“ESPERTO” COM “ESPERTO” NÃO CAÇA RATOS
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“Esperto” com “esperto” não caça ratos é um provérbio que tem uma estória simples. Como todas as estórias que dão corpo ao universo utópico que fundamenta a sabedoria implícita no provérbio, também neste caso estamos perante um mundo rural onde a caça se alia à agricultura para completar a dieta alimentar do grupo em causa.
Caçar é um exercício que implica dominar saberes que tornam o caçador alguém que se destaca não porque se gaba mas porque domina uma prática assertiva.
O gabarola com outro gabarola não tem êxito na sua empreitada.
Assim falam os mais velhos.
“ESPERTO” COM “ESPERTO” NÃO CAÇA RATOS
É um provérbio que resulta de um conto que foi por nós recolhido no município da Quilenda.
Como diz Óscar Ribas: “na vida prática só os adultos, em regra as mulheres idosas, [podem ilustrar] os seus juízos com provérbios” (RIBAS, 1979, p. 132) e muitos deles resultam de contos para que são remetidos os ouvintes donde o seu sentido envolve interpretações por vezes bastante lutuantes dando origem a corolários e por isso a recepções diferenciadas. Esta génese dos provérbios em quimbundo, muito produtiva por sinal, é também referida por Mieder no seu trabalho sobre o livro de Cervantes, D. Quixote de La Mancha e da produ-tividade do episódio da justa contra os gigantes metaforizados pelos moinhos de vento (2006; 9).
O presente provérbio resulta da descodi icação cuidadosa de um conto cuja hermenêutica envolve o pressuposto a todo a ocorrência do domínio da Literatura Oral que é a sua função de nível implícito e que no provérbio se revela em toda a sua dimensão pedagógica. A narrativa oral africana, como refere Rosário (1989; 47, 48), deixa-se recepcionar a dois níveis, ao nível explícito que activa a função lúdica e ao nível implícito que activa a função sapiencial.
O conto só é conto porque congraça em sua comunicação com uma interacção que parte do princípio que ela só se realiza porque as partes implicam-se num princípio de cooperação que contém as quatro máximas conversacionais que corporizam a clareza, a precisão, a relevância e a oportunidade. É o reconhecimento deste princípio cooperativo que permite definir a semiosfera onde se descodifica a diegese.
A literatura oral vive da força da palavra. A palavra é o instrumento da acção e da verdade. Sem a palavra nada existe. Para o africano tradicionalista, tributário da cultura oral, o homem compromete-se com a fala, com a pa- lavra, pois dela se gera a acção. Ninguém é mestre de um determinado o ício, que o destaca na comunidade, sem que tenha sido inicia-do nesse particular pois não é o próprio que se atribui a si mesmo as competências desse o ício, só um percurso de aquisição de saberes reconhecido pelos outros sanciona esse conhecimento.
“Podem ser Mestres iniciados ( e iniciadores) de um ramo tradicional especí ico ( iniciações do ferreiro, do tecelão, do caçador, do pescador, etc.) ou possuir o conhecimento total da tradição em todos os seus aspectos.” (BÂ; 2010, 174)
A literatura oral tradicional forjase nesse princípio genético que tem a palavra por força criadora donde o universo convocado é um universo utópico, no sentido positivo ou no sentido negativo.
No presente conto são dois “espertos” e não dois caçadores, que vão à caça dos ratos.
O caçador é um actante que, na semiosfera do universo presenti icado pela Literatura Oral, é o mimetema que transporta consigo a ideia daquele que domina as habilidades necessárias para superar as estratégias de sobrevivência que a caça exercita para superar os seus predadores, isto é, está longe de ser o comum dos mortais.
Dominar as habilidades que o tornam caçador diferenciam-no dos ou- tros parceiros do seu mundo porque essas habilidades só as pode ter recebido por acto iniciatório que normalmente contemplam uma das três vias: ou por espontaneidade, ou por transmissão de alma, ou por inspiração dos guias tutelares.
Por espontaneidade as habilidades aprendem-se por mimetismo convivendo com um caça-dor como seu ajudante. Por transmissão de alma as habilidades vêm por revelação em sonho quando algum seu parente foi também caçador. Por inspiração dos guias tutelares as habilidades são também recebidas em sonho mas neste caso em processo de possessão por transferência da alma de um caçador que faleceu há pouco tempo e que escolhe o destinatário das suas habilidades.
Já os “espertos” são actantes que não possuem essas habilidades mas assumem-se como capacitados. Essa assunção dá-lhes a marca de “espertos” porque se mostram como sabedo-res sem terem aprendido. É esta a primeira marca que se cola ao termo “esperto” e provoca a situação cujo desenlace só pode ser um: atrevem-se (porque a ignorância é atrevida) a ir à caça sem conhecer as habilidades do caçador.
Os “espertos” continuam a ser “espertos” e por isso, armados com a armadilha para caçar ratos, o luhinda, quando chegam ao local próprio para caçar só se podem portar como “espertos” e colocam a armadilha no chão e esperam.
Como “espertos” que são também desconhecem o que dizem os mais velhos: Kwaku mutu- ku; sata katolo [ CABICA, Higino: prov.] cuja tradução literal é: A mão tem de ajudar, a malha da rede de pesca nunca é pequena! E esperam que a armadilha sozinha resolva o problema.
Como “espertos” que são esperam, ainda e mais uma vez, que o outro entre pelo mato adentro para fazer o trabalho duro de bater no capim ( kuxikata) para encaminhar os ratos para a armadilha.
Não podem ter outro comportamento ou deixariam de ser “espertos”. “Esperto” é quem espera que o outro faça o trabalho duro, é quem se aproveita do