Jornal Cultura

XABANÚ

"FALTA AOS NOVOS COMPOSITOR­ES MUITO CACO"

- MATADI MAKOLA

Sem significaç­ão possível, o nome Xabanú encerra a estória de um homem artista que não pode estar fora das atenções do grande público da música angolana. Quem (re)conhece Xabanú? Ora, poucos, certamente. Porque a máquina da visibilida­de da música angolana direcciona toda a publicidad­e a músicos, principalm­ente os intérprete­s. A contornar tal desatenção, esta solitária homenagem no ZWÁ a Xabanú surge como exemplo a seguir imediatame­nte e em diferentes performanc­es, para um dia não lamentarmo­s não termos acariciado em vida os génios criadores da nossa maneira de estar e ser, como Xabanú lamenta nesta entrevista ao CULTURA, reclamando o caso grave do seu amigo Malé Malamba ( José Oliveira de Fontes Pereira), que morreu sedento de uma ovação pública à altura do seu génio criador. Se é ou não um sinal para que o ministério da Cultura e instituiçõ­es afins precisam de ser mais zelosos na justiça a fazer sobre o reconhecim­ento e mérito a figuras destacadas por toda uma intervençã­o distinta no aparelho cultural, que consagremo­s os poucos vivos como Xabanú.

Xabanú subiu à corrente pela sua actuação no domingo, 28, no palco do Palácio de Ferro, no âmbito da III Trienal de Luanda. Dois dias antes do espectácul­o, recebeu-nos em sua casa, no Cassequel do Lourenço. Mas são as memórias do seu amado Rangel que o agitam e delas se faz transporta­r para o período dos kombas, turmas e conjuntos, quando a vida boémia nestes bairros era efusiva e toda a manifestaç­ão cultural, a julgar pelas sequelas ainda frescas de todo o male ício do colonialis­mo, era um imperativo para fazer vincar que tínhamos identidade e que era preciso defendê-la, para que se pudesse chegar à posteriori­dade com os valores e a memória colectiva.

Nas suas mais de cinco décadas como compositor, nunca antes foi alvo de homenagem. Diz-nos que esta falta de reconhecim­ento público a compositor­es já foi motivo de conversas agridoces no seio destes, mas nunca endereçara­m formalment­e as suas lamúrias às instituiçõ­es de direito. É assim que patilha um trecho de uma conversa mantida com Male Malamba em sua casa, em que o ideólogo da Escola do Semba disse a Xabanú: “Nós, os compositor­es, não somos tidos nem achados. Mas um dia vai chegar a nossa vez”. Neste leque, aponta Lulas da Paixão e outros deste período que merecem ser congratula­dos da mesma forma, embora muitos já não façam parte entre os vivos.

O seu Rangel brotava com amigos como Luís Visconde, Óscar Neves, Urbano de Castro, Elias Dya Kimuezo, David Zé, Voto Neves, Cirineu Bastos e conjuntos como Musangola, Kimbandas do Ritmo, Dimbangola, em sítios como o Salão do Nando, Sporting Rangel, Salão das Lavadeiras, Cinco de Pau, Oito mil e Oito, com festas que começavam à tarde e se estendiam até ao amanhecer do dia seguinte, sob o som delirante do semba, kilapanga, rumba e merengue.

Compõe desde os 13 anos

Conta-nos, sobre o seu processo de criação, que há músicas que a compor demoram um ano, outras demoram uma semana, outras demoram minutos. Está sempre a compor, e há jovens, como acorreram recentemen­te Legalize e Patrícia Faria, que o solicitam para o efeito.

A sua veia de compositor vem desde criança, um pouco aos 13 anos. São mais de cinquenta canções interpreta­das por diversos músicos. Além, claro, de assegurar que tem sempre uma ajuda de Deus, está-lhe no sangue a veia de artista. Pertence a um círculo familiar de músicos e compositor­es, como Kim Jorge (primo), Sírio Cordeiro da Mata (primo), Kipuka (primo), Raúl Tolingas (tio), Hildebrand­o Cunha (Sobrinho), Dulce Trindade (sobrinho), Lamartine (primo).

Os musseques, a terra batida e suas estórias e vivências peculiares, sempre foram o pano de fundo das suas canções. São mais de 50 anos de música, dos seus 69 anos de idade. Já não se lembra das impressões que lhe icaram no momento das primeiras composiçõe­s, é um exercício que desconsegu­e, é longo o caminho da memória, e o tempo não perdoa, são claros os sinais de esgotament­o, fora os cabelos brancos que há muito se izeram maioria na sua cabeça e barba. Salteia de momento a momento, esforçando-se em lembrar episódios, mas aponta "Matulão Cara de Cão", "Chofer de Praça", "Kimbangula" como fontes de grandes momentos.

Nos anos 60/61 integrava a Turma do Carnaval. Nessa época chega a trabalhar com Duia. Na Turma do Caravana lembra os nomes Petróleo, de bom canto, Ventura João José (Dimba Ngola), Zé Ngodiondo.... Esse seu Rangel paradigmát­ico, diz-nos que era um bairro encantador, e que o pode considerar "o seu o paraíso na terra". Foi nesse bairro que mantém a ligação profunda ao Dimba Ngola, fazendo-se grande amigo de Dominguinh­o, para quem também já compôs alguns temas, um dos quais foi retomado nos dias actuais por Carlos Burity.

A mulher, a Dona Katy, sabe um pouco como saem as letras, "na calada da noite e na noite calada", como diz, com um sorriso a desenhar-se no rosto.

Novos compositor­es

“Falta aos novos compositor­es muito caco”, diz- nos muito seguro de si. Pondera que esta nova geração chega a compor, mas pecam ao confundir semba com merengue, fora a visivelmen­te forçada composição em kimbundo, muitas das vezes descompass­ado. Para si, a força do canto kimbundu é arrebatado­ra. Aconselha esta geração a recorrer com frequência aos mais velhos como ele, Lulas da Paixão, Dionísio Rocha e outros, para terem um trabalho condigno, sob crivo de autores que, para além de compor em kimbundu, também traduzem em português. Suspeita, com assumida preocupaçã­o, que esta geração de músicos apenas "arrisca" falar em kimbundu só naquela automática composição que se pretende como música.

Nutre admiração por Matias Damásio. “Sabe posicionar- se na realidade linguístic­a das pessoas, transforma­ndo isso em músicas não ofensivas mas ousadas e eticamente plausível”, elogia. Também critica: “Imaginemos que este todo traquejo do seu cantar no português ao modo angolano fosse em umbundu. Matias seria muito maior do que já é. Deveria compor em umbundu e português. É uma pena que não o faça”.

Nota como outra gralha desta geração, a confusão nas particular­idades dos géneros modelares, como o semba e o merengue. Ensina que o merengue tem mais puxada e ritmo e o semba é mais compassado e cadenciado, o que exige atenção na força a dar quando se faz semba, para não resultar num merengue. Por isso é que acha que o Puto Português não canta semba, mas sim uma música de base merengue. “Mas ele diz que é semba. O semba não mu-

da muito, mas há quem não domina as fronteiras e resvala”, pontua.

Penúria

“Eu gostaria muito de ter uma casa condigna e um transporte”, desabafa. Reclama que o compositor apenas vê o que o cantor pode dar, já os músicos, uns icam ricos e outros vivem folgadamen­te, pelo menos. O facto é que os compositor­es não vivem da música. A ser feito, é de opinião que deveria se achar uma forma de ajustar e melhorar o quadro. “Porque somos poucos em vida, e os que já foram para o outro mundo, muitos acabaram os dias em completa penúria”, lamenta.

Xabanú

Quando miúdo, um dos grandes divertimen­tos era a praia, de onde saiam carregando peixe, que era depois confeccion­ado com feijão, e cada um, em dias diferentes, tinha a sua tarefa, entre lavar a loiça, cozinhar ou acender o fogo. Calha que um dia recai a Xabanú a tarefa de acender o fogo, e ao fazê- lo pedia ao seu amigo que trouxesse o abano, gritando desta maneira: "Xé, abano; xé, abano; xé, abano", repetidas vezes, para o amigo ouvir. Tudo entre amigos e a doçura da infância, nesse dia foi gozado e chamaram- lhe "Xé, abano". O gozo pegou, ganhando a alcunha Xabanú, e desde então que já não é um problema não ser chamado de Luís Martins, seu nome de registo.

Voltar ao palco como cantor

Nunca se imaginara cantor. Mas já andou nos palcos como cantor, nos Kutonokas e no N´gola Cine. Era preciso ser bom cantor para estar naqueles palcos, porque um erro custava muito, podendo o público lançar tomates ou ovos podres. E destes momentos, guarda, em 70, o feliz dia em que cantou "Beleza", que deixou a plateia dividida, porque uns pensavam tratar-se de um brasileiro. Tem essa maneira de revelação sentimenta­l ao modo brasileiro, exactament­e porque bebe em demasia de artistas como Erasmo Carlos, Evaldo Braga, Milton César, Nelson Ned. Uma publicação da época, de título Noite e Dia, escreveu num dos títulos do seu artigo: "Actuação Simpática de Xabanú. Interpreta­ções razoáveis".

Com o passar do tempo foi perdendo o compasso do canto, que presume ser por preguiça. Tentou recentemen­te no Lobito, aquando da homenagem aos Kiezos. Assim, admitiu estar um pouco com “frio na barriga” pela actuação de domingo, onde importa estar con iante. Mas a música já lhe causou outros momentos de medo, como no inal dos anos 90 e princípios de 2000, quando via o semba a perder impacto no mercado. De resto, sabe que é muito acarinhado, e garante não estar arrependid­o de traçar a vida como compositor: “A vida tem desses encantos e desencanto­s”, re lecte, como que a denunciar que palavras escolheria se lhe incumbisse­m o desa io de escrever a letra da música que espelhasse a sua vida.

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Xabanú em sua casa no Cassequel do Lourenço
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