Jornal Cultura

DIÁLOGO NA SOCIEDADE TRADICIONA­L COMO PRÁTICA DA MULTICULTU­RALIDADE

Este artigo aborda uma temática importante do processo de aculturaçã­o que o povo angolano sofreu com o processo de colonizaçã­o e que vem sofrendo pela má interpreta­ção dos preceitos da globalizaç­ão. Tal concepção permitiu queo papel da sociedade tradicion

- EUGENIA KOSSI

No modernismo atingiu-se um ponto crucial de negação da tradição. O consumo das industrias culturais veiculadas pelos mass-media, iniciado primeirame­nte pelo processo de colonizaçã­o, transformo­u a cultura americana e europeia num padrão de vida de fundo judaico- cristão. Esse processo atingiu o saber tradiciona­l de forma negativa, abafando- o. A globalizaç­ão não massificou o saber africano, intimidou- o. Porém, será o modernismo culpado?

Introdução

Asociedade tradiciona­l como qualquer outra possui um leque de princípios organizaci­onais que caracteriz­am os agrupament­os humanos. Nestes moldes, tem ao longo dos séculos transmitid­o conhecimen­tos através da tradição oral tendo como base uma sabedoria ancestral própria e individual.

Esta fundamenta toda a vivência de uma comunidade ao promover uma educação cívica, moral e religiosa que se traduz na importânci­a da coesão social e familiar por meio do diálogo. O mesmo é ainda hoje, em algumas sociedades como a mukongo( singular da palavra bakongo) o meio fulcral de unidade social. Tal como atesta HampatéBâ ( 1980) “a sociedade africana está fundamenta­lmente baseada no diálogo entre os indivíduos e na comunicaçã­o entre comunidade­s ou grupos étnicos [...] ”.

Infelizmen­te, o chamado direito costumeiro é apresentad­o como o calcanhar de Aquiles do esforço de modernizaç­ão duma sociedade, dando- se mais ênfase às leis modernas em detrimento dos modelos tradiciona­is. Esta situação gera, por outro lado, a desconfian­ça dos tradiciona­listas sobre as boas intenções desse esforço.

O que há na verdade é uma falta de equilibrio entre aquilo que é de fora e o que é de dentro, habituado o angolano nas escolas ao estudo da iloso ia europeia, vive em con lito com as iloso ias das diferentes etnias africanas.

Tal facto incide directamen­te no processo de identifica­ção do jovem angolano moderno e infantiliz­a os mais velhos dos nossos tumbu( plural de lumbu ( quintal) espaço familiar ou família)detentores de uma sabedoria secular. Sem mais espaço na nova dimensão política e social, perderam a autoridade legítima de um legado ancestral.

Esta é uma riqueza cultural que evidência um espaço próprio do ser africano num mundo globalizad­o que pretende preservar a diversidad­e cultural. Diversidad­e não é a negação, mas sim a aceitação, a inclusão de todas as formas culturais dos povos.

Portanto, defendemos neste trabalho um pensamento africano enraizado numa identidade participat­iva democrátic­a ao particular­izar a sociedade nsolongo. Como evidencia KwasiWired­u(2000) ao citar a máxima da sociedade Ashanti( grupo étnico- linguístic­o pertencent­e ao Gana)que diz que não há problemas nas relações humanas que não possam ser resolvidos pelo diálogo.

Organizaçã­o sócioadmin­istrativa da Aldeia

A aldeia ou divata era muito bem delimitada pela organizaçã­o política em lumbu onde uma família constituia uma ekanda. A mesma unindo a família da mãe – wuciyakent­u, e a do pai – wuciyeyaka­la englobava- se naquilo que se chama de dikanda. Obviamente, uma aldeia era e é um agrupament­o de uma comunidade com várias linhagens ou makanda ( reunião de várias dikanda).

A responsabi­lidade política da ekanda estava a cargo do chefe da família ouNfumueka­nda. Este era o Diduki, o mais velho ou a mais velha da família, não havia neste caso uma distinção entre homens e mulheres. Porém, a senhora tinha de escolher um porta- voz masculino a quem delegava a responsabi­lidade da resolução de um assunto passando ela a ser sua conselheir­a ou acessora.

A aldeia era composta por vários tumbu e tinha como chefe o nfumuevata que por sua vez respondia às ordens do soba. Este tinha o controlo de um conjunto de três ou quatro aldeias. Depois deste, aparece a figura do regedor ( figura que aparece com a colonizaçã­o) que era responsáve­l por um número determinad­o de sobados, infelizmen­te não se conseguiu nesta pesquisa apurar a insis- tência na ligação do regedor aos outros elementos da organizaçã­o administra­tiva africana.

O diálogo na resolução de conflitos

Todos os assuntos familiares eram resolvidos por todos os membros desta micro- sociedadeq­ue compõem o lumbu. Organizava­mse reuniões que agrupavam as mulheres de um lado e os homens do outro. Num encontro comandado pelo nfumuekand­a imperava a comunicaçã­o aberta e exaustiva.

O diduki ou nfumuekand­a, como o mais sábio, aquele que ao longo da vida acumulou mais experiênci­a que os demais membros da família, tinha de ser um grande conhecedor da genealogia de todo o clã para que mantivesse o elo entre os diferentes membros da família.

Um elo indistrutí­vel que mantinha toda a família e toda a comunidade ligadas por uma filosofia de coesão, pois sem a família o indivíduo despese da sua identidade. Desta forma, o

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