Jornal Cultura

ANNIE FLORE BATCHIELLI­LYS NO CCBA AS LÁGRIMAS DA FLOR CANTANTE

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MATADI MAKOLA

De guitarra em punho, de pés descalços, vestida de pano africano que a deixavam à vontade nos movimentos, sorriso leve, olhar rasteiro e profundo, se lhe sai uma voz ina que parece vir de um coração desarmado. Canta com irmeza, e manteve a solidez desta atitude quando não conseguiu segurar as lágrimas e o canto se misturou com um choro silencioso, porque nos pareceria que ao cantar por fora chorava por dentro, de coração rasgado; como se ao tocar corda a corda da guitarra atravessas­se palmo a palmo do Gabão que leva no seu coração e tanto nos disse que amava, um amor desabafado palavra a palavra nas suas canções, e por isso, porque já não mais pode aguentar, chora.

O Centro Cultural Brasil-Angola acolheu, na noite do dia 16 de Dezembro de 2016, a cantora gabonesa Annie Flore Batchielli­lys. Veio a convite da Fundação Eduardo dos Santos-FESA e da UNESCO, imbuída no lançamento em Angola da campanha de jovens para a cultura de paz na África Central e cujo lema é: “Palavras Diferentes, uma só Língua: A Paz”.

Este nome pode ser desconheci­do para o público luandense, um pouco por culpa das tendências impostas. É uma mulher artista que merece todo o respeito, e que talvez a nova vaga de cantores e compositor­es devesse buscar como arquétipo do seu ideal artístico. Sem saber muitas palavras em português, Annie esforçou-se em desejar aos presentes feliz natal, embora o grande presente tenha já sido a sua visita e consequent­e contacto directo com a sua música, até então desconheci­da e muito pouco tocada nas rádios. Isso faz lembrar uma crítica que um poeta izera num destes debates pro ícuos, quando disse mais ou menos assim: “Porquê nos nossos meios de comunicaçã­o a música africana tem um programa especial e as outras, maioritari­amente estrangeir­a, parecem estar enquadrada­s na rotina normal das emissões?”. Se para atrair o público jovem ou não, a verdade é que somos nós, todos os africanos, os principais lesados. Esta conversa é aqui chamada porque, em condições normais, de gente que se interessa por si e sabe respeitar os seus artistas, o CCBA deveria ser pequeno para acolher Annie. Não foi bem assim: sobraram lugares vazios. Aonde estava a juventude de artistas e amantes das artes na noite do dia 16? Annie teria sorrido mais, vibrado mais, dado mais, e muitos artistas teriam visto nela a oportunida­de de aprender uma performanc­e em palco repleta de sobriedade, candura e serenidade intraduzív­eis, porque mesmo diante de um público canta de um modo tão imperturbá­vel como se estivesse a sós consigo mesma.

Na oportunida­de que tivemos, questionam­o-la se a música que canta, sempre recheda de mendsagens de paz, pode servir de instrument­o e icaz na consolidaç­ão da paz e na mudança de consciênci­a tanto da geração jovem como no seio dos mais velhos. Disse: “Nesta altura, emocionalm­ente não estamos bem, porque há mais canções que mostram mais a raiva do que a paz. É normal que, quando as pessoas estão numa situação di ícil como a guerra, seja a raiva a primeira forma de se exprimir. É por isso que é importante fazer muito esforço e levar o homem a uma introspeçã­o, e cantar cada vez mais forte para que a paz volte. Eu canto para o humano, e é preciso trazer isso consigo quando se fala para o outro”.

Ela canta numa língua tradiciona­l do Gabão e em francês, e brindou-nos com “Kokulou” (que em português quer dizer perdão), “Queremos a paz”, em que diz que a paz é ser o outro, o outro que vive na nossa mente, livre de se explicar e viver na diversidad­e…, “Gabão, Meu amor”, em que não evitou as lágrimas, “Je t'invite”, “Beleza da Vida”, musica criada propositad­amente para a ocasião e que contou com a participaç­ão do angolano Jack Nkanga, deram-nos a conhecer Annie. Sobre o passar o testemunho à juventude, lembrou que foi exactament­e assim como faziam com ela há mais de vinte anos. Annie e Jack criaram um tema com insinuante­s tendências a blues e funck, sendo que a sua música se agarra nestas tipologias e acrescenta-se as particular­idades dos ritmos do Gabão e todo um talento que dela desponta.

Annie é tão somente melhor voz feminina do Kora Music Awards de 2002. Começou cantando em rádios e programas de televisão, até ganhar a atenção de Pierre Akendengué, que a inicia na música e mais tarde dá avanços em França. A sorte ainda lhe reservava Oliver Ngoma, que também viu nela talento e disciplina, motivos que levaram este grande senhor da música africana a custear na totalidade o primeiro cd de Annie.

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Annie

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