AS ESCADAS SUBTERRÂNEAS DA CIDADE DE MBANZA KONGO
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Quando Dona Mpolo, mãe do rei Mbemba a Zinga, descia viva os subterrâneos da morte devido à condenação por desobediência às leis da corte, nunca imaginou que as suas lágrimas de dor e de revolta pelo apagamento brutal da Alma Congolesa, da Tradição Bantu, se transformariam na estrela branca que hoje encima o seu túmulo. De igual modo, nunca imaginou que a Tradição pela qual deu a vida, e que granulou a História da África no grandioso Encontro de Civilizações, receberia reconhecimento mundial no passado dia 8 de Julho, em Cracóvia, Polónia, sob a égide da UNESCO.
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Na verdade, ao inscrever a cidade de Mbanza Kongo como Património Mundial da Humanidade, a UNESCO não apenas tornou a mbanza como herança humana a preservar, mas veio trazer à luz dos nossos dias as memórias da Rainha-Mãe Mpolo, dos dignitários e de todos quantos, em interacção com os outros povos que ali aportaram, uns vindos da Europa, outros marchados de dentro do próprio Continente, ajudaram a falar e fazer uma história que hoje se quer acabar de contar.
E a alegoria da descida às profundezas da terra, protagonizada pela Rainha-Mãe Mpovo, continua a manifestar-se como pressuposto fundamental de um projecto que teve, por isso mesmo – pela vigência perene das lágrimas de Mpovo – o nome de “Mbanza Kongo, Cidade a Desenterrar para Preservar”.
O que hoje nos resta de mais visível da histórica capital do Reino do Kongo, é, ainda, a lendária Kulumbimbi, ou catedral de São Salvador do Congo, símbolo mais alto da instauração da religião católica em Mbanza Kongo, em 1492. Se Kulumbimbi, signi ica “o que restou dos ancestrais”, segundo a Tradição Bakongo essa memória material dos ancestrais repousa sob as lajes do templo católico.
Preservar Mbanza Kongo e torná-la um verdadeiro Património Mundial implica, assim, descer as escadas subterrâneas e ali encontrar-se com o espírito ancestral da Rainha-Mãe Mpovo, para que ela abençoe a continuação da empreitada e inspire as mentes dos investigadores a identi icar outras histórias que a História não fotografou ainda, nem narrou completamente.
De igual modo, o já longo esforço empreendido pelo Governo angolano, a partir de 1988, para valorização do Centro Histórico de Mbanza a Kongo, enquadra-se nessa cláusula espiritual de descida às profundezas da terra e da Alma Antiga.
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Essa Alma Antiga, cujo cordão de luz se formatou no século XIII, com a fundação do Reino do Kongo, vem hoje fundamentar todo o valor histórico-cultural nacional e internacional da cidade, que poderá se tornar um importante pólo turístico. As contribuições da civilização ocidental também se compaginam para que, agora elevada a Património Mundial, Mbanza Kongo se transforme em sede espiritual do Cristianismo na África Sub-Sahariana, no quadro da valorização de toda a herança histórica de uma Nação, narrada na História Geral da África, mas ainda não profusamente divulgada e estudada pela nossa juventude.