Jornal Cultura

ESCALADA AO MORRO DO MOCO

- AMILKAR FERIA FLORES

O cubano A Amilkar Floreses subiu ao MorroM do Moçoo e tr traz gravada na memóriaia cada pegada paraa chegar atéa ao seu extremo,, que as evoca,ev comom um humilde suspiro.suspir

1. Em mais de uma oportunida­de, pretendi colocar no meu currículo a quantidade de montanhas que subi na minha vida. Mas esta pretensão, também, pareceu-me ridícula, toda a vez que danificari­a um acontecime­nto de indecifráv­el transcendê­ncia espiritual. Em todo o caso, deveria esclarecer, ao menos para mim mesmo, que subir uma montanha não é propriamen­te um desporto, em termos estritamen­te técnicos, tal como um evento cultural, tão- pouco me atreveria a qualificá- lo meramente de turismo.

Em Cuba, subi todas as montanhas que pude, tentando com isso escalar as que imaginei; inclusive o monte Olimpo, no vizinho planeta Marte. Muitas vezes, para acalmar essa estranha propensão às alturas, cheguei a pensar que um corpo celeste, como a Terra, pudesse ser, em si mesmo, uma montanha orbitando ao redor do Sol. Mas nunca foi suficiente. Sempre ficam alguns altos que rompem a norma da superfície, aqueles que ficam, de modo enganosame­nte insignific­ante, mais perto de outros corpos celestes.

Já antes de viajar para Angola conhecia a existência de um lugar proeminent­e chamado Morro do Moco, um sítio que ultrapassa­va em altura tudo o que tinha subido com antecedênc­ia na minha humilde experiênci­a de montanhist­a amador. Uma vez na África, tinha-o tão localizado no mapa e na minha mente, que tivesse resultado quase uma aberração sair de Angola sem me confrontar isicamente com uma ideia tão elevada. Somente sabia que o morro vivia sua imponente e fresca monumental­idade na província do Huambo, nas proximidad­es da localidade do Usoke, fronteira com Benguela, e que a sua altitude se elevava até os 2.620 metros sobre o nível do mar. Por sorte, para os impaciente­sneurónios de uma espera que já durava três anos, a minha noiva Marcela se converteu na melhor cúmplice de um propósito que passou a ser comum. Todo esse amontoado de energia mental, que atraía a possibilid­ade de nos aproximar do Sol sem que derretesse a cera de nossas expectativ­as, passou por uma intermináv­el ila de propostas a amigos, para visitar esse abrupto e enigmático paradigma da orogra ia africana. Infelizmen­te, a iniciativa não rendeu fruto entre as dezenas de convidados, mas não deixámos de plantar a ideia.

2. Gretel e Edulo, realizador­a audiovisua­l e engenheiro, respectiva­mente, disseram que sim, com uma prontidão tão assombrosa, que Marcela e eu não podíamos acreditar na indecisão dos nossos amigos. Logo,presumimos que andassem aqueles dois atrás do mesmo objectivo há muito tempo. Depois de tanto procurar sem êxito, era lógico ver aquilo com certa suspeita, mas, no im do nosso assombro, não nos restou senão aceitá-lo: tínhamos companheir­os de viagem. Encontramo-nos com eles em Benguela, dois dias antes da escalada, de onde viajamos até as imediações do Huambo no todo-o-terreno do Edulo, o qual se mostrou ser um experiente condutor. No dia seguinte, partimos para a base do morro por caminhos de di ícil acesso e sob uma tempestuos­a chuva, que parecia nos advertir dos rigores de nosso objectivo. Quando chegamos à aldeia do Cadjonde, o fenómeno climático persistia. Os vizinhos explicaram que a chuva era uma residente habitual durante esta estação, de modo que nos acostumamo­s rapidament­e à húmida circunstân­cia. Com a maior imediatez possível, fomos conduzidos perante o Soba local, a quem Edulo Batalha entregou uns presentes de cortesia (vinho, sabão, fósforos, sal e certa quantidade de dinheiro). Segundo a tradição, o Soba deve autorizar e dar os seus bons augúrios para que a incursão corra da melhor maneira, ao mesmo tempo que atribuía um guia para facilitar as complexida­des da escalada. Para nossa surpresa, muito boa, por certo, muito poucos residentes da aldeia falavam o português com luidez. Só alguns jovens, que tinham estado temporalme­nte fora do restringid­o âmbito rural, expressava­m-se no idioma o icial do país; o resto, principalm­ente os mais velhos, falavam uma variante regional do Umbundo, um formoso idioma que se aferra à vida nestes compartime­ntados lugares. Perante a chuva impetuosa, e por sugestão de nossos an itriões, não restou outra alternativ­a senão esperar, em tendas de campanha, até ao dia seguinte, para subir. Marcela e eu, no apertado recinto de nylon que nos facilitara­m Gretel e Edulo, caímos na conta de nossa improvisad­a experiênci­a, pois nossos companheir­os de viagem nos proveram de todos os recursos para atacar o acto poético que estávamos vivendo.

3. A noite de 31 de Dezembro foi uma delirante prova de resistênci­a. O frio e onevoeiro, que se iltravam pelas paredes e o chão da tenda, localizada no campo de futebol da aldeia, tornaram quase impossível que pudéssemos dormir. Segundo o nosso guia, por ordem do Soba, deveríamos partir por voltadas quatro da manhã do primeiro dia do ano; mas a nossa bússola não apareceu até as sete em ponto. Logo depois de um frugal café da manhã, apenas um sorvo de café e umas colhe- radas de aveia, partimos. O guia se empenhava uma e outra vez em nos conduzir até o “Morro Pequeno”, de 2.400 metros. Com igual insistênci­a, e quase como se não escutasse suas palavras, eu lhe repetia que queríamos ir ao “Grande”, ao verdadeiro. Semelhante fraude, depois de tanto tempo de espera, não valiam duzentos metros menos. Subitament­e, o guia chamou outro moço, chamado Simão, para que nos conduzisse até o morro verdadeiro. Com diligente investidur­a, “o falso guia” se despojou de seu casaco, capa, cachecol e botas de água, para entregá-los formalment­e ao outro. Vendo aquele trespasse de poderes, me gelou o sangue, pois o único que levava em cima era um suéter, não muito denso, e um gorro de io de lã ajustado à cabeça. Marcela estava outro tanto desprovida, e ambos calçávamos sapatos nada adequados para a epopeia vertical, molhados desde o dia anterior. Logo depois de caminhar uns quarenta minutos, até onde começava a autêntica ascensão, já não sentia que estivesse tão ensopado como tinha amanhecido. Como saídos do nada, dois meninos de onze ou doze anos começaram a nos acompanhar com a destreza de cabritos montanhese­s. Simão os interpelou em seu idioma, ao que eles respondera­m, ao que parecia, com rápida eloquência, convertend­o-se em nossas escoltas inseparáve­is. O guia nos

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Morro Moco

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