LÍNGUAS NACIONAIS (II)
“Às muitas dúvidas hoje inculcadas” é assim que Filipe Zau situa a “necessidade de se resgatar a norma” no exercício por si assinado e que o Cultura publicou no número 112. Estamos a falar de novo e sempre dum capítulo do tema Línguas Nacionais na sequência de muitos e interessantes artigos sobre a Problemática da Linguística, em Angola é claro.
Deixo para ti o falares sobre o termo “inculcar”.
Mas repara que depois de Abril de 2015, em cujo nº 79 o quinzenário Cultura publicou três textos sobre o assunto, apraz-me fazer notar que começámos a participar no tema no nº 109 com um texto e depois a sequência de textos tem-se mantido com grande regularidade. Assim, no nº 110 sairam dois, no nº 111 saiu um, no nº 112 sairam dois e inalmente no último nº, o 114, saiu mais um texto. Ao todo, só este ano o Cultura publicou dez (10) textos sobre o assunto em dezanove (19) páginas.
Apesar de estarmos perante textos que por um lado falam da LP, “a língua de aula” vrs “a língua do corredor” usando a feliz expressão de Paulino Soma Adriano e por outro das línguas africanas faladas em Angola o que é certo, parece que aqui estamos todos de acordo, estamos a falar, tanto num caso como no outro, de Línguas Nacionais (vide a tabela do Censo de 2014 que publicámos, com a devida vénia, no nº 109). Por isso, Kossi, mbora falar de Línguas Nacionais começando pelo texto de Filipe Zau pois os argumentos que utiliza autorizam-me a olhar de revés para a putativa LP padrão europeu cuja norma cria o desconforto entre aquilo que, inspiradamente, Soma Adriano refere como “Língua de Aula”, que ninguém fala, e “Língua de Corredor”, que todos falam incluindo o professor e as elites.
Talvez seja oportuno lembrar que a Vulgata, nome como é conhecida a Bíblia escrita no século IV por S. Jerónimo (347-420), é assim conhecida por ter usado o latim bárbaro. É dessa versão, em latim bárbaro, que, a partir do século XVI, se passou a reeditar a Bíblia. Vem isto ao caso porque, ao ser criticado pelos doutores da Igreja por usar um latim bárbaro tão distante da norma do latim erudito de Cícero (deve ler-se [‘kikɛru]), S. Jerónimo respondeu que o que lhe importava era que fosse entendido pelo povo e não pelos poucos cultores da norma erudita.
Esta pequena estória, na sua singeleza, explica-nos que a língua varia e, nas palavras de Benveniste, só se torna instrumento de construção do pensamento do falante se ele dominar o referente. __________________
a preocupação de Filipe Zau talvez tenha sido uma exaltação legítima de que há uma necessidade já de termos nós também gramáticas publicadas. Porém, termos esta consciência deveria levar-nos a outra inquietação, a de termos equipas de investigação espalhadas nos vários centros de Pesquisa em Língua Portuguesa que deveriam existir nas universidades.
Entendo que uma “língua perfeita” (ou este desejo de recuperação da “língua perfeita”), discutida por Umberto Eco, empreendida pela confusio linguarum a que a humanidade supostamente fora submetida no início dos tempos, seja ainda hoje o melhor modelo para o ensino da língua. Uma vez que para um professor, sobretudo não linguista seja mais cómodo e menos confuso ilustrar as regras sem se dar ao trabalho de fazer uma descrição minuciosa de cada fenómeno linguístico evidenciado nas variações.
Diz-se que Angola é um país multicultural e com pluralidade linguística, meu caro Pedro, mas há ainda uma resistência em se assumir esta multiculturalidade na Língua Portuguesa. Se queremos realmente que a Língua Padrão seja ainda aquela da herança da colonização – pois reclama-se para o tempo colonial o melhor ensino do Português –, então estaremos a aceitar a imutabilidade cultural e a falta de dinamismo linguístico e da própria in-
Pedro,
teligência humana. Adérito Miranda adverte, no seu trabalho “As Vogais numa Língua Bantu” publicado no Cultura nº 114, que estas são “[…] elementos linguísticos, que ajudam a representar linguisticamente […] o mundo, no aspecto de movimento e forças cósmicas e da vida”. Assim sendo, separar a vida cultural do indivíduo da sua vida linguística para adoptar uma língua padrão distante, leva-nos a crer que o ensino das línguas esteja fadado ao fracasso.
Marcos Bagno considera importante que o professor de Língua tenha consciência do processo de Letramento que deve incluir a capacidade do ser humano de transmitir conhecimentos, preservar a memória do grupo e de estabelecer vínculos de coesão social dissociados de qualquer cultura de escrita. Então, como pode o indivíduo aumentar o seu desempenho linguístico se é obrigado a falar uma língua que limita a sua capacidade cognitiva?
Reitero que a “língua do corredor” deve ser o ponto de partida para os nossos estudos para uma gramática descritiva do Português falado em Angola que nos vai levar a um esquema padronizado das nossas variantes de LP. Não que eu defenda a busca de uma Norma Padrão, mas deve haver um ponto de partida para que nos situemos no tal cenário da Lusofonia. Não somos Portugueses, não somos Brasileiros, somos Angolanos, não em busca de uma angolanidade, ela já habita em nós.
Uma outra questão interessante também é acreditar-se que a língua deve passar de uma geração para outra sem variação, negando-se a criatividade humana que tanto se defende. Mas este não o cerne da questão. A questão é: que Português os nossos mais velhos falavam à saída do colonizador? Quantos falavam o tal putativo Português Padrão? Não era tal norma portuguesa apenas utilizada por um grupo selecto? Em todo o caso, mesmo que todos os nossos mais velhos falassem Português usando a Norma Padrão, seríamos ainda hoje obrigados a falar como eles passados tantos anos, fugindo da identidade de toda uma geração?
Pois bem, acho que Camões não se deve importar com as variações que ocorreram na LP depois de tantos séculos. Mas se assim o izer, também já não há escapatória. A língua varia e as dúvidas de uma geração não podem ser impostas a outra geração, cada uma delas tem competências para suprir as suas próprias necessidades linguísticas.
Percebo-te Kossi, é então essa “língua do corredor” que deve dar origem à nossa Língua Padrão. É essa língua que deve ser estudada pelos linguistas nos Centros de Investigação das Universidades para que nos situemos na lusofonia e os pobres dos professores de Português se possam identi icar com o que irão ensinar!