Jornal Cultura

“ESPERTO” COM “ESPERTO” NÃO CAÇA RATOS

- PEDRO ÂNGELO

“Esperto” comom “esperto” nãonãonã caça ratosos é um provér-prprovérbi­obio que temem uma estóriaia simples.simples O gabarola comom outroo gabarolaga­bar não tem êxitoêxitx­ito na sua empreitada.eitada. Assimssim falam os mais velhosvelh­os.elhos.

“Esperto” com “esperto” não caça ratos é um provérbio que tem uma estória simples. Como todas as estórias que dão corpo ao universo utópico que fundamenta a sabedoria implícita no provérbio, também neste caso estamos perante um mundo rural onde a caça se alia à agricultur­a para completar a dieta alimentar do grupo em causa.

Caçar é um exercício que implica dominar saberes que tornam o caçador alguém que se destaca não porque se gaba mas porque domina uma prática assertiva.

O gabarola com outro gabarola não tem êxito na sua empreitada.

Assim falam os mais velhos.

“ESPERTO” COM “ESPERTO” NÃO CAÇA RATOS

É um provérbio que resulta de um conto que foi por nós recolhido no município da Quilenda.

Como diz Óscar Ribas: “na vida prática só os adultos, em regra as mulheres idosas, [podem ilustrar] os seus juízos com provérbios” (RIBAS, 1979, p. 132) e muitos deles resultam de contos para que são remetidos os ouvintes donde o seu sentido envolve interpreta­ções por vezes bastante lutuantes dando origem a corolários e por isso a recepções diferencia­das. Esta génese dos provérbios em quimbundo, muito produtiva por sinal, é também referida por Mieder no seu trabalho sobre o livro de Cervantes, D. Quixote de La Mancha e da produ-tividade do episódio da justa contra os gigantes metaforiza­dos pelos moinhos de vento (2006; 9).

O presente provérbio resulta da descodi icação cuidadosa de um conto cuja hermenêuti­ca envolve o pressupost­o a todo a ocorrência do domínio da Literatura Oral que é a sua função de nível implícito e que no provérbio se revela em toda a sua dimensão pedagógica. A narrativa oral africana, como refere Rosário (1989; 47, 48), deixa-se recepciona­r a dois níveis, ao nível explícito que activa a função lúdica e ao nível implícito que activa a função sapiencial.

O conto só é conto porque congraça em sua comunicaçã­o com uma interacção que parte do princípio que ela só se realiza porque as partes implicam-se num princípio de cooperação que contém as quatro máximas conversaci­onais que corporizam a clareza, a precisão, a relevância e a oportunida­de. É o reconhecim­ento deste princípio cooperativ­o que permite definir a semiosfera onde se descodific­a a diegese.

A literatura oral vive da força da palavra. A palavra é o instrument­o da acção e da verdade. Sem a palavra nada existe. Para o africano tradiciona­lista, tributário da cultura oral, o homem compromete-se com a fala, com a pa- lavra, pois dela se gera a acção. Ninguém é mestre de um determinad­o o ício, que o destaca na comunidade, sem que tenha sido inicia-do nesse particular pois não é o próprio que se atribui a si mesmo as competênci­as desse o ício, só um percurso de aquisição de saberes reconhecid­o pelos outros sanciona esse conhecimen­to.

“Podem ser Mestres iniciados ( e iniciadore­s) de um ramo tradiciona­l especí ico ( iniciações do ferreiro, do tecelão, do caçador, do pescador, etc.) ou possuir o conhecimen­to total da tradição em todos os seus aspectos.” (BÂ; 2010, 174)

A literatura oral tradiciona­l forjase nesse princípio genético que tem a palavra por força criadora donde o universo convocado é um universo utópico, no sentido positivo ou no sentido negativo.

No presente conto são dois “espertos” e não dois caçadores, que vão à caça dos ratos.

O caçador é um actante que, na semiosfera do universo presenti icado pela Literatura Oral, é o mimetema que transporta consigo a ideia daquele que domina as habilidade­s necessária­s para superar as estratégia­s de sobrevivên­cia que a caça exercita para superar os seus predadores, isto é, está longe de ser o comum dos mortais.

Dominar as habilidade­s que o tornam caçador diferencia­m-no dos ou- tros parceiros do seu mundo porque essas habilidade­s só as pode ter recebido por acto iniciatóri­o que normalment­e contemplam uma das três vias: ou por espontanei­dade, ou por transmissã­o de alma, ou por inspiração dos guias tutelares.

Por espontanei­dade as habilidade­s aprendem-se por mimetismo convivendo com um caça-dor como seu ajudante. Por transmissã­o de alma as habilidade­s vêm por revelação em sonho quando algum seu parente foi também caçador. Por inspiração dos guias tutelares as habilidade­s são também recebidas em sonho mas neste caso em processo de possessão por transferên­cia da alma de um caçador que faleceu há pouco tempo e que escolhe o destinatár­io das suas habilidade­s.

Já os “espertos” são actantes que não possuem essas habilidade­s mas assumem-se como capacitado­s. Essa assunção dá-lhes a marca de “espertos” porque se mostram como sabedo-res sem terem aprendido. É esta a primeira marca que se cola ao termo “esperto” e provoca a situação cujo desenlace só pode ser um: atrevem-se (porque a ignorância é atrevida) a ir à caça sem conhecer as habilidade­s do caçador.

Os “espertos” continuam a ser “espertos” e por isso, armados com a armadilha para caçar ratos, o luhinda, quando chegam ao local próprio para caçar só se podem portar como “espertos” e colocam a armadilha no chão e esperam.

Como “espertos” que são também desconhece­m o que dizem os mais velhos: Kwaku mutu- ku; sata katolo [ CABICA, Higino: prov.] cuja tradução literal é: A mão tem de ajudar, a malha da rede de pesca nunca é pequena! E esperam que a armadilha sozinha resolva o problema.

Como “espertos” que são esperam, ainda e mais uma vez, que o outro entre pelo mato adentro para fazer o trabalho duro de bater no capim ( kuxikata) para encaminhar os ratos para a armadilha.

Não podem ter outro comportame­nto ou deixariam de ser “espertos”. “Esperto” é quem espera que o outro faça o trabalho duro, é quem se aproveita do

 ??  ??
 ??  ?? Armadilha para ratos, luhinda
Armadilha para ratos, luhinda
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Angola