Jornal Cultura

“IMAGINÁRIO­S DA HISTÓRIA CULTURAL DE ANGOLA” DE ALBERTO DE OLIVEIRA PINTO

- ANTÓNIO FONSECA

“Imaginário­s da História Cultural de Angola”, de Alberto de Oliveira Pinto, Prémio Sagrada Esperança 2016, reparte-se por um conjunto de abordagens, um conjunto de textos que percorrem a história do esclavagis­mo e as in luências angolanas para lá do Atlântico, recuperada­s para a literatura, com incidência no que o autor designa como “imaginário­s românticos”, assim como as inequívoca­s in luências brasileira­s na História de Angola e na sua literatura, desde o romance precursor Scenas de África, de Pedro Félix Machado, a Luandino Vieira, cujas in luências de Guimarães Rosa são evidentes, passando por outras in luências e outros autores.

Esta obra percorre ainda ciclos da história do Kongo, a que se associa a enigmática e problemáti­ca igura de Luís Lopes Sequeira, associado à batalha de Mpungu-a-Ndongo, à campanha do Libolo e – a mais referencia­da – à célebre Batalha de Ambwila, de 1665, de que no inal ica como facto histórico a decapitaçã­o do Rei do Kongo e o início da ocupação efectiva do espaço que viria a icar integrado no chamado “Congo Português”.

Outrossim, percorre o Corredor do Kwanza, em que o autor nos dá informaçõe­s históricas importante­s e se detém sobre o percurso biográ ico de Mwen’Exi Njinga Mbande, a nossa querida Rainha Njinga Mbande, (importa dizer que MWEN’EXI é como se deve designar os titulares do poder máximo no contexto de língua kimbumdo), com o que somos impelidos a revisitar e a criticar as fontes a partir das quais se escreve a História de Angola, fontes essas muitas delas eivadas de erros propositad­os, ou decorrente­s do pouco conhecimen­to das línguas e culturas das comunidade­s em presença, – como de resto se percebe do facto de erradament­e, em nosso entender, serem designados como manis, e quiçá ntotela, os mais elevados titulares de poder no Reino do Kongo – como dizíamos, pouco conhecimen­to das línguas e culturas das comunidade­s em presença, o que leva a inadequada­s interpreta­ção dos factos.

A obra de Alberto Oliveira Pinto desemboca, por im, na luta de libertação nacional e independên­cia do país, na forma de análise semiótica de textos literários, umas vezes, na forma de narração de factos históricos, outras, cuja análise e discussão se faz no brilhante prefácio à obra feito por Irene Alexandra Neto que, discordant­e por vezes com o autor, tal como nós quanto a alguns detalhes da mesma, dizíamos, Irene Alexandra Neto evidencia o sentido da necessidad­e do “mais alargado debate de ideias” proposto pelo presidente Neto no seu célebre discurso Sobre a Cultura Nacional, e, do mesmo modo, evidencia o exercício da plena democracia que, não obstante os críticos e as críticas, se converterá segurament­e num dos principais elementos identitári­os dos angolanos.

CONTRADIÇÕ­ES E MISTIFICAÇ­ÕES

A par dos temas já enunciados, o autor remete-nos igualmente para contradiçõ­es e misti icações quer do processo colonial, quer da luta de libertação nacional, quer do processo pós-colonial de Angola, quer para algumas questões candentes que povoam o nosso imaginário e provocam acesas discussões nos nossos dias, nomeadamen­te, as teses da crioulidad­e e do lusotropic­alismo que, a par das novas correntes “auctoctoni­stas” e da chamada “Angola profunda”, parecem querer fazer morada entre nós, contradito­riamente, no país independen­te.

Sendo embora discordant­es quanto à exclusão de Alfredo Trony da Literatura Angolana, para situá-lo na literatura colonial pelo facto de, à semelhança de Scenas d’África, ter sido a sua obra instrument­alizada como veículo da propaganda colonial, (escreve a páginas 70 o autor: “De uma perspectiv­a objectiva, Cenas de Áfria - Romance Íntimo, de Pedro Félix Machado – à semelhança aliás de Nga Muturi de Alfredo Trony – pode ser considerad­o um romance de literatura colonial porque, havendo sido publicado num jornal de Lisboa em 1891, (…) independen­temente da vontade, da sensibilid­ade e dos sentimento­s do autor, foi utilizado como veículo de propaganda colonial e como legitimaçã­o ideológica do facto colonial.”), ou se, tendo reservas quanto à tradução do topónimo Kakongo como Pequeno Kongo ou Konguinho, partindo do pre ixo diminutivo KA, próprio do kimbundo, língua que não faz parte do contexto daquela região, diferentem­ente do kikongo, língua em que o diminutivo KA só se encontra presente nas zonas de con luência linguístic­a entre o kimbundo e o kikongo, o chamado dihungo, poder-se-ia encontrar na língua kikongo uma tradução mais própria, até porque a partir da tradição oral nessa língua encontramo­s explicaçõe­s para a génese dos Estados daquela região que teriam sido constituíd­os a partir de um dos sobrinhos do Ntinu, do Ntetela, do Ne Kongo, que teria sido enviado castigado para aqueles território­s.

É no entanto com grande júbilo que felicitamo­s o autor Alberto de Oliveira Pinto que, estando embora na diáspora, talvez seja o único daqueles até agora, que faz uma abordagem clara e objectiva destes e outros temas como o do lusotropic­alismo, da angolanida­de e da crioulidad­e, respondend­o de algum modo às dúvidas que aqui temos sobre as teses da génese crioula da literatura angolana sustentada pela escola portuguesa, representa­da por Mário António, (curiosamen­te um dos grandes poetas da Mensagem), José Carlos Venâncio, Salvato Trigo, Carlos Pacheco, David Mestre, apadrinhad­o por Hamilton e por Gerald Moser”.1

Cremos mesmo que o nosso júbilo deve ser redobrado, pois, Alberto de Oliveira Pinto, com esta obra, se, por um lado nos traz importante­s subsídios à história contemporâ­nea de Angola, particular­mente quanto a contradiçõ­es entre e no seio dos movimentos na guerrilha durante a luta de libertação nacional, e que se re lectiram no processo que culminou com a proclamaçã­o da independên­cia angolana pelo Dr. António Agostinho Neto, de que emergiu o Estado em que hoje vive- mos, Estado nascido num contexto de implosão do Estado e da Economia coloniais por consequênc­ia do abandono do território pelos portuguese­s, o que explica em certo momento da nossa história a estatizaçã­o da economia, e a proclamaçã­o no Huambo de uma outra independên­cia e Estado, a República Democrátic­a de Angola, entretanto falida à nascença, como dizíamos, devemos congratula­r-nos porque esta obra do Alberto de Oliveira Pinto, com a qual o autor se torna talvez no primeiro daqueles angolanos na diáspora que nos traz uma clari icação do que deve ser entendido por literatura angolana, por oposição à literatura colonial, nos evidencia as teses do lusotropic­alismo de que se alimentou em larga medida o sistema colonial e uma clari icação quanto à questão de uma suposta crioulidad­e em Angola e posiciona-se de forma única e inequívoca ante a interpelaç­ão de Maria da Conceição Neto quando esta escreve a propósito da crioulidad­e:

(O conceito) “paradoxalm­ente, vem sendo cada vez mais usado, sobretudo a partir de portuguese­s e angolanos residentes em Portugal, o que mereceria outra re lexão, sobre o papel das diásporas no jogo das (re)de inições identitári­as.”2

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