TRIBALISMO E SUBDESENVOLVIMENTO
Enquanto o resto do mundo progride, a África continua ainda como que acorrentada no seu subdesenvolvimento. O impasse que faz a África resvalar no subdesenvolvimento é, certamente, o tribalismo. Se a Educação não desempenhar o seu verdadeiro papel como agente impulsionador de mudança social, o desenvolvimento continuará a ser um sonho adiado para a própria África e para os africanos.
INTRODUÇÃO
Esta breve re lexão sobre o tribalismo e o subdesenvolvimento africano surge na sequência da constatação diá- ria que fazemos da relação entre esses dois fenómenos contraditórios. Se as sociedades, enquanto organismos vivos, podem atingir o desenvolvimento, o tribalismo é, para a realidade africana, um entrave a esse desenvolvimento.
Sob a âncora da sociologia de Taylor, veremos, ao longo da breve abordagem do tema, como a mudança de uma sociedade depende de si própria, ou seja, dos seus membros, a partir do desejo de desenvolvimento e do trabalho feito para levá-lo a cabo. É, pois, a partir desse prisma endógeno que iremos gizar a presente re lexão, procurando demonstrar como o tribalismo, enquanto realidade africana, entrava o desenvolvimento da própria África.
DESENVOLVIMENTO
Encontramo-nos hoje a percorrer o longo século XXI em que o mundo parece cada vez mais homogéneo (?), alargado e ao mesmo tempo con inado, devido ao im das fronteiras imposto pelas vertiginosas mudanças de vária ordem. Desde os costumes aos transportes, da alimentação às novas tecnologias de informação e comunicação, veri ica-se um salto qualitativo da humanidade, isto é, diferenças substanciais entre o que ela era ontem e o que é hoje.
Em termos gerais, o mundo conhece hoje signi icativos avanços na ciência e na técnica em consequência do esforço incessante do homem em adaptar-se às diferentes situações em que se encontra e, não raras vezes, da sua inevitável necessidade de criar e recriar cenários para responder positivamente aos apelos do meio que o rodeia. De modo que, o século XXI, é já um século com certa tradição técnica, cientí ica e até cultural.
Ora, perante esse quadro surpreendente, não admiraria, questionarmonos sobre o impasse do continente africano em termos do seu desenvolvimento, ou seja, do seu subdesenvolvimento. Dito de outro modo, enquanto o resto do mundo progride, a África continua ainda como que acorrentada no seu subdesenvolvimento, sem conseguir dar passos dianteiros para o desenvolvimento. O que estará na base desse impasse?
Certamente, várias respostas seriam aduzidas para responder a essa inquietante questão, dependendo de autores e diferentes áreas do saber a que estejam afectos. Para já, a nossa perspectiva de análise baseia-se na iloso ia do sociólogo, o Professor P. H.
Taylor, o qual faz depender qualquer espécie de mudança ou progresso da vontade do sujeito do que dos aspectos exteriores fora dele.
Assim, Taylor a irma: As novas técnicas e tecnologias requerem alguma adaptação ou acomodação por parte de todos mas, o inimigo não é apenas – e talvez, não signi icativamente - a mudança social, mas as nossas próprias percepções. E isto é profundamente verdadeiro no sentido de que o inimigo está dentro de nós próprios, nas nossas próprias atitudes em relação à mudança. A nossa rejeição da mudança, a nossa incapacidade de nos adaptarmos a ela, o nosso medo da novidade e do inusitado – eis as coisas que, muito frequentemente, tornam di ícil um verdadeiro progresso social, quando não impossível.
A ser assim, a nosso ver, os impasses da estagnação da África no subdesenvolvimento, segundo o prisma de Taylor, dependem mais de factores endógenos, sem desprimor aos exógenos. Efectivamente, a operacionalização da mudança social muito se deve a factores endógenos como as invenções e outros aspectos dependentes da realidade social a que se pertence.
O impasse que faz a África resvalar no subdesenvolvimento é, certamente, o tribalismo. Ora, o etnocentrismo e o tribalismo, ao longo da história, foram sempre dimensões ligadas ao homem e às quais foi quase sempre difícil de abdicar. Entende-se por tribalismo, a (…) O tribalismo revela-se hoje como uma doença que afecta gravemente a sociedade africana e a vai de inhando paulatinamente. Enquanto tendência para super-valorizar e dar primazia àquilo que é nosso ou de alguém ligado à nossa família, à nossa tribo, bairro, ou aldeia, o tribalismo conduz, cegamente, o continente ao descalabro. Essa atitude faz com que todo esforço empreendido por um membro que não pertença à nossa aldeia ou bairro seja desvalorizado e relegado porque inútil.
Muitos quererão defender hoje que o tribalismo, o etnocentrismo, o ódio, a inveja, as guerras étnicas, etc., são uma herança colonial e que hoje esses con litos apenas se acentuaram. E, de facto, é verdade. Os eventos ocorridos na Somália a partir de 1992, em Ruanda, em 1994 ou então em Darfur, Sudão, em 2003 são exemplos lúcidos dessa herança colonial. Esta tese é corroborada por AxelleKabou1 cujo pensamento gravita à volta da culpabilidade dos próprios africanos pelo insucesso de África.
Como se explica, porém, que volvidos 40 a 50 anos desde que maioria dos países africanos ascendeu as independências, tais tensões existam e tenham proliferado? Ou seja, o tempo vivido desde a proclamação das independências até hoje não é su iciente para inverter o quadro e corrigir eventuais erros causados pelo colonizador? Onde estão os Estados africanos? Ou os novos Estados africanos a seguir às independências, revelaram-se frágeis e, em consequência disso, incapazes de criar uma nova ordem sociopolítica no seio da comunidade africana, de modo que o que se vive hoje é apenas o corolário desse fracasso?
A atitude tribalista, independentemente dos seus argumentos, em nada ajuda o continente a firmar- se na luta para o desenvolvimento, antes pelo contrário, fá- lo retardar, pois, o tribalismo gera frutos como o ódio e a inveja. É altura de pensarmos seriamente nisso e adoptarmos uma atitude de mudança se quisermos ver a África progredir!
Os traços mais visíveis desse tribalismo revelam-se em quase todos os domínios da vida social dos africanos como nas escolas, nas igrejas, nos locais de trabalho, na política, no desporto, onde o critério de selecção baseia-se sempre pelo sangue, amiguismo, bairro, aldeia ou tribo. É deplorável que os africanos ainda não compreendam, em pleno século XXI, que este é um mal que mina e encrava a nossa sociedade e as suas possibilidades para o desenvolvimento! E, parece-nos que quanto mais se fala de desenvolvimento africano, mais tal atitude retrógrada se vai generalizando tomando conta de toda a sociedade.
Mesmo que sejam vários os factores que impedem a África de mergulhar no caminho do desenvolvimento, o tribalismo é expressamente, um deles e, se calhar, o mais perigoso por ser de ordem psicológica. O tribalismo é uma espécie de doença mental que afectou gravemente os africanos e os impede de enxergar com nitidez o verdadeiro caminho para o progresso e desenvolvimento. Ele não constrói, pelo contrário, destrói; não edi ica, menospreza: não apoia, amaldiçoa; não faz progredir, apenas faz retroceder, porque, erroneamente, as mentes africanas alimentam um falso mito de que apenas nós seriamos capazes de fazer as boas e melhores coisas, negando tal competência aos outros. Apesar disso, estamos conscientes de que essa é uma atitude que não nos ajuda a construir uma África digna para os africanos. Então, o que falta para mudarmos? Neste particular, talvez concordemos com Louis-Vincent, o qual de iniu o subdesenvolvimento como uma manifestação de ausência de motivação.
O que parece mais grave é o facto de esse mal ter-se tornado uma espécie de inconsciente colectivo que chegou a afectar quase totalidade da sociedade africana e assumiu a estatura de um mal com o qual o homem africano se conformou.E, na pior das hipóteses,é que o tribalismo para além de existir nos mais altos centros de decisões como sejam as organizações políticas, inanceiras, eclesiásticas, etc., chegou a afectar também até indivíduos do mesmo sangue. O tribalismo cega e ofusca o desejo ou a vontade para o desenvolvimento e impõe uma ideia de pseudodesenvolvimento para talvez convencer ou ludibriar as mentes lúcidas.
A fome, a pobreza, as grandes epidemias como o VIH-SIDA, a malária, a tuberculose, as guerras, as migrações a instabilidade política de alguns países africanos, etc., são expressões lúcidas de que o subdesenvolvimento está presente na sociedade africana. Assim, o desenvolvimento como satisfação das necessidades básicas dos homens: alimentação, saúde, educação, segurança, lazer, etc., está longe de ser ainda uma realidade em África, se à partida, o primeiro desenvolvimento que se queira fazer em África e para os africanos não for de ordem espiritual.
A pobreza espiritual que assola a mente do homem africano, como um dos principais obstáculos ao desenvolvimento, é o primeiro mal-maior contra o qual todos os africanos devem reunir forças para erradicar. Para tanto, é necessária e urgente uma educação integral que eduque a partir do interior os africanos, a im de que a crença nos retrógrados mitos da sua sociedade tradicional seja superada pelo desejo ardente de desenvolvimento integral neste século XXI. Para isso, as escolas dos diferentes níveis de ensino, as famílias, as igrejas, incluindo as Universidades têm alguma palavra a dizer.
CONCLUSÃO
O tribalismo foi identi icado, ao longo desta breve re lexão como um dos factores do subdesenvolvimento africano, ou seja, mostra-se como obstáculo ao desenvolvimento de África.
Efectivamente, não há um desenvolvimento na sociedade que não parta da mente. Pelo que, se a África quiser irmar-se no caminho do desenvolvimento, deverá fazer primeiro um trabalho psicológico, isto é, de limpeza da mente do homem africano para tirá-lo da crise espiritual em que se encontra mergulhado. Para esse desiderato, a educação familiar e escolar desempenharão um papel pro ícuo na morigeração do homem e sociedade africanos. A Universidade, enquanto uma escola aberta na e para a sociedade, tem muito a dar e, dela, exigir-se-á uma intervenção mais signi icativa.
Se, em África, a educação não desempenhar o seu verdadeiro papel como agente impulsionador de mudança social, o desenvolvimento continuará a ser um sonho adiado para a própria África e para os africanos.
(Ilustrações de Paulo Kussy) REFERÊNCIAS
MAKUMBA, Maurice M., Introdução à iloso ia africana, passado e presente, Filhas de São Paulo, Angola, 2014.
NETO, Teresa da Silva, História da Educação e Cultura de Angola, Grupos nativos, colonização e independência, 3ª edição, Luanda, Zaina editores, 2014.
OLIC, Nelson Bacic; CANEPA, Beatriz, África, terra, sociedades con litos, 2ª edição, Moderna, São Paulo, 2012.
TATI, Raul, Crise africana e processo de democratização em África, pertinência e implicações ético-antropológicas, Artes Grá icas, Leiria, 1999.
Elaborado por Estêvão Conde Mbambi, estudante universitário afecto ao ISCED/Cabinda, opção Ensino de História, 3º ano-regular. O ISCED/Cabinda é afecto à Universidade Onze de Novembro, Região Académica III.
Citada por Raul Tati, Axelle Kabou, camaronesa, olha para as independências africanas como mitos que afundaram o homem africano numa ilusão colectiva. Ademais, Kabou, concebe ainda o impasse africano como um problema africano, olhando para dentro de África e buscar as causas endógenas da estagnação africana, apesar de não ignorar outros factores exógenos.