Jornal Cultura

KITÔMBWA, UM PISTEIRO ABANDONADO

- SANDRA POULSON|

Um homem digno, trabalhado­r,, pai de família, foi toda a vidavida empenhado num trabalhotr­abalho que rrealizou com esmero e dedicação.dedicação Uma figura alta, serena,ena, bem-bemdispost­a, sorriden-sorridente,te,, mas pensativa. Temem 45 anos de ttrabalho e 61 de idade. É Kitômbwa, um antigo Ranger, guarda-da-florestal, que acumu-lava comom a função de pisteiro do Parquear Nacional da Kissa-Kissama,ma, situado na Província de Luanda. Conduziu, durante anos,, milharesmi­lhar de turistasis­tas nacionais e estrangeir­os.

Apaz das armas estána puberdade. Foi há 15 anos que o trovar dos canhões se calou, permitindo outra forma de viver, mais calma e com esperança de dias melhores e anos mais prósperos. Ao longo destes 15 anos de Paz e Reconcilia­ção Nacional, construímo­s muito em betão e investimos pouco no homem, mas havemos de lá chegar.

A melhor forma que encontramo­s de comemorar o dia 4 de Abril de 2017 foi solidariza­rmo-nos com uma vítima da não Paz social. Um homem digno, trabalhado­r, pai de família, foi toda a vida empenhado num trabalho que realizou com esmero e dedicação.

Uma igura alta, serena, bem-disposta, sorridente, mas pensativa. Ficou doente e imobilizad­oe, à boa maneira angolana foi dispensado pelo empregador sem algum apoio, subsídio, mensalidad­e,reforma, uma qualquer forma que lhe permitisse a si e há sua família subsistir.Tem 45 anos de trabalho e 61 de idade.

É Kitômbwa, um antigo Ranger, guarda- lorestal, que acumulava com a função de pisteiro do Parque Nacional da Kissama, situado na Província de Luanda. Conduziu, durante anos, milhares de turistas nacionais e estrangeir­os. Em conversa disse-nos: - Estou aqui desde 10 de Maio de 1972, ainda isto era do Serviço Veterinári­o de Angola, depois da Independên­cia é que passou para a Fundação Kissama.

- Naquele tempo, antes da Independên­cia, tinha muitos animais, depois os caçadores furtivos foram abatendo os animais e pouco restou. Foi quando a Fundação Kissama mandou vir animais do Botswana e da África do Sul, para se reproduzir­em aqui dentro.

- E como eu já era pisteiro aqui, requisitar­am-me. E trabalhei para a Fundação Kissama.

- Depois veio a empresa Kurika que passou a gerir o Parque e eu iquei a trabalhar para a Kurika.

Recordando o tempo antigo, continua: - Antigament­e, o primeiro acampament­o chamava-se Kawa, era no Bom Jesus.

Povoação a 44 quilómetro­s de Luanda, onde era a Açucareira com o mesmo nome, que se situa a caminho de Catete, terra do nosso Manguxi, primeiro Presidente de Angola, Dr. Agostinho Neto.

- A entrada do Parque Nacional da Kissama era aí no Bom Jesus, e quando decidiram fazer outra entrada na estrada Nacional numero 100, que liga Luanda ao Sul de Angola, a primeira passou a chamar-se Kawa 1, e esta Kawa 2.

- Antes de mim, o primeiro pisteiro daqui foi o Machado, e foi a ele que mandaram fazer um acampament­o, no Kawa 2, para receberem turistas. Que é este aqui. Fala-nos também no meio de transporte usado. - Atravessav­a-se o Rio Kwanza de Jangada, automóveis e pessoas do Kawa 1 até aqui Kawa2.- Da Cabala podemos vir até aqui à Aldeia do Kawa por esta picada.

Indicando-nos a picada, em terra vermelha. - Como vivem aqui com os animais tão perto, sem alguma vedação, não têm medo? - Pergunto eu.

- Não, não temos. Os animais não fazem mal a ninguém, eles não atacam, só se estiver ferido ou for provocado pelo homem.

- Eu aqui sentado, eles chegam mesmo aqui, a dois metros de mim. Vêm cumpriment­ar-me.- Os animais não incomodam o homem. - E os leões? - Pergunto eu. - Aqui já não tem leões. Em 1972, antes da Independên­cia de Angola, tinha muitos.

- Os elefantes estão um pouco afastados daqui, eles arrancam as mandioquei­ras e comem tudo, não deixam nada. Entretanto, chega até nós a dona Antonieta, sua esposa. Mulher alta, de bom porte e bom andar. Tez clara, lábios sorridente­s, mas sempre emocionada. Todo o tempo que falou connosco, os seus olhos lacrimejav­am das amarguras da vida.

- Estou aqui desde 1975 e só juntei com ele nessa altura. Tive a primeira ilha em 1980, tive outra em 1982 e a caçula em 1988.Agora só temos duas ilhas e oito netos.Eu nasci em Casebo, aqui mesmo na Kissama. A água que consumimos é do Rio Kwanza. A motobomba puxa e sai nas torneiras. Aqui não tem escola. Os miúdos, para estudar, têm que ir na família e icar lá em Luanda.

- Aqui tem Hospital (penso que é um posto médico), mas o enfermeiro não ica aqui. Quando você está doente tem de telefonar ao enfermeiro para ele vir, e por vezes ele não vem. Temos que ir sempre a Luanda.

Do acampament­o do Kawa 2 onde estivemos e onde vive Kitômbwa até ao Hospital mais próximo, o antigo Hospital Maria Pia, hoje Josina Machel, são quarenta quilómetro­s de picada dentro do Parque Nacional da Kissama, mais 72 quilómetro­s até à entrada de Luanda. Trajecto que demora horas a percorrer sem trânsito. A acrescenta­r que não há meios de transporte e eles não tem automóvel. - Há um ano, eu estava aqui, e vieram chamar-me. Foi um turista, que veio. Disse-me, o teu marido caiu.

- Caiu como? Ele foi agora no Campo.Quando fui lá, pensei ele já não estava bom. (Ou seja tinha falecido.)Levei-o a Luanda ao Hospital. Usou descartáve­is durante 8 meses. Mas graças a Deus já consegue falar um pouco. Vai melhorar. O meu marido é caçula da mãe dele, ela só tem dois rapazes e uma menina. A mãe está sempre a chorar pelo ilho, ela vive a 30 quilómetro­s daqui, lá na Kissama.

Para os autóctones deste acampament­o, a Kissama é mais perto do rio, a esta zona chamam Aldeia do Kawa.

O caçulaé o ilho ou irmão mais novo. A palavra provem da língua Quimbundo, Kusuluka, que signi ica icar livre, estar despachado.

O ilho mais novo é aquele que mais faz lembrar a maternidad­e, as dores de parto, as noites mal dormidas, os afectos mais intensos, as brincadeir­as mais activas, sozinho ou entre os irmãos. Ele junta as suas traquinice­s às dos irmãos mais velhos, e por cansaço ou por deixa-andar, os progenitor­es desculpam-no mais, pois o seu cordão umbilical foi o último a ser cortado.

Na tradição angolana frisa-se muito o facto de ser mais novo, mesmo que por vezes se diga, é o caçula mas não é o último, ou seja, que o progenitor poderá vir a ter mais ilhos. Os ilhos são a nossa riqueza, e da acumulação da riqueza nunca se fecha a porta.

- Estamos há um ano desde que saímos do hospital com o velho (Kitômbwa). Nunca mais lhe mediram a tensão, para lhe medir a tensão temos que ir longe daqui, a Kalumbo.

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 ??  ?? O pisteiro Kitômbwa
O pisteiro Kitômbwa
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Entrada do Parque Nacional da Kissama

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