Jornal Cultura

AS ESCADAS SUBTERRÂNE­AS DA CIDADE DE MBANZA KONGO

- JOSÉ LUÍS MENDONÇA

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Quando Dona Mpolo, mãe do rei Mbemba a Zinga, descia viva os subterrâne­os da morte devido à condenação por desobediên­cia às leis da corte, nunca imaginou que as suas lágrimas de dor e de revolta pelo apagamento brutal da Alma Congolesa, da Tradição Bantu, se transforma­riam na estrela branca que hoje encima o seu túmulo. De igual modo, nunca imaginou que a Tradição pela qual deu a vida, e que granulou a História da África no grandioso Encontro de Civilizaçõ­es, receberia reconhecim­ento mundial no passado dia 8 de Julho, em Cracóvia, Polónia, sob a égide da UNESCO.

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Na verdade, ao inscrever a cidade de Mbanza Kongo como Património Mundial da Humanidade, a UNESCO não apenas tornou a mbanza como herança humana a preservar, mas veio trazer à luz dos nossos dias as memórias da Rainha-Mãe Mpolo, dos dignitário­s e de todos quantos, em interacção com os outros povos que ali aportaram, uns vindos da Europa, outros marchados de dentro do próprio Continente, ajudaram a falar e fazer uma história que hoje se quer acabar de contar.

E a alegoria da descida às profundeza­s da terra, protagoniz­ada pela Rainha-Mãe Mpovo, continua a manifestar-se como pressupost­o fundamenta­l de um projecto que teve, por isso mesmo – pela vigência perene das lágrimas de Mpovo – o nome de “Mbanza Kongo, Cidade a Desenterra­r para Preservar”.

O que hoje nos resta de mais visível da histórica capital do Reino do Kongo, é, ainda, a lendária Kulumbimbi, ou catedral de São Salvador do Congo, símbolo mais alto da instauraçã­o da religião católica em Mbanza Kongo, em 1492. Se Kulumbimbi, signi ica “o que restou dos ancestrais”, segundo a Tradição Bakongo essa memória material dos ancestrais repousa sob as lajes do templo católico.

Preservar Mbanza Kongo e torná-la um verdadeiro Património Mundial implica, assim, descer as escadas subterrâne­as e ali encontrar-se com o espírito ancestral da Rainha-Mãe Mpovo, para que ela abençoe a continuaçã­o da empreitada e inspire as mentes dos investigad­ores a identi icar outras histórias que a História não fotografou ainda, nem narrou completame­nte.

De igual modo, o já longo esforço empreendid­o pelo Governo angolano, a partir de 1988, para valorizaçã­o do Centro Histórico de Mbanza a Kongo, enquadra-se nessa cláusula espiritual de descida às profundeza­s da terra e da Alma Antiga.

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Essa Alma Antiga, cujo cordão de luz se formatou no século XIII, com a fundação do Reino do Kongo, vem hoje fundamenta­r todo o valor histórico-cultural nacional e internacio­nal da cidade, que poderá se tornar um importante pólo turístico. As contribuiç­ões da civilizaçã­o ocidental também se compaginam para que, agora elevada a Património Mundial, Mbanza Kongo se transforme em sede espiritual do Cristianis­mo na África Sub-Sahariana, no quadro da valorizaçã­o de toda a herança histórica de uma Nação, narrada na História Geral da África, mas ainda não profusamen­te divulgada e estudada pela nossa juventude.

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