal”, sendo interrompi­do por um aparte de Miguel Tiago: “Quem está a fazer dinheiro com o programa não é Portugal.” “Não é hábito dos portuguese­s atribuírem problemas a outros, não é hábito dos portuguese­s rejeitar compromiss­os, não é hábito dos portuguese­s pedir a outros que paguem as suas dívidas, não é hábito dos portuguese­s aceitar que sejam outros a resolver os seus problemas por eles”, prosseguiu o ministro. Esqueceu-se, a bem da nação, de que o seu primeiro-ministro afirmou – então em campanha – que “ninguém nos verá impor sacrifício­s aos que mais precisam. Os que têm mais terão que ajudar os que têm menos. Queremos transferir parte dos sacrifício­s que se exigem às famílias e às empresas para o Estado”.

Não. Esta afirmação de Passos Coelho foi um claro lapso. O que ele queria dizer, como a prática demonstrou, era que ninguém verá o governo impor sacrifício­s aos que mais têm. O MPLA teve, e continua a ter, bons mestres.

Apesar de muito criticado, Vítor Gaspar descobriu a Pedra Filosofal. Não aquela que supostamen­te aproxima os homens de Deus, não o elixir de uma vida longa ou da imortalida­de, mas aquela do António Gedeão que nos conta que “eles não sabem, nem sonham, que o sonho comanda a vida, que sempre que um homem sonha, o mundo pula e avança como bola colorida entre as mãos de uma criança”.

Se calhar, reconheço, Vítor Gaspar aproxima-se mais de Zeca Afonso quando este diz: “No céu cinzento, sob o astro mudo, batendo as asas, pela noite calada, vêm (os vampiros) em bandos, com pés de veludo, chupar o sangue fresco da manada”.

Seja como for, a arma secreta de Vítor Gaspar só tinha um nome: roubo. Não, não foi um lapso. Foi mesmo ladroagem. Todos os dias o Governo punha os portuguese­s de pernas para o ar, sacudindo-os na ânsia insana de lhes roubar todos os cêntimos.

Não terão os portuguese­s, pelas mesmas razões (desde logo porque não foram eles que criaram os pântanos, os buracos colossais), legitimida­de para sair às ruas e pelos meios possíveis correr com um governo que os está a espoliar?, per

guntei eu num texto publicado em 5 de Outubro de 2012. Também perguntei: Será que não estão criadas as condições para que os portuguese­s, espoliados e ultrajados, avancem com um processo judicial contra este e os anteriores governos por negligênci­a grave durante os respectivo­s mandatos?

Em Setembro de 2010, o parlamento islandês decidiu processar por “negligênci­a” o antigo chefe do Governo, Geeir Haarde, que liderava o país na altura em que o sistema financeiro islandês entrou em (co) lapso, em Outubro de 2008. A caminho de ultrapassa­r 1.200 mil desemprega­dos, com 20% dos cidadãos a viver na miséria e às escuras e outros tantos que começavam a ter saudades de uma… refeição, Portugal poderia ter adoptado igual procedimen­to em relação a Pedro Passos Coelho e a todos os seus super-ministros, (quase) todos eles sublimes exemplos da impunidade reinante.

Pedro Passos Coelho, a não ser que pague direitos de autor, não poderá dizer que “está para nascer um primeiro-ministro que faça melhor do que eu”. Mas pode, com certeza, adoptar uma que diga “está para nascer um primeiro-ministro que tão rapidament­e tenha posto os portuguese­s a viver sem comer”.

Como matéria de facto para um eventual processo judicial contra o então primeiro-ministro, acrescente-se que, quando todos julgavam (também foi o meu caso, reconheço) que José Sócrates tinha levado o país a bater no fundo, aparece Pedro Passos Coelho e a sua super-equipa a provar que, afinal, ainda é possível afundar um pouco mais.

O PSD (com raras excepções) com Passos Coelho, Vítor Gaspar e Luís Montenegro, desde há muito que adoptou a técnica de dizer às segundas, quartas e sextas uma coisa e às terças, quintas e sábados outra. Sendo que ao domingo, como convém, vai tomar a hóstia que tira todos os pecados do mundo.

“Como é possível manter um governo em que um primeiro-ministro mente?” – Não sei. Mas que Portugal é um exemplo disso, é mesmo. Mentir, no caso de Passos Coelho, é uma forma de vida. Em tempos ele afirmou: “Estas medidas põem o país a pão e água. Não se põe um país a pão e água por precaução”. Resultado? Pôs os portuguese­s a água mas cada vez mais sem pão.

Foi ele quem disse: “Estamos disponívei­s para soluções positivas, não para penhorar futuro tapando com impostos o que não se corta na despesa”. Resultado? Pôs os portuguese­s a pagar mais impostos, penhorando até o futuro dos filhos e netos.

Foi Passos Coelho (sempre estribado em Vítor Gaspar) quem disse: “Aceitarei reduções nas deduções no dia em que o Governo anunciar que vai reduzir a carga fiscal às famílias”. Resultado? Acabou com as deduções e aumentou a carga fiscal das famílias.

Foi ele quem disse: “Aqueles que são responsáve­is pelo resvalar da despesa têm de ser civil e criminalme­nte responsáve­is pelos seus actos”. Resultado? As despesas resvalaram e de que maneira mas, como dono do país, mandou às malvas essa ideia de os autores serem civil e criminalme­nte responsabi­lizados.

Foi Passos Coelho quem disse: “Ninguém nos verá impor sacrifício­s aos que mais precisam. Os que têm mais terão que ajudar os que têm menos”. Resultado? Ele e o seu partido continuam a trabalhar em prol dos poucos que têm milhões, esquecendo totalmente os milhões que, por sua culpa, têm pouco ou nada. Também foi ele quem disse: “Queremos transferir parte dos sacrifício­s que se exigem às famílias e às empresas para o Estado. Já estamos fartos de um Governo que nunca sabe o que diz e nunca sabe o que assina em nome de Portugal”. Resultado? O Estado transferiu os sacrifício­s que lhe deviam caber para as famílias e para as empresas.

Foi Passos Coelho quem disse: “Para salvaguard­ar a coesão social prefiro onerar escalões mais elevados de IRS de modo a desonerar a classe média e baixa”. Resultado? Pura e simplesmen­te acabou com a classe média, atirando-a para o nível de lixo.

Foi igualmente Passos Coelho quem disse: “Se formos Governo, posso garantir que não será necessário despedir pessoas nem cortar mais salários para sanear o sistema português”. Resultado? Despedimen­tos nunca vistos, desemprego em níveis históricos, cortes nos salários e nos subsídios.

Foi a mesma criatura quem disse: “A ideia que se foi gerando de que o PSD vai aumentar o IVA não tem fundamento. A pior coisa é ter um Governo fraco. Um Governo mais forte imporá menos sacrifício­s aos contribuin­tes e aos cidadãos”. Resultado? Aumentos brutais do IVA, imposição de terríveis sacrifício­s aos cidadãos. O mesmo Passos Coelho também disse: “Não aceitaremo­s chantagens de estabilida­de, não aceitamos o clima emocional de que quem não está caladinho não é patriota”. Resultado? Chantagens e mais chantagens. Pressões e mais pressões.

Passos Coelho foi ainda quem afirmou: “Já ouvi o primeiro-ministro dizer que o PSD quer acabar com o 13.º mês, mas nós nunca falámos disso e é um disparate”. Resultado? Foi mesmo isso que aconteceu. Mas a verdade é que ele aí continua, a gozar à grande com a chipala dos portuguese­s, Vítor Gaspar é Director do FMI e Luís Montenegro será o próximo primeiro-ministro de Portugal.

 ?? ??
 ?? ??
 ?? ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Angola