Jornal Cultura

POESIA SÍRIA DE NIZZAR QABBANI

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“Neste tempoempo de espigas de trigo armadas de pássaros armados de cultura armada e de religião armada não se pode comprarar pão sem encontrar uma armama no interior”.

O meu ilho coloca a sua caixa de pintura à minha frente e pede-me que lhe desenhe um pássaro. Mergulho o pincel na cor cinzenta e traço um quadrado com fechaduras e grades. Os seus olhos enchem-se de surpresa: "... Mas isto é uma prisão, pai, Não sabes desenhar um pássaro?” E eu digo-lhe: "Filho, perdoa-me. Esqueci-me da forma dos pássaros.” O meu ilho coloca o livro de desenhos à minha frente e pede-me que desenhe uma espiga de trigo. Pego num lápis e desenho uma arma. O meu ilho desdenha da minha ignorância, perguntand­o, "Pai, não sabes a diferença entre uma espiga de trigo e uma arma?" Eu digo-lhe: "Filho, uma vez usei a forma da espiga de trigo a forma do pão a forma da rosa . Mas nestes tempos duros as árvores da loresta juntaram-se aos homens da milícia e a rosa veste uniformes escuros . Neste tempo de espigas de trigo armadas de pássaros armados de cultura armada e de religião armada não se pode comprar pão sem encontrar uma arma no interior não se pode colher uma rosa do campo sem que os seus espinhos nos arranhem o rosto não se pode comprar um livro que não vá explodir entre os nossos dedos." O meu ilho senta-se à beira da minha cama e pede-me que recite um poema. Uma lágrima cai dos meus olhos para a almofada.

O meu ilho apanha-a, surpreendi­do, dizendo: "Mas esta é uma lágrima, pai, não é um poema!" E eu digo-lhe: "Quando cresceres, meu ilho, e aprenderes o 'diwan' da poesia árabe descobrirá­s que palavra e lágrima são gémeas e que o poema árabe não é mais do que uma lágrima chorada por dedos que escrevem." O meu ilho pega nos seus pincéis, a caixa de pinturas à minha frente e pede-me que lhe desenhe uma pátria. O pincel treme nas minhas mãos e eu afundo-me, chorando.

Nizar Qabbani, diplomata sirio e um dos mais célebres poetas árabes contemporâ­neos (Damasco, 21 de Março de 1923 - Londres, 30 de Abril de 1998). É conhecido principalm­ente pela sua poesia de carácter amoroso e sexual e pelo emprego de uma “terceira língua” que, baseada no mais impecável árabe literário, pretende capturar a vivacidade e a elasticida­de da fala coloquial síria.

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