Jornal Cultura

BOB DYLAN O NOBEL E NÓS

- MATADI MAKOLA

O passado dia 13 destee Outubro fica marcado como o dia em que se concrconcr­etizamoncr­etizam as possibilid­ades de um músicmúsic­o competir a máxima fatia de honraa atéa então atribuída apenas a escritescr­itores. itores.

D entre as muitas razões, sejam elas políticas, culturais, inanceiras ou raciais, que justi iquem que um artista ganhe um Nobel, poucas nos dariam a entender que um compositor, letrista, actor e intérprete americano se sobreporia àqueles que conhecemos bem e respeitamo­s pelo o ício de escritor. Facto: Bob Dylan é o Prémio Nobel de Literatura 2016. Aceitemos. Para nós, africanos, devido aos vários problemas conjuntura­is que aqui vivenciamo­s, énos fácil digerir, porque estamos habituados a ver no topo a excelência das artes americanas pelos pacotes televisivo­s que pagamos para ver o que de bom e melhor a América e Europa produzem, da música pop lasciva, do rock electrizan­te ao folk mais contemplat­ivo americano, ou da balada dançante latina às românticas casamentei­ras. Neste capítulo, não nos sobram dúvidas de que o country, o folk e rock americanos (Estados Unidos e Inglaterra), tiveram uma contribuiç­ão signi icativamen­te forte de Dylan para a modernizaç­ão destes géneros, dando-lhes outras maneiras de os compor. E se era o que faltava à prepondera­nte América, a existência de um artista único, tento conseguido. É o artista com o mais bem apetrechad­o currículo à face da terra. O indício do prémio que hoje admiramos já vinha desde a atribuição do Pullitzer, em 2008, justi icado por possuir “composiçõe­s líricas de força poética extraordin­ária”. O passado dia 13 deste Outubro, uma quinta-feira, ica marcado como o dia em que se concretiza­m as possibilid­ades de um artista músico competir a máxima fatia de honra até então atribuída apenas a escritores. Bob Dylan é mais do que um artista de destino repleto de bonanças, é um poeta, porque é assim que vence o Nobel: como poeta, e não como músico. Jamais como músico. Justi ica a academia que ganha “por ter criado novas formas de expressão poéticas no quadro da grande tradição da música americana”. Dylan teria antes ganho mais de uma dezena de Grammy, um Óscar e um Globo de Ouro. Soberbo.

Analisemos: teríamos antes visto Dylan apenas como grande poeta? Ou seja, Dylan, convenhamo­s, é um grande poeta? Quem o ouve apercebe-se de que é um grande músico, de dotes literários acima da média. Saíram da sua cabeça de génio musical letras de versos com profundos rasgos de consistênc­ia poética. Isso é indiscutív­el. Mas transforma­r isso num trabalho de poeta merecedor do Nobel, é forçar-nos a deixar de imaginar o rigor e seriedade que esta academia até então ditava. Ou, a assentar na especulaçã­o por si formulada e o icializada: a academia fez de Dylan um poeta completo. A ver, esta intenção faznos acreditar que, usando do seu poder e prémio, a academia sueca fez o seu poeta, e, dentre os músicos dotados de literaried­ade na escrita, Dylan foi o escolhido a encarnar tal personagem. Assim, reformulam­os: será Dylan uma vítima da academia sueca? Porque, até onde sabemos, nin- guém exige ser o justo merecedor de um Nobel, é a própria academia que anuncia como vencedor o fulano ou o sicrano. Espera-se ganhar, e pronto. E nessa lista, há anos que existem vários escritores de mão cheia à espera, tanto que a Língua Portuguesa até hoje só foi contemplad­a uma vez: José Saramago, pelo conjunto da sua obra.

A imprensa dividida e as notícias do sim e não a Dylan não param de preencher páginas e mais páginas de jornais. Mas o que disse Dylan? Pela ternura, posições política e sensatez espelhadas nas suas letras, decerto que, tarde ou cedo, tecerá alguma opinião a respeito de ser o Nobel. Mas faz mais ou menos uma semana e o silêncio de Dylan deixa o mundo a cogitar. A academia sueca já veio a público con irmar que Dylan não atende à comunicaçã­o que tentam estabelece­r. Já fez um show neste intervalo de dias e nem uma só palavra de pronunciam­ento sobre a sua nova condição de Nobel. Está a habituar-se, a digerir aos bocadinhos a novidade, ou está impotente e chocado como meio mundo literário está? Talvez.

Diz certa imprensa estrangeir­a que esta atribuição carrega como um dos lados bons um olhar generaliza­do a todas as formas poéticas existentes, dando também valor à canção, que há muito é tida como um género inteiramen­te virado à música, relevando também a importânci­a da tradição oral, de onde Bob Dylan bebe muito, enquanto cultivador do folk puro.

Tudo isso não deixa de ter a sua importânci­a. Mas desassocia­r a música da poesia de Dylan, não é a mesma coisa. São letras, embora possuidora­s de alto valor literário, escritas para serem cantadas. É uma obra conjunta e única. Dissociá-la é abrir a possibilid­ade de empobrecê-la e dividir um dos artistas mais homogéneos e universais da História da Arte. E o hibridismo despoletad­o nos leva a interrogar: veremos Dylan daqui para frente, desde 13 de Outubro de 2016, quando já conta com 75 anos de vida e toda uma brilhante carreira como músico, como melhor poeta que músico, a ser galardoado com o badalado e sonhado Nobel da Literatura? Certamente que Dylan não aceitaria tal embaraço. AQUI ENTRE NÓS O que dizermos do nosso queniano Ngugi wa Thiong’o?

Se é ou não ultrajante para o nosso escritor queniano Ngugi wa Thiong’o , que viu o prémio indicado como potencial merecedor ir parar às mãos de um artista americano que ninguém contava como escritor com pujança para Nobel, é caso para imputarmos as possíveis responsabi­lidades morais à academia sueca. Mas a imprensa nada ou pouco fez a respeito, silenciand­o o escritor africano que há anos está à altura de ser um Nobel, também pela sua carreira literária a incada nos ideais independen­tistas e direitos humanos africanos. O queniano é uma igura presente na considerad­a rasa lista de autores africanos merecedore­s do Nobel, para não falar que seria mais uma voz e uma obra em defesa das particular­idades da construção modelar do romance africano, ainda por se a irmar diante de tantas opções do protótipo romance europeu. Porque não restam dúvidas que é muito mais fácil os prémios recaírem sobre autores europeus e americanos, que têm maior circulação do livro e crítica literária instituída e menos problemas que nós, fora os prémios de maior relevo serem de orga- nizações por eles dirigida, e assim decidirem a quem quiserem dar, ignorando que opinião adversa poderia surgir.

Um pouco mais para o nosso lado, recebemos esta notícia num momento em que a música angolana também deve ser objecto de reflexão, principalm­ente sobre a responsabi­lidade moral e estilístic­a que os letristas devem garantir. A última edição do nosso Top dos Mais Queridos pode ser um exemplo para medirmos como estamos em termos de letras, e se há de facto qualidade suportável para garantir que possam também serem alvos de homenagens e de ovações grandíloqu­as. A mais querida desta última edição foi a Ary, com o sucesso “Papa Fugiu”, um tema inusitado trazido em tom satírico. Em segundo lugar icou o grupo Elenco da Paz com a música “Arroz com Feijão”, que é um kuduro tão kuduro: de crueza rude e uma lógica indescrití­vel, e Cef, com a música “Atro ia”, que é um R& B que segue as mesmices nos dizeres da letra e cuja recepção está inteiramen­te depende do resultado imagético do vídeo, que em muitos casos diz mais que a própria letra da música. Ficou em terceiro lugar. As três não fazem jus ao legado da nossa tradição oral. Desa iemo- nos a colocar qualquer das três músicas em papel e tentar compreende­r o seu sentido literário. Claro está que o resultado poderia ser bizarro.

A seguir o raciocínio da academia sueca, esperamos que na próxima edição do Prémio Nacional de Cultura e Artes, ou mesmo o Prémio Camões, o júri decida atribuir o prémio da categoria de literatura à dupla Mukenga e Zau, porque a reclamada força poética não lhes falta nas letras que escrevem.

 ??  ??
 ??  ?? Bob Dylan
Bob Dylan
 ??  ?? Ngugi wa Thiong’o
Ngugi wa Thiong’o

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Angola