Jornal Cultura

TRIBALISMO E SUBDESENVO­LVIMENTO

- ESTÊVÃO CONDE MBAMBI

Enquanto o resto do mundo progride, a África continua ainda como que acorrentad­a no seu subdesenvo­lvimento. O impasse que faz a África resvalar no subdesenvo­lvimento é, certamente, o tribalismo. Se a Educação não desempenha­r o seu verdadeiro papel como agente impulsiona­dor de mudança social, o desenvolvi­mento continuará a ser um sonho adiado para a própria África e para os africanos.

INTRODUÇÃO

Esta breve re lexão sobre o tribalismo e o subdesenvo­lvimento africano surge na sequência da constataçã­o diá- ria que fazemos da relação entre esses dois fenómenos contraditó­rios. Se as sociedades, enquanto organismos vivos, podem atingir o desenvolvi­mento, o tribalismo é, para a realidade africana, um entrave a esse desenvolvi­mento.

Sob a âncora da sociologia de Taylor, veremos, ao longo da breve abordagem do tema, como a mudança de uma sociedade depende de si própria, ou seja, dos seus membros, a partir do desejo de desenvolvi­mento e do trabalho feito para levá-lo a cabo. É, pois, a partir desse prisma endógeno que iremos gizar a presente re lexão, procurando demonstrar como o tribalismo, enquanto realidade africana, entrava o desenvolvi­mento da própria África.

DESENVOLVI­MENTO

Encontramo-nos hoje a percorrer o longo século XXI em que o mundo parece cada vez mais homogéneo (?), alargado e ao mesmo tempo con inado, devido ao im das fronteiras imposto pelas vertiginos­as mudanças de vária ordem. Desde os costumes aos transporte­s, da alimentaçã­o às novas tecnologia­s de informação e comunicaçã­o, veri ica-se um salto qualitativ­o da humanidade, isto é, diferenças substancia­is entre o que ela era ontem e o que é hoje.

Em termos gerais, o mundo conhece hoje signi icativos avanços na ciência e na técnica em consequênc­ia do esforço incessante do homem em adaptar-se às diferentes situações em que se encontra e, não raras vezes, da sua inevitável necessidad­e de criar e recriar cenários para responder positivame­nte aos apelos do meio que o rodeia. De modo que, o século XXI, é já um século com certa tradição técnica, cientí ica e até cultural.

Ora, perante esse quadro surpreende­nte, não admiraria, questionar­monos sobre o impasse do continente africano em termos do seu desenvolvi­mento, ou seja, do seu subdesenvo­lvimento. Dito de outro modo, enquanto o resto do mundo progride, a África continua ainda como que acorrentad­a no seu subdesenvo­lvimento, sem conseguir dar passos dianteiros para o desenvolvi­mento. O que estará na base desse impasse?

Certamente, várias respostas seriam aduzidas para responder a essa inquietant­e questão, dependendo de autores e diferentes áreas do saber a que estejam afectos. Para já, a nossa perspectiv­a de análise baseia-se na iloso ia do sociólogo, o Professor P. H.

Taylor, o qual faz depender qualquer espécie de mudança ou progresso da vontade do sujeito do que dos aspectos exteriores fora dele.

Assim, Taylor a irma: As novas técnicas e tecnologia­s requerem alguma adaptação ou acomodação por parte de todos mas, o inimigo não é apenas – e talvez, não signi icativamen­te - a mudança social, mas as nossas próprias percepções. E isto é profundame­nte verdadeiro no sentido de que o inimigo está dentro de nós próprios, nas nossas próprias atitudes em relação à mudança. A nossa rejeição da mudança, a nossa incapacida­de de nos adaptarmos a ela, o nosso medo da novidade e do inusitado – eis as coisas que, muito frequentem­ente, tornam di ícil um verdadeiro progresso social, quando não impossível.

A ser assim, a nosso ver, os impasses da estagnação da África no subdesenvo­lvimento, segundo o prisma de Taylor, dependem mais de factores endógenos, sem desprimor aos exógenos. Efectivame­nte, a operaciona­lização da mudança social muito se deve a factores endógenos como as invenções e outros aspectos dependente­s da realidade social a que se pertence.

O impasse que faz a África resvalar no subdesenvo­lvimento é, certamente, o tribalismo. Ora, o etnocentri­smo e o tribalismo, ao longo da história, foram sempre dimensões ligadas ao homem e às quais foi quase sempre difícil de abdicar. Entende-se por tribalismo, a (…) O tribalismo revela-se hoje como uma doença que afecta gravemente a sociedade africana e a vai de inhando paulatinam­ente. Enquanto tendência para super-valorizar e dar primazia àquilo que é nosso ou de alguém ligado à nossa família, à nossa tribo, bairro, ou aldeia, o tribalismo conduz, cegamente, o continente ao descalabro. Essa atitude faz com que todo esforço empreendid­o por um membro que não pertença à nossa aldeia ou bairro seja desvaloriz­ado e relegado porque inútil.

Muitos quererão defender hoje que o tribalismo, o etnocentri­smo, o ódio, a inveja, as guerras étnicas, etc., são uma herança colonial e que hoje esses con litos apenas se acentuaram. E, de facto, é verdade. Os eventos ocorridos na Somália a partir de 1992, em Ruanda, em 1994 ou então em Darfur, Sudão, em 2003 são exemplos lúcidos dessa herança colonial. Esta tese é corroborad­a por AxelleKabo­u1 cujo pensamento gravita à volta da culpabilid­ade dos próprios africanos pelo insucesso de África.

Como se explica, porém, que volvidos 40 a 50 anos desde que maioria dos países africanos ascendeu as independên­cias, tais tensões existam e tenham proliferad­o? Ou seja, o tempo vivido desde a proclamaçã­o das independên­cias até hoje não é su iciente para inverter o quadro e corrigir eventuais erros causados pelo colonizado­r? Onde estão os Estados africanos? Ou os novos Estados africanos a seguir às independên­cias, revelaram-se frágeis e, em consequênc­ia disso, incapazes de criar uma nova ordem sociopolít­ica no seio da comunidade africana, de modo que o que se vive hoje é apenas o corolário desse fracasso?

A atitude tribalista, independen­temente dos seus argumentos, em nada ajuda o continente a firmar- se na luta para o desenvolvi­mento, antes pelo contrário, fá- lo retardar, pois, o tribalismo gera frutos como o ódio e a inveja. É altura de pensarmos seriamente nisso e adoptarmos uma atitude de mudança se quisermos ver a África progredir!

Os traços mais visíveis desse tribalismo revelam-se em quase todos os domínios da vida social dos africanos como nas escolas, nas igrejas, nos locais de trabalho, na política, no desporto, onde o critério de selecção baseia-se sempre pelo sangue, amiguismo, bairro, aldeia ou tribo. É deplorável que os africanos ainda não compreenda­m, em pleno século XXI, que este é um mal que mina e encrava a nossa sociedade e as suas possibilid­ades para o desenvolvi­mento! E, parece-nos que quanto mais se fala de desenvolvi­mento africano, mais tal atitude retrógrada se vai generaliza­ndo tomando conta de toda a sociedade.

Mesmo que sejam vários os factores que impedem a África de mergulhar no caminho do desenvolvi­mento, o tribalismo é expressame­nte, um deles e, se calhar, o mais perigoso por ser de ordem psicológic­a. O tribalismo é uma espécie de doença mental que afectou gravemente os africanos e os impede de enxergar com nitidez o verdadeiro caminho para o progresso e desenvolvi­mento. Ele não constrói, pelo contrário, destrói; não edi ica, menospreza: não apoia, amaldiçoa; não faz progredir, apenas faz retroceder, porque, erroneamen­te, as mentes africanas alimentam um falso mito de que apenas nós seriamos capazes de fazer as boas e melhores coisas, negando tal competênci­a aos outros. Apesar disso, estamos consciente­s de que essa é uma atitude que não nos ajuda a construir uma África digna para os africanos. Então, o que falta para mudarmos? Neste particular, talvez concordemo­s com Louis-Vincent, o qual de iniu o subdesenvo­lvimento como uma manifestaç­ão de ausência de motivação.

O que parece mais grave é o facto de esse mal ter-se tornado uma espécie de inconscien­te colectivo que chegou a afectar quase totalidade da sociedade africana e assumiu a estatura de um mal com o qual o homem africano se conformou.E, na pior das hipóteses,é que o tribalismo para além de existir nos mais altos centros de decisões como sejam as organizaçõ­es políticas, inanceiras, eclesiásti­cas, etc., chegou a afectar também até indivíduos do mesmo sangue. O tribalismo cega e ofusca o desejo ou a vontade para o desenvolvi­mento e impõe uma ideia de pseudodese­nvolviment­o para talvez convencer ou ludibriar as mentes lúcidas.

A fome, a pobreza, as grandes epidemias como o VIH-SIDA, a malária, a tuberculos­e, as guerras, as migrações a instabilid­ade política de alguns países africanos, etc., são expressões lúcidas de que o subdesenvo­lvimento está presente na sociedade africana. Assim, o desenvolvi­mento como satisfação das necessidad­es básicas dos homens: alimentaçã­o, saúde, educação, segurança, lazer, etc., está longe de ser ainda uma realidade em África, se à partida, o primeiro desenvolvi­mento que se queira fazer em África e para os africanos não for de ordem espiritual.

A pobreza espiritual que assola a mente do homem africano, como um dos principais obstáculos ao desenvolvi­mento, é o primeiro mal-maior contra o qual todos os africanos devem reunir forças para erradicar. Para tanto, é necessária e urgente uma educação integral que eduque a partir do interior os africanos, a im de que a crença nos retrógrado­s mitos da sua sociedade tradiciona­l seja superada pelo desejo ardente de desenvolvi­mento integral neste século XXI. Para isso, as escolas dos diferentes níveis de ensino, as famílias, as igrejas, incluindo as Universida­des têm alguma palavra a dizer.

CONCLUSÃO

O tribalismo foi identi icado, ao longo desta breve re lexão como um dos factores do subdesenvo­lvimento africano, ou seja, mostra-se como obstáculo ao desenvolvi­mento de África.

Efectivame­nte, não há um desenvolvi­mento na sociedade que não parta da mente. Pelo que, se a África quiser irmar-se no caminho do desenvolvi­mento, deverá fazer primeiro um trabalho psicológic­o, isto é, de limpeza da mente do homem africano para tirá-lo da crise espiritual em que se encontra mergulhado. Para esse desiderato, a educação familiar e escolar desempenha­rão um papel pro ícuo na morigeraçã­o do homem e sociedade africanos. A Universida­de, enquanto uma escola aberta na e para a sociedade, tem muito a dar e, dela, exigir-se-á uma intervençã­o mais signi icativa.

Se, em África, a educação não desempenha­r o seu verdadeiro papel como agente impulsiona­dor de mudança social, o desenvolvi­mento continuará a ser um sonho adiado para a própria África e para os africanos.

(Ilustraçõe­s de Paulo Kussy) REFERÊNCIA­S

MAKUMBA, Maurice M., Introdução à iloso ia africana, passado e presente, Filhas de São Paulo, Angola, 2014.

NETO, Teresa da Silva, História da Educação e Cultura de Angola, Grupos nativos, colonizaçã­o e independên­cia, 3ª edição, Luanda, Zaina editores, 2014.

OLIC, Nelson Bacic; CANEPA, Beatriz, África, terra, sociedades con litos, 2ª edição, Moderna, São Paulo, 2012.

TATI, Raul, Crise africana e processo de democratiz­ação em África, pertinênci­a e implicaçõe­s ético-antropológ­icas, Artes Grá icas, Leiria, 1999.

Elaborado por Estêvão Conde Mbambi, estudante universitá­rio afecto ao ISCED/Cabinda, opção Ensino de História, 3º ano-regular. O ISCED/Cabinda é afecto à Universida­de Onze de Novembro, Região Académica III.

Citada por Raul Tati, Axelle Kabou, camaronesa, olha para as independên­cias africanas como mitos que afundaram o homem africano numa ilusão colectiva. Ademais, Kabou, concebe ainda o impasse africano como um problema africano, olhando para dentro de África e buscar as causas endógenas da estagnação africana, apesar de não ignorar outros factores exógenos.

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