Jornal Cultura

CONTO DE KAKALUNGA O SOPRO DO VENTO

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1.- O silvo do vento, companheir­o de quem amansa o corpo acamado na esteira do quintal, vem de mansinho para animar quem o quer a seu lado. 2.- E é por entre as aduelas que cercam a moradia que ele, sem pedir licença, entra e dá a conhecer a quem o espera o motivo da sua longa jornada. 3.- Rodopiando o lugar à beira da esteira, o vento em remoinho anuncia a sua presença, levando quem o espera a sentir a sua confortáve­l companhia. 4.- E por entre conjectura­s, a mudez do diálogo ganha forma em suposições de conformida­de com a espiral de poeira que levanta, sendo boa-nova quando não demora em lugar que não é o seu. 5.- E o silvado - agarrado a uma haste que ergue aos céus, como quem suplica, os troncos ressequido­s pelo calor – sente no dorso esquentado a frieza do vento santo que, soprando em modo brando, ameniza a vida a quem dela nada mais espera. 6.- Benevolent­e – e lendo a mensagem que o chama - é sem adornos que parte para lugar incerto, seguindo em frente; saltando barreiras; entrando onde só ele o pode fazer, afugentand­o o calor que enferma o lugar em que se acoita. 7.- Desanimado à hora em que o corpo acamado quer descansar é ele, o vento, que, em suave carinho, conforta quem sente que, agora sim, é hora de dormir. 8.- Quando o sopro escasseia é chamado a aparecer à frente da gente sob o vai-vem do leque agarrado na mão, tornando amena a caminhada de quem ao sol ardente retira água do corpo que ele contém puxando, da algibeira, o lenço branco que a enxuga. 9.- Porém afugenta e acoita quem o sente chegar impelido pela fúria do mar revolto, com o silvar medondo que arranca, do casario do musseque, o tecto que o improviso gerou; o tronco plantado ao longo da avenida que se verga submisso à sua funesta passagem. 10.- Adoro – dizia um poeta apaixonado pela natureza - ver o sopro que alenta o corpo caído no chão; que o levanta e o põe a caminho do labor que o cansa; que ergue a esperança envolta em pranto e limpa, com a força do som que emite, o canto do olho onde vaza a última lágrima, aquela que adorna o rosto na imagem que um pintor, dos mais atentos, resgata para a tela vazia que, aí sim, se enche da alma carente que alinda a parede palaciana de gente nobre que o venera. 11.- O vento, levando a poeira a lugar remoto, enferma quem o respira sob a maldição de quem longe o quer sitiar! 12.- E no combinado entre o bene ício e a maldição, o vento vai e vem, ora adulado quando oferece o calor da sua brandura; ora amaldiçoad­o quando alimenta, com o seu vigor, a acha acesa que inferniza o sertão.

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