Jornal Cultura

“PÔR EM EVIDÊNCIA OS SINTOMSINT­OMAS COMUNS DA CULTURA”

- MATADI MAKOLA

A III Trienal de Luandauand­a estender-estse--á pelo ano de 2017 e terát maior abrangênci­a na organizaçã e actuação,ac comom a perspectiv­a de ser focada para outroutras­as cidades do interior.in A Trienalien­al poderápode­r ser, desse modo, “um meio de pôr em evidência os sintomassi­no comunsc da cultura, mesmo completame­nte difdiferen­tes do pontoo de vista da sua matriz cultural, quer na sua convivênci­a e especifici­dades” afirma Fernando Alvim, vice-presidente da Fundação Sindika Dokolo

Valendo-se da sua concepção orgânica, a III Trienal de Luanda voltar a abrir as portas aos amantes da cultura ainda na primeira quinzena de Janeiro de 2017. Nesta entrevista concedida ao CULTURA, Fernando Alvim, vice-presidente da Fundação Sindika Dokolo, con irma que se estenderá por seis meses e que terá maior abrangênci­a na organizaçã­o e actuação, como a perspectiv­a de actuar em cidades do interior, introduzir-se nas comunidade­s por via de projectos gira-bairro e também a realização, em Luanda, de um fórum das artes visuais.

Jornal CULTURA - É uma ressaca da III Trienal?

Fernando Alvim

- Não é bem ressaca. Por ressaca, é bem verdade, pode ser considerad­a quando nós ultrapassa­mos o limite e estamos ressacados de uma experiênci­a muito forte e que psíquica e isicamente nos pode ter alterado. Obviamente, há coisas positivas nestas alterações, porque temos mais conhecimen­tos e experiênci­as, depois te dermos mais de 100 mil pessoas a visitar num espaço de um ano todos os programas. Não pode deixar de ser um evento que interagiu não só com o público, mas também com mais de 2 mil artistas. Foi muito interessan­te termos feito uma trienal extensiva e orgânica, no sentido de poder alterar o corpo, cidade, pais, continente ou mundo. E invés de sermos uma trienal rígida, fomos uma trienal desde sempre inclusiva e, em simultâneo, abrangente, seguindo assim um parâmetro basilar da Fundação SindikaDok­olo.

Porque na altura quando pensamos, com André Mingas, SindikaDok­olo e parceiros, foi justamente para estabelece­rmos uma primeira temperatur­a criando um ciclo de eventos mais acentuados nas artes visuais, para que possamos então identi icar todos os parâmetros necessário­s, melhorar e permitir criar uma forma estável dos mecanismos, espaços e lugares onde os artistas exerçam o seu trabalho, não numa questão museológic­a mas sim numa questão de amostra. Acho que tudo isso, até hoje, é o que tem sido feito, não só altera a própria fundação e trienal mas as pessoas que trabalham nela, porque é uma duração interactiv­a.

JC- Como icou expresso o lema da utopia à realidade nesse um ano de actividade?

FA-

Se disséssemo­s antes da trienal ter começado que iríamos fazer em 365 dias mais de dois mil e quatrocent­os artistas e mil e seiscentos eventos, claro que iriam considerar utópico. Mesmo quando aconteceu o ZWA, muitos músicos vinham ter connosco apreensivo­s porque pensavam que não iria ser possível ter oito concertos diários em cinco dias seguidos, totalizand­o quarenta concertos e gastos avaliados em quarenta milhões de kwanzas. Quando se faz isso, é porque tínhamos certeza que sabíamos fazer. Muita gente não tinha reparado que toda a equipa da SindikaDok­olo anda a fazer este exercício há mais de dez anos, não só cá mas em Veneza, Niterói, Porto, Baía. E se este ano foi assim, imaginem daqui a dez anos. Esta é a primeira nota. A segunda, que é onde ela se inspira, é a histórica, daí a relevância da frase “da escravatur­a ao apartheid”. A mesma civilizaçã­o que era uma confederaç­ão de reinados, é levada como escrava para vários lugares do mundo. O que isso implica? A separação das famílias e alteração, inclusive, da dinâmica destas sociedades. É uma tristeza profunda. E é esta mesma civilizaçã­o que acaba com o apartheid. Eu penso que a história deve ser narrada. E se não há quem a narre, a história impõe-se.

JC- Faz parte da sua visão de curador? FA-

Na minha concepção de curadoria, porque eu pre iro desconstru­ir essa palavra do que icar seu refém, então pre iro uma curadoria orgânica. Porque a história é um facto, temporaria­mente de memória, ou pode ser um facto ixo. Sem memória não há história. E a cultura é como se fosse o universo, que engloba a nossa forma de vestir e pensar e toda a nossa trajectóri­a pelo planeta terra. Não poderá um trienal de luanda ser uma trienal em Luanda. Poderá ser, pelo carácter desta trienal, por aquilo que foi pensado, um meio de pôr em evidência os sintomas comuns da cultura, mesmo completame­nte diferentes do ponto de vista da sua matriz cultural, quer na sua convivênci­a e especi icidades. Não quisemos deixar que acontecess­e uma espécie de apartheid temporal, na dis- tinção entre os novos e os velhos, crianças, os conhecidos e não conhecidos. Conseguimo­s fazer prevalecer, de uma forma extremamen­te harmoniosa e pací ica, diferentes gerações, estilos e formas de pensar. E é onde, de uma certa maneira, as pessoas atingiram a utopia. Eu penso que a utopia é permanente, ela é existencia­l. Ninguém pode ser dono de uma utopia. Ou, não há uma geração que pode ser considerad­a a única da utopia. Em qualquer ser que nasça, a utopia está presente, porque ela é uma condição do desejo da realidade.

JC- Mas a música foi a mais evidenciad­a… FA -

Primeiro é uma questão de justiça. Seria injusto não deixa-la em evidência. Todos os músicos que passaram nesta trienal, consideran­do gerações anteriores, foi também para justamente, da escravatur­a ao apartheid, não ser acidental termos ido buscar o que temos de mais remoto mas que ainda é praticado. Percebeu-se também as ligações entre as gerações. No caso da trienal, é um projecto que, por ser orgânico, é susceptive­l à alteração. Quando desenhamos, acertamos que dois terços iriam ser pré-desenhado e um terço iria ser orgânico. Mas aconteceu o inverso: dois terços foram propostas por grupos externos, músicos e produção. Porque a cultura é isso mesmo, é movimento, ela não é ixa. Já na segunda trienal vínhamos trabalhand­o nisso. Criamos uma narrativa que se mostrou perfeitame­nte aplicável nesta terceira. Isso fez dela mais inclusiva e abrangente, tendo a capacidade de introduzir métodos que consigam tornar permanente o exercício de amostra de arte e cultura. São objectivos e queremos atingir esta normalidad­e.

JC – O que nos pode dizer sobre a recuperaçã­o de peças de arte africana? FA -

Este projecto foi desenhado e conduzido pelo patrono da fundação e é um dos projectos centrais. Mesmo as intenções criadas são muitas vezes metáforas que ilustram este pensamento, relacionad­o com a estética e alma das pessoas e os objectos e a alma das pessoas nos objectos, que é um conceito muito central daquilo que é o pensamento artístico-cultural do SindikaDok­olo. Pôr isso em evidência, também, não é só uma questão estética mas um acto de política cultural, que, fundamenta­lmente, permite logo criar um movimento de interesse e de estudo dessas obras africanas que foram levadas, roubadas e alteradas e que tiveram um impacto importante

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FERNANDO ALVIM

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