Jornal Cultura

LUANDA, NOSSA NGUIMBI

- SANDRA POULSON

Luanda não é só a Rua dos Mercadores, nem a Mutamba, nem a Baixa, nem a Baía onde, quando a maré estava baixa, desaguavam os esgotos a céu aberto, e que cederam o seu lugar a um jardim e de futuro a vinte e cinco torres de betão. É muito mais. É o espaço acolhedor, são as suas gentes, vindas com a guerra e com o pós-guerra, os seus cheiros que variam entre a maresia, o óleo velho de fritar a magoga e as frutas das zungueiras que com elas deambulam pelas ruas, o calor dos próprios corpos, os sons dos Ndeles, garças cândidas de bico preto e patas amarelas, e dos corvos brancos de asas negras, à beira mar, é o seu nome, que foi mudando, ao longo de vários séculos.

O sol abrasador, a chuva refrescant­e, o pólen das acácias dançando com o vento da tarde, os pássaros cantando em sinfonia querendo abafar o ruído do trânsito de automóveis, os edi ícios competindo entre si o rompimento da atmosfera, e as gentes deambuland­o pelos antigos arruamento­s com caracterís­ticas de arquitectu­ra tradiciona­l da velha Luanda.

Este é o retrato da cidade onde dei os primeiros passos, onde aprendi as primeiras letras, en im, onde vi pela primeira vez a luz do Mundo, no longínquo ano de 1962. Num pequeno número ímpar da Rua dos Mercadores morava a minha mãe, Esmeralda Moreira Bastos, e aí vivi e cresci e dela pude ouvir as vivências, aspirar os cheiros e imaginar o passado.

A Rua dos Mercadores é uma das artérias da cidade classi icada como imóvel de interesse público1 , situa-se nos Coqueiros, na Baixa de Luanda, nasceu, cresceu e não mudou, tal como eu, recebendo a bênção do Catolicism­o, primeiro das Capelas, a do Espírito Santo, edi icada em 1628, e a Capela do Corpo Santo, que se situava onde era o Sindicato do Comércio, que deram lugar à Igreja dos Remédios, construída em 1651-1679, e que foi Sé Episcopal de 1825 até bem depois da Independên­cia de Angola, em 1975.

No Sobrado de dois pisos, onde a minha traquinice me fez cair, com um ano de idade do piso mais alto até ao rés-do-chão, era possível ver os iéis que se dirigiam para a Procissão, os comerciant­es que no outro tempo trocavam peças que eram homens e peças que eram tecidos, mar im, mera, urzela, produtos importados como vinhos inos e licores, ouvir as fanfarras do des ile militar do Dia da Cidade, 15 de Agosto, Dia da Restauraçã­o de Angola, em que se comemorava a vitória atribuída a Salvador Correia de Sá e Benevides, sobre a ocupação holandesa, (de 24 de Agosto de 1641 a 1648), as salvas lançadas da Fortaleza de São Miguel, os bailaricos nos salões, cheirar a maresia e o esgoto da marginal, sentir o carinho das bessangana­s ornadas com oiro, com coração jóia, e viver brincando.

Outrora havia uma praça importante no burgo, que se desenvolvi­a debaixo de um tambarinei­ro2, cujos ramos se estendem a não permitir a penetração do Sol, e que no princípio da Estação das Chuvas deixa cair em pequenos cachos um fruto agridoce, castanho, com uma casca fácil de tirar e com um carocinho bom de chupar.

MUTAMBA

A praça de que vos falo, a partir da qual se irradiava toda a actividade comercial e não só, e nela estava concentrad­a a atenção governamen­tal, conti- nuou sendo importante, mesmo depois do abate do arbusto por volta de 1886, sendo que o seu nome, Mutamba, persistiu toponimica­mente e daí entre o povo a pronúncia da seguinte frase “Luanda é Angola, a capital é Mutamba, e o resto é capim”.

A palavra Mutamba é ainda traduzida, ora como peixe, espécie de cação, como largo, e como tambarinei­ro, cuja casca do caule serve de revestimen­to de ligação nas quindas.

Mas Luanda não é só a Rua dos Mercadores, nem a Mutamba, nem a Baixa, nem a Baía onde, no meu tempo, quando a maré estava baixa, desaguavam os esgotos a Céu aberto, e que cederam o seu lugar a um jardim e de futuro a vinte e cinco torres de Betão. É muito mais. É o espaço acolhedor, são as suas gentes, vindas com a Guerra e com o pós-guerra, os seus cheiros que variam entre a maresia, o óleo velho de fritar a magoga e as frutas das zungueiras­4 que com elas deambulam pelas ruas, o calor dos próprios corpos, os sons dos Ndeles, garças cândidas de bico preto e patas amarelas, e dos corvos brancos de asas negras, à beira mar, é o seu nome, que foi mudando, ao longo de vários séculos.

Seja qual for o nome atribuído a este espaço geográ ico quando aqui chegou Paulo Dias Novais em 10 ou 20 de Fevereiro de 1575, já depois de ter estado em 1560 na Barra do Kwanza, o que consegui saber é que a ilha que era a Mina (de concha Caurim) do Rei do Congo, e que foi chamada pelo colonizado­r primeirame­nte Ilha das Cabras e mais tarde Ilha de Luanda, faz com o Continente uma baía de águas calmas, por isso foi o local considerad­o o melhor porto de mar jamais visto para navegação, cujas águas vazam do Oceano Atlântico para o Rio, e que faz Terra Baixa, o que em língua local significa Loanda.

Na literatura consultada, depareime com as palavras Loanda e Luando, significan­do esteira, um conjunto de fibras entrelaçad­as, que poderiam ser de palmeira, papiro ou outro material, consoante a região, e que têm uma panóplia de serventias, como cama, mesa, assento rasteiro e cobertura nas habitações tradiciona­is. Na região da cidade de Luanda, distingues­e esteira de luando. Por serem de materiais e estrutura de elaboração diferentes, a primeira enrola no sentido da largura, e o luando enrola sobre o compriment­o. Daí eu achar ser correcta a associação, luando, ao nome da cidade de Luanda.

Ao nome deste nosso espaço geográ ico, cobiçado por portuguese­s e holandeses, foi acrescido São Paulo, por ter sido no dia de São Pedro e São Paulo, 29 de Junho, que o Rei conguês, Ngola Kiluange Kya Samba, enviou um Emissário aos referidos ocupantes,

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Cidade de Luanda
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