“DESCOMPASSO” DE ONOFRE DOS SANTOS
Descompasso”, da autoria de Onofre dos Santos disponibiliza ao público um produto cultural que transmite conhecimento de âmbito histórico, memórias da sua experiência pessoal, e uma exposição discursiva das suas ideias e do enredo de elevada delícia de se ler, incluindo a diossincrasia linguística na expressão do português articulado no nosso quase perfeito qquadrilátero nacional,, queq é Angola.g
Aquarta obra literária intitulada “Descompasso”, da autoria de Onofre dos Santos disponibiliza ao público de expressão portuguesa um produto cultural que transmite conhecimento sobretudo do âmbito histórico, memórias da sua experiência pessoal, memórias da vivência em Angola e em Portugal de outros indivíduos da sua geração e uma exposição discursiva das suas ideias e do enredo de elevada delícia de se ler, incluindo a idiossincrasia linguística na expressão do português articulado no nosso quase perfeito quadrilátero nacional, que é Angola.
O editor do livro avisa-nos que “o romance histórico é ferramenta que permite reescrever de forma sub-reptícia a percepção da verdade”, e também não deixe de assegurar ao leitor que,embora os diálogos hajam sido criação do autor e devam ser considerados pura ficção, contudo, os acontecimentos críticos “foram escrutinados e verificados”.Onofre dos Santos, acrescenta, no que nos parece ser uma citação ( pág. 13), que “aos historiadores, e não aos romancistas, compete contar a História”.
Na nossa humilde opinião, o livro não é apenas uma reescrita de “uma forma subreptícia ( da) percepção da verdade”, mas ele é, em grande parte, uma forma de apresentar a verdade, desprendida dos formalismos da escrita académica, no período bastante conturbado para os colonizadores e colonizados de 1961-62.
Mas também, a ficcionada descrição das histórias do livro nos obriga, no mínimo, a curvarmo-nos perante o autor, em preito desta vez de respeito, pela forma muito agradável como fideliza o leitor à sua leitura e, ao mesmo tempo, incentiva-o ao esforçocívico de aprofundar o conhecimento sobre a fascinante epopeia dos nossos antepassados, pela reconquista do acervo material e imaterial identitário de todos os povos, em termos de dispersão etnolinguística, que habitaram e constituíram o nosso país e dos quais descendem as gerações actuais.
O autor sublinha a obra no âmbito do magistério geral e superior do governador luso em funções nesse período e do seu secretário provincial de educação, saúde, trabalho e segurança social. Interessaram-me muito particularmente essas iniciativas sociais o do es- tabelecimento de escolas das primeiras letras, pelo senhor Amadeu Soares e a tentativa relativa aos estudos universitários, em Agosto de 1962, pelo anteriormente mencionado governador e dos relevantes alvitres que o intrépido Lourenço Mendes da Conceição, uma figura graúda da Liga Nacional Africana, apresentou na altura. Mas, embora nós pessoalmente houvéssemos sido dos beneficiários do projecto do estabelecimento daquelas escolas nas aldeias, permitimo-noslembrar os presentes que já no período de 1506-1541, quando era soberano em Mbanza Kongo, o rei Mbemba a Nzinga ou D. Afonso I, contemporâneo de D. Manuel I, o Venturoso, em Portugal, as escolas das primeiras letras (na linguagem actual, escolas primárias) já estavam difundidas em todo o seu reino e um dos bolseiros nativos em Portugal veio a tornar-se um exímio professor de gramática ( q. d. de letras) nos liceus de Lisboa no século XVII. Salvador Correia de Sá e Benevides e André Vidal de Negreiros, governadores em Luanda, com início de funções em 1648 e 1663 respectivamente, fizeram desmoronar, pela guerra e anexação que lançaram àquela parcela setentrional do nosso país, todo o desenvolvimento social que teria medrado se não houvesse ocorrido a invasão, ocupação e colonização dos nossos domínios.
Um outro episódio que pode haver estado relacionado com esse frenético impulso de promoção do magistério em Angola reside no facto das críticas a que Portugal esteve particularmente mais submetido nos órgãos das Nações Unidas logo no início da década de sessenta do último século, onde muitos povos recém-libertos na altura perfaziam um coro muito desfavorável aos lusos e onde o episódio da humilhante denúncia internacional do presidente da União Soviética, NikitaKrutchew, ocorrido quatro meses antes dos acontecimentos de 1961 em Angola, em Outubro de 1960, que apresentava Portugal como um país miserável e de analfabetos, que em mais de 400 anos não tinham conseguido construir um “único liceu” em Angola, gerou o maior escárnio à reputação lusa naquele areópago internacional.
Por conseguinte, sou obrigado a pensar não em termos de gratidão para com os esforços de difusão do ensino daquelas autoridades coloniais em Angola, pois eles nos parecem haver sido umareacção aos contextos locais e internacionais a que Portugal estava muito desfavoravelmente submetido.
Agradecemos ao autor pela divulgação da participação da Liga Nacional Africana no esforços multifacetados a que fizeram recurso os nossos antepassados para a libertação dos colonizados e dos colonizadores do complexo hegemónico de superioridade civilizacional, com o qual não apenas inibiram mas reprimiram, durante séculos, a plena desenvoltura dos povos nativos que poderia haver concedido à parte da humanidade de que somos membros na acepção de um povo, menos sofrimento, menos violência e maior capacidade contributiva na rica diversidade cultural e material da humanidade no geral.
A maioria dos personagens nativos mencionados no livro, na pág. 17, sob o título “outros personagens” tiveram uma relação imediata ou mediata com o funcionamento da Liga Nacional Africana, cuja herança doutrinária tem vindo a ser seguida pela actual LIGA AFRICANA e alguns deles foram igualmente seus dirigentes.
Figuras graúdas no associativismo instituído antes da nossa Independência sob a forma de Liga Nacional Africana foram cidadãos cujo afinco às questões da Pátria Angolana transcendeu o esforço que dedicaram às questões pessoais e familiares e nos dias hodiernos, constituíram- se, sem que nenhum favor lhes seja feito, em figuras inemuláveis e de citação incontornável nos cânones dos patriotas mais insignes que esta pátria gerou.
Ao mesmo tempo que permitimo-nos apresentar-vos a nossa nanopequenez, quando vos falamos desta mesa na qualidade de Presidente da Direcção Liga Africana, impõe-nos o dever de exaltar a incomensurável superioridade dos que nos antecederam nesta posição, como são os casos de António de Assis Júnior, advogado, escritor, Presidente da Liga Africana em 1930 e degredado sem regresso para Portugal na sequência dos acontecimentos de Lucala e Ndala-Tando e da defesa da sublevação das populações de Catete; Manuel Joaquim Mendes das Neves, o maior artífice da sublevação do 4 de Fevereiro de 1961 e Presidente da Assembleia Geral da Liga Africana na década de cinquenta e desterrado para o Convento de Soutelo, em Braga-Portugal, de onde regressou por organização do nosso Governo e da Liga Africana, décadas depois, sob a forma de restos mumificados, para serem finalmente inumados no Alto das Cruzes; ou João Baptista de Castro Vieira Lopes, médico ginecologista e obstetra, bem como Professor Universitário, de saudosa memória, que integrou desde 1961 o Movimento de Libertação que antecedeu o actual partido governante no nosso país e sem deixar de mencionar a exaltação que o Primeiro Presidente nosso, António Agostinho Neto, também citado no livro, fez no seu poema “Içar da Bandeira” das actividades recreativas da Liga Nacional Africana, que eram um eufemismo lúdico dos esforços de consciencialização da necessidade de nos libertarmos, todos, colonizados e colonizadores, do colonialismo.