HILDEBRANDO DE MELO RECEBE VALERIE KABOV PROMOVER O SURGIMENTO DA CRÍTICA DE ARTE
Comecemos pelo im. A última interveniente no debate foi a arquitecta Paula Nascimento, que, entusiasmada e perspicaz, colocou uma questão que sintetizou as aspirações das mais de duas dezenas de amantes das artes reunidas na sala Pepetela do Centro Cultural Português – Camões, na noite do dia 14 de Julho, tendo à mesa o artista plástico angolano Hildebrando de Melo (tradutor e moderador) e a crítica de arte e galerista, ValerieKabov. Paula Nascimento questionara: “Para quando a a irmação da arte contemporânea africana e quando é que o artista africano estaria inserido na grande roda do circuito internacional?”.
Responder a pergunta de Paula e outras que surgiram antes, foi a tarefa de Valerie Kabov nas duas horas de debate proposto pela LAB, uma plataforma educacional que visa promover o debate aberto e franco sobre o estado da arte contemporânea africana, suas tendências, de iciências e projecção. Valerie terá pontuado que a África começa a reclamar o seu espaço na arte contemporânea com o desabrochar das independências. Contudo, ela destaca como derradeiro sinal de existência a exposição itinerante “África Remix”, curada por Simon Njamim e que de 2004 a 2007 passou por países como Alemanha, Inglaterra, Tóquio, França, Suécia e África do Sul; tendo sido igualmente comissário da primeira presença africana numa bienal (Veneza) em 2007 e curador da primeira feira de arte africana, em 2008. 2011 a 2013 a arte contemporânea africana deu passos irmes com sucessivas e meritórias presenças em bienais e festivais, como de Marrocos, Egipto, África do Sul, Zimbabwe, Nigéria, sendo o ponto alto a conquista do Leão de Ouro por Angola na Bienal de Veneza e nomes africanos entre os curadores, como são os casos dos nigerianos OkwuiEnwezor e Bisi Silva.
Além das aparências
O percurso pode até dar a entender que tudo corre bem e que podemos depositar fé que mais ou menos anos a arte africana contemporânea poderá dar o ar da sua graça. Valerienão pensa assim. A galerista e crítica de arte apega-se nas bases da defesa do pensamento africanista e olha com justi ica descon iança ao grupo de investidores ocidentais que têm orientado os certames e que no fundo são eles que fazem as regras. Recorrendo a FrantzFanon, ilósofo africanista, na sua defesa de que o apoio comercial da parte de europeus diminui a estima cultural de certos africanos, a crítica de arte observa que o “dinheiro dado não é de graça”, porque acabam, de modo indirecto, a ganhar direito a opinião na linha criativa do artista e na sua expressão, moldando-o a um mercado ao gosto do mecenas, transformando-se não num artista, mas num produto comercial de um grupo restrito que detém e investe avultadas somas de valores.
Foi neste ponto que, sem intenção de ferir sensibilidades, Suzana Sousa contribui dizendo que os institutos de patente estrangeira acabam, também sem más intenções e diante de uma fatia magra que os governos disponibilizam para o fomento da cultura, assumindo e tirando a acção dos governos, sem no entanto chegar a conceber projectos gigantescos, como a construção de grandes museus, um pouco aquilo que um jornalista presente na plateia de iniu por “softpower”, querendo com isto dizer que não é mais do que apenas mostrar representatividade.
Nos PALOP, Angola é um caso isolado por usufruir de uma forte intervenção bancária e de instituições públicas e privadas no mercado artístico, diferente do que acontece nos outros países.
O que é e para quem
Num ambiente pós-modernista e de grande valorização do poder inanceiro, Valerie sugere, num sentido algo romântico, olhar para as peças de arte sem nunca lhes poder colocar um preço. Para os artistas, defende, di ícil é achar um preço justo a uma peça que narra a alma de alguém. Tentando responder a questão colocada sobre como notar um quadro contemporâneo que tenha grande valor estético e comercial, abriu caminho para um grande problema da arte contemporânea africana, que segue a lógica de que quanto mais antigo, melhor. Fez entender que o mercado busca com mais avidez peças antigas e de artistas já consagrados e alguns já falecidos, quando muitos bons artistas surgem em eventos emergentes e estão bem vivos mas não captam a atenção dos compradores, que são sempre maioria europeia.
Foi legítima a preocupação de um poeta aí presente que defendeu a popularização da arte e chamou a atenção sobre a qualidade que Malangatana ostenta, encerrando na sua obra traços de um artista africano universal, valendolhe assim a justa posição de artista contemporâneo. Porque, continua o poeta, artistas há que se escondem no pacote de arte contemporânea e produzem obras sem qualquer sentido, seguros de que arte contemporânea não passa deste esbater de tinta em tela e instalações inusitadas. Assim, questionou: “O que é arte contemporânea?”, ao que Valerie respondeu que, para si, arte contemporânea seria todo o produto artístico que se ajusta no seu tempo e espaço.Sobre a sua popularização, outros presentes defenderam que a mesma não é possível porque a arte sempre foi um produto para as elites.
Valerie volta ao discurso e pinta uma situação crítica, num mercado sem galeristas, museus, festivais, patrocinadores, o que esperar do futuro da arte contemporânea? Bem, esta realidade, aponta Valerie, só tem bene iciado o mercado europeu, que especula os preços das obras a seu belo prazer e sai a ganhar. Os artistas africanos, já a responder a questão levantada por Paula Nascimento, lutam para chamarem a atenção do ocidente por serem estes que fazem o mercado das suas obras. Os governos devem fazer muito mais pelas artes plásticas. --------------------------------------------