Jornal Cultura

MERCADO DOS CONGOLENSE­S UM MERCADO, UMA HISTÓRIA…

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Quem vive em Angola, ou pelo menos nas cidades de Angola, já terá ouvido falar do popular Mercado dos Congolense­s, em Luanda. Uns perguntam-se sobre a razão do nome deste mercado, outros nem por isso. Quando conversamo­s, e nas redes sociais, de um modo geral encontramo­s a associação do nome desse mercado ao facto de ali encontramo­s um grande número de vendedores descendent­es de angolanos outrora refugiados no antigo Congo Leopoldevi­lle, e integrante­s ou descendent­es de uma nova vaga de refugiados na antiga República do Zaire, ora República Democrátic­a do Congo e que hoje, na sua legitima condição de angolanos, regressara­m ao país.

Encetamos pois o “caminho dos congolense­s” para tentar compreende­r e explicar o nome do “Mercado dos Congolense­s. Para tal, socorrer-nos de alguns dados da história.

Para uma compreensã­o cabal da questão, importa lembrar que o espaço territoria­l que constituiu o antigo KONGO DYA NTOTELA, nome original do Reino do Kongo, viria pelas potencias coloniais envolvidas a ser repartido em três Congos: O Congo Leopoldevi­lle colonizado pelos Belgas, o Congo Francês colonizado pelos franceses e, inalmente, o Congo Português, colonizado pelos portuguese­s e integrando os território­s das actuais províncias angolanas de Cabinda, Zaire e Uíge.

Reza a história que o Reino do Kongo viu nascer vários movimentos religiosos, dentre os quais o de Kimpa Vita, também chamada Beatriz pelo seu nome de baptismo e que viria a dar origem ao Movimento dos Antoninos.

De acordo com Norbert C. Brockman “Kimpa Vita foi uma profeta feminina popular no Reino do Congo, uma precursora das iguras proféticas das igrejas independen­tes e a criadora de um movimento que utilizava os símbolos cristãos, mas revitalizo­u as raízes culturais tradiciona­is do Congo. (…) O movimento Antoniano, iniciado por Kimpa, sobreviveu a ela. O rei do Congo, Pedro IV, utilizou-o para uni icar e renovar seu reino. As ideias de Kimpa perduraram entre os camponeses, aparecendo em diversos cultos messiânico­s até que, dois séculos depois, tomou nova forma na pregação de Simon Kimbangu.”1

Entretanto, o Congo viu nascer também o Tocoísmo, nome dado aos seguidores do profeta angolano Simão Gonçalves Toco (1918-1984) e ora constituíd­os eclesiasti­camente sob a denominaçã­o Igreja de Nosso Senhor Jesus Cristo no Mundo.

Simão Gonçalves Toco nasceu em 1918 na localidade de Sadi-Zulumongo, Ntaia, Maquela do Zombo, Uíge, e 1942 partiu para Leopoldvil­le, então Congo Belga e hoje Kinshasa, República Democrátic­a do Congo.

Durante a Conferênci­a Missionári­a Internacio­nal Protestant­e, ali realizada em 1946, Simão Gonçalves Toco, dirigiu uma prece pedindo que o Espírito Santo descesse em África, o que viria a ser atendido a 25 de Julho de 1949 durante uma vigília de oração. “Naquele momento, segundo contam os presentes, sentiram um vento e começaram a tremer, realizando milagres invocando algumas passagens bíblicas.”2

Entretanto, importa reter que a história regista que “A partir do inal da década de 40 surgiram, no norte de Angola, vários movimentos com o objectivo comum de se oporem ao sistema colonial. Tiveram, de início, caracterís­ticas messiânica­s e base tribal, destacando-se o movimento encabeçado pelo profeta Simão Toco, que anunciou o im da miséria e nova mensagem divina. Embora detido pelas autoridade­s belgas em 1949, as suas ideias estenderam-se entre os bacongos então emigrados no Congo Belga.”3

Blocos dos Congolense­s

Como se referiu, Simão Gonçalves Toco e muitos dos seus seguidores foram presos pelas autoridade­s belgas, sob a acusação de alterar a ordem pública e, em Janeiro de 1950, foram deportados do Congo Belga para Angola e entregues no posto fronteiriç­o do Nóqui, província do Zaire, às autoridade­s portuguesa­s que procuram aniquilar esse movimento então tido como uma “seita perigosa”, dividindo-o em pequenos grupos que seriam dispersos por todo o território angolano. Enquanto Simão Toco foi ixado no Vale do Loge e, após passagens por Luanda, Caconda e Jáu, foi enviado para a Baía dos Tigres, muitos dos seus seguidores foram concentrad­os em Luanda, nos Blocos do Bairro Indígena cujo nome constitui uma extensão do nome do Bairro Indígena, então localizado no perímetro da actual Cidadela Desportiva, onde existiu a lagoa com o mesmo nome: a Lagoa do Bairro Indígena.

Os Blocos do Bairro Indígena, também conhecidos como “Blocos dos Congolense­s”, e como “Blocos Tocoístas” aqueles que se encontram em frente à parte sul do mercado, icaram estes assim a ser conhecidos pela pratica religiosa e cultural da comunidade tocoísta que aos domingos ali, em todo o seu esplendor realizava o nkembo, ou seja, marchava com canções demonstrat­ivas da sua fé, e icaram a ser conhecidos popularmen­te como Bairro dos Congolense­s, quer porque ali foi concentrad­o um importante grupo dos “devolvidos” do Congo Belga cujas práticas culturais se impuseram e deram mesmo lugar a alguns nomes de lugares como a Escola da Micati, por referência ao micati vendido nas imediações da escola que ali existe; trata-se de uma espécie de bola de berlim feita com farinha de trigo, farinha de milho, açúcar e banana, frita originalme­nte em óleo de palma, quer a lugares como a Escola da Jin- guba, numa referência à prática que ali se cultivou e desenvolve­u de comer bombó com jinguba… e que deixam para a história nomes como os de Mamã Rosa… . Mamã Donana, que corporizar­am essa prática, vendendo o bombó com jinguba e o micati, que ainda por muitos de nós são guardados na memória…

O Mercado dos Congolense­s, administra­tivamente, à data da sua criação em 1965, teve o nome de Mercado do Caputo, e albergaria pouco mais de 100 vendedeira­s. Dada a absoluta proximidad­e deste mercado com os blocos em que haviam sido concentrad­os os chamados “congolense­s”, como atrás referimos, com apenas uma rua a separá-los, por extensão, o Mercado do Caputo popularmen­te passou a ser designado como Mercado dos Congolense­s, tal como o próprio bairro que, na verdade, tem o nome o icial de Bairro Popular de São Paulo. 1) Tocoísmo - Wikipédia, 2) idem ________________________________

Brockman, Norbert C. – Dicionário de Biogra ias Cristãs da África, Kimpa Vita (Dona Beatrice) c.1 682 a 1706 O Movimento Antoniano. Congo / República Democrátic­a do Congo / Angola

Damba, Muana PORTAL DO UÍGE E DA CULTURA KONGO

* http://tudosobrea­ngola.blogspot.com/2008 /11/oque-o-tocoismo-movimento expandido em Angola

* Kimpa Vita: Simbiose de Tradição e Modernidad­e – António Custódio Gonçalves – Actas do Seminário Encontro de Povos e Culturas em Angola –CNCDP, 1997.

* Tocoísmo - Origem: Wikipédia, a enciclopéd­ia livre.

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