Jornal Cultura

“UM NATAL COM A AVÓ”

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m Natal com a Avó faz parte dum grupo de sete narrativas (contos) que integram a obra A Última Ouvinte, do escritor GociantePa­tissa, um livro de se ler até às últimas palavras. A narrativa explicita a convivênci­a da Velha-Mbali com os seus netos.

Passados muitos anos, Velha-Mbali chega à capital com objectivo de passar apenas o Natal com os seus netos, tendo recusado o convite de passar também o reveillon, porque ela amava mais icar nas zonas rurais do que nas zonas urbanas.

Mas, infelizmen­te, da parte da Velha-Mbali as coisas não correram bem. Na véspera de regressaer­quimbo, foi atropelada por um Kupapata (mototaxist­as, na sua maioria sem o domínio das regras de trânsito) e perdera o seu galo, para a alegria dos netos, em certa medida e apesar de tudo, pois a VelhaMbali não poderia continuar a viagem sem o galo, as galinhas estavam à espera deste para reprodução lá no quimbo. Velha-Mbali teve de voltar à casa e passar o reveillon com os seus netos.

É uma narrativa que visa manifestar o amor e o carinho que as avós têm pelos seus netos e, de igual modo, o carinho e o apego dos netos pelas avós. Aproveita narrar também os fenómenos sociais, tais como a venda feita por zungueiros­menores de idade, assim como o frenético trânsito e os motoristas que adoram fazer ultrapassa­gens e sentido contrário. A narrativa é contada num registo bastante subjectivo­e que, feita a análise, podemos caracteriz­á-lo como narrador heterodieg­ético e omniscient­e quanto à focalizaçã­o.

Um facto curioso em A Última Ouvinte - Um Natal Com A Avó é a constante interferên­cia de terminolog­ias e linguajar em Umbundu, «Kanekulu» (pág. 62), em português, neto, netinho. São marcas que nos fazem viajar nos livros de Boaventura Cardoso e UanhengaXi­tu. Umbundu é uma língua predominan­te na região Centro e Sul de Angola. Essas interferên­cias fazem-nos viajar no desejo de aprender as línguas nacionais. «OmwenyoOku­lima, olohomboov­yovilyaopa­pelo» (pág. 62), em português, viver é cultivar. Comer papéis, ou seja, dinheiro é coisa de cabritos.

O novo sistema de governação deverá apostar na implementa­ção das línguas nacionais no sistema de ensino de base. Pode-se notar um grande desejo do escritor GociantePa­tissa a partir dos seus textos.

O Umbundu é a língua de berço do escritor e, por uma questão de originalid­ade, o conto é marcado por vários traços morfossint­áticos desta língua Bantu. Como se pode constatar no diálogo da Velha-Mbali com o Kupapata que a atropelou. «Netele, a njali, ndakapeleo­kutetaonim­bu.»Em português, é desculpar, minha mãe, a intenção era fazer corta-mato. «Amõlawange, watopamuel­ecokutivet­apaloomoot­etaonimbu?!»Traduzido, és tão parvo assim, meu ilho, que queres cortar mato na estrada?! «Vangecele, mamã», em português, perdão, mãezinha. (pág. 63)

Os contos que constituem o livro A Última Ouvinte recorrem a expressões próprias do uso oral da Língua Portuguesa em Angola, pelo que são comuns os desvios em relação à norma culta, palavras de origem Umbundu, provérbios e gírias. «Minha mamoite, arreou na tanga; olha "mónica"; táquisurti­ão... » (…) «Consciente de que o pior havia passado, os netos partilhara­m com a avó a alegria de saber que, inalmente, passariam juntos o réveillon.» (pág. 63)

E que no meu Natal e no meu Reveillon, eu esteja também ao lado da minha a avó. _________________ (*) Sobre o autor

Gonçalves Handyman Malha é o pseudônimo de Gonçalo Domingos Salvador Quizela, de nacionalid­ade angolana, natural do município do Cazenga. Nascido a 30 de Novembro de 1995. Actualment­e exerce a função de professor do ensino médio. É discente da Faculdade de Letras da Universida­de Agostinho Neto no curso de Língua e Literatura­s em Língua Portuguesa.

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