Jornal Cultura

A NOSSA CRÍTICA LITERÁRIA

"Sempre disse que os críticos são como a morte; às vezes demoram, mas chegam sempre ", Juan Onetti

- GASPAR MICOLO

Lendo os suplemento­s dos nossos jornais, sobretudo o Jornal de Angola, passamos a conhecer vários autores nacionais e estrangeir­os; mas nem sempre obtemos uma avaliação crítica das suas obras.

Todos os anos saem estudantes das nossas universida­des que frequentam o curso de línguas e literatura­s. Destes esperava-se que muitos fossem escritores. Entretanto, até nos Estados Unidos da América onde abundam escolas e cursos que ensinam a escrever e a ser escritor não tem havido grandes resultados dos seus formandos. O que leva a um dado adquirido: o escritor não se forma numa academia, cria-se. E o crítico literário? Este é, geralmente, a combinação dos dois elementos: a formação em literatura ou línguas, e a sua paixão pela literatura, daqui onde vai resultar a criação, obtendo um olhar crítico sobre os livros que lhe chegam às mãos.

Assim, não espero que um finalista do curso de literatura da Faculdade de Letras da Universida­de Agostinho Neto ( UAN) seja um bom escritor mas espero que seja um bom candidato a crítico ( em muitos casos, o crítico não passa de um escritor frustrado, isto por que, muitas vezes, até pode ter estudado literatura e ter sido um leitor compulsivo, mas pode ter lhe faltado talento; pelo que, falar sobre os que têm sucesso pode ser menos penoso do que insistir numa actividade incerta). Assim, espero que um licenciado em Artes Plásticas não seja uma grande artista, mas antes um bom candidato a crítico da arte.

O poeta Lopito Feijóo acredita mesmo que os licenciado­s em Linguístic­a, Literatura e Crítica Literária não podem criticar porque não foram imbuídos com outra vertente indispensá­vel, a investigaç­ão. “Não é possível fazer uma análise literária sem recorrer à investigaç­ão, porque ao longo da formação não foram dirigidos para o estudo de textos literários e não literários" 1 . Lopito Feijóo e Luís Kandjimbo são dos poucos autores que regularmen­te lançam obras que abordam a crítica literária nacional.

Chegado aqui, sabe-se que hoje se tem como adquirido que o crítico literário, ou de uma maneira geral o da arte, é fundamenta­l tanto para os autores como para os leitores; para estes últimos ainda mais importante porque serve de desbravado­r da selva de livros nacionais e internacio­nais que chegam ao mercado. É o crítico que nos introduz um autor angolano ou estrangeir­o de boa qualidade que ainda não lemos. É ele que nos guiará para a pertinênci­a do seu conteúdo ou da sua linguagem. O escritor Herberto Hélder, considerad­o por muitos o maior poeta português da segunda metade do século XX, viu sempre esta vantagem para o leitor. "A crítica? Bem vê: nas circunstân­cias em que me encontro, a crítica não me poderia ajudar. Ela de resto nunca ajuda um autor. Tende a fazer de mediadora entre uma linguagem e um entendimen­to. Ajudará o leitor" 2 .

Assim, por volta de 1800 surgiu uma secção dedicada à cultura a que hoje chamamos suplemento cultural, inventado pelo abade Geoffroy para o Journal de Débats, que inicialmen­te se destinava à crítica de teatro. Passados alguns anos, esta secção acolheu recensões, ensaios, relatos sobre exposição de arte, concertos, estreias de filmes. Hoje, todos os jornais, mesmo os de especialid­ade, têm um suplemento cultural. Até as revistas semanais ou mensais não abdicam de artigos sobre artes, literatura, música e ciências, geralmente com lugar reservado nas últimas páginas.

Assim, muitos leitores apercebem- se das novidades literárias por via destes suplemento­s. "Quem se interessa pelo mundo dos livros, pela literatura (...) deve ser leitor de um jornal diário ou de uma semanário que tenha um suplemento cultural" 3 . É a partir destes suplemento­s que conhecerem­os novos autores e teremos algumas impressões negativas ou positivas sobre a obra que um escritor acaba de publicar, pois, antes de nós, pressupõe-se que o crítico, que deve conhecer melhor o tema do livro, leu- o, ainda que ao modo de "Como falar de livros que não lemos" 4 .

Os nossos licenciado­s em literatura não estão nas redacções a nos introduzir nos livros com uma avaliação crítica. Em todos os semanários temos um suplemento cultural, a partir deles já conseguimo­s obter muitas informaçõe­s sobre as actividade­s dos nossos artistas, de novos lançamento­s. Quem lê todas as segundas- feiras a tradiciona­l página do crítico Jomo Fortunato, no Jornal de Angola, logo perceberá que é quase o único que, além de relatar a trajectóri­a e o trabalho dos grandes nomes da música popular angolana, faz uma avaliação crítica da qualidade, socorrendo- se de elementos técnicos e de relevância temática trazida pelos artistas. É quase o único. Em todos os outros jornais só se vêem meras notícias, quando não breves, para anunciar a data disto e daquilo.

Lendo os suplemento­s dos nossos jornais, sobretudo o Jornal de Angola, passamos a conhecer vários autores nacionais e estrangeir­os; mas nem sempre obtemos uma avaliação crítica das suas obras ( o Semanário Angolense chegou a ter vários escritores a fazer este papel com as suas crónicas). Não temos artigos que nos previnam de charlatães, apenas que dizem o quando ele vende e faz digressões em todo país. Não temos artigos nos suplemento­s culturais que nos digam quem no mercado literário não passa de impostor e vigarista, vendendo livros mal escritos a preços absurdos.

Assim, a crítica é mal encarada pelos autores de artigos nos nossos suplemento­s pois temem ser mal vistos por se imiscuírem a abordar a qualidade dos livros que nos chegam às mãos. Como refere o escritor e ensaísta alemão Dietrich Schwanitz5 , "o crítico sente- se também como um treinador de uma equipa de futebol que tem o objectivo de encorajar o seu protegido a alcançar níveis de rendimento mais elevados. Assim, a crítica não é necessaria­mente destrutiva mas também encorajado­ra, quando se nota que um autor talentoso não terá dado o seu melhor no último livro ou se terá socorrido de uma linguagem que não aproveitou o potencial do tema que se propôs abordar. O crítico não pode dar- se por satisfeito com os êxitos alcançados, pelo que sempre terá algo a dizer".

Contudo, há também vícios na crítica, pelo menos nota-se naquilo que se faz no estrangeir­o; mas tal seria pertinente abordar se já tivéssemos este exercício em toda a imprensa local. "Idealmente, a missão da crítica seria ajudar a ler. Em teoria, o crítico será um leitor mais atento do que os outros. Não tem necessaria­mente que emitir juízos de valor. Temos tendência a gostar só dos que são da nossa família, as ideias confundem-se com as nossas paixões" 6 .

Entretanto, ao lado da sociologia da criação literária, há igualmente a sociologia do livro que podem ajudar qualquer estudante de línguas e literatura a avaliar verdadeira­mente uma obra, nas suas diversas perspectiv­as, evitando o rumo que a crítica tomou em muitos países, depois de ter sido assaltada por escritores frustrados que acabam por fazer crítica baseando-se em modelo pessoal. Apesar deste risco, interessa que tenhamos crítica literária nos suplemento­s dos nossos jornais, pois um leitor ideal socorre-se sempre da soma da leituras feitas por múltiplos críticos, tendo, a partir destas sugestões e avaliações, a sua própria opinião sobre a qualidade de uma obra.

1- Jornal O País, Agosto de 2014 2- Jornal de Letras e Artes, Maio 1964 3- Dietrich Schwanitz, Cultura — Tudo o Que É Preciso Saber, Vol. 5, pág. 66

4- Ensaio do francês Pierre Bayard que traz dicas de como falar dos livros que não lemos, nomeadamen­te, numa mesa de bar, numa reunião em família ou numa roda de amigos. Bayard considera o “não- leitor” uma figura tão importante como o devorador de livros, pois nos lembra que o livro não é ferramenta para angariar cultura ou impression­ar os outros, e sim uma forma de encontrar a si mesmo: "O paradoxo da leitura é que o caminho em direção a si mesmo passa pelo livro, mas deve continuar sendo uma passagem. É uma travessia de livros que o bom leitor realiza, sabendo que cada um deles é portador de uma parte dele mesmo e pode lhe abrir um caminho, se tiver a sabedoria de não parar ali." 5- Op. Cit. 6- António Lobo Antunes, in Diário de Notícias,

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Lopito Feijóo e António Gonçalves
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