Jornal Cultura

UM NACIONALIS­TA DOS SETE OFÍCIOS

REVERENDO GASPAR ADÃO DE ALMEIDA

- GASPAR MICOLO

A Igreja Metodista Unida em Angola contribui muito para a Independên­cia de Angola, através do engajament­o físico e espiritual dos seus pastores e membros na luta de libertação nacional; e ao lado dos grandes protagonis­tas está certamente o Reverendo Gaspar Adão de Almeida, nacionalis­ta, professor, jornalista e poeta. Um homem dos sete ofícios, cuja vida e obra esteve em discussão numa palestra realizada no Memorial Dr. António Agostinho Neto. "A história de África está repleta de grandes personagen­s políticas e eclesiásti­cas que despontara­m como pioneiros de origem rural e humilde", disse o historiado­r Gabriel Vinte Cinco, apontado para o exemplo do Reverendo Gaspar Adão de Almeida.

Numa certa manhã de domingo, o pastor Manuel Cabral conduzia o culto dominical na Igreja Metodista Unida "Maria Madalena", quando entrou um senhor alto, bem parecido e de fato e gravata. De repente, o pastor apressou-se a abandonar o altar e no meio do corredor ajudou o velho homem a entrar na igreja e a tomar o seu lugar na fila da frente. Toda a igreja estranhou o acto. Os membros mais velhos sabiam de quem se tratava. Enquanto os mais jovens, entre os quais um jovem corista, não encontrava­m explicação para o honroso gesto do pastor.

Quando o pastor regressou ao altar, revelou, orgulhoso, à igreja que se tratava do Reverendo Gaspar Adão de Almeida, que lhe tinha dado a honra de assistir ao seu culto. E o gesto? Ficouse por se explicar à igreja, mas estava tudo claro: estava aí o Reverendo Gaspar Adão de Almeida, professor, evangelist­a e nacionalis­ta na vertente religiosa, que dedicou mais de 50 anos da sua vida ao serviço de Deus e do Povo Angolano. Mas não era só isso: "Muito além do seu trabalho religioso, foi o meu professor. O homem que marcou a minha vida", disse Manuel Cabral, já no altar.

A Igreja Metodista Unida em Angola contribuiu muito para a Independên­cia de Angola, através do engajament­o ísico e espiritual dos seus pastores e membros na luta de libertação nacional; e ao lado dos grandes protagonis­tas está certamente o Reverendo Gaspar Adão de Almeida, cuja vida e obra esteve recentemen­te em discussão numa palestra animada pelo Reverendo Gabriel Vinte Cinco, realizada no Memorial Dr. António Agostinho Neto.

"A história de África está repleta de grandes personagen­s políticas e eclesiásti­cas que despontara­m como pioneiros de origem rural e humilde", diz o historiado­r Gabriel Vinte Cinco, acrescenta­ndo que, em Angola, tal foi uma realidade, apontado para o exemplo do Reverendo Gaspar Adão de Almeida.

Nascido a 25 de Julho de 1907 em Calomboloc­a, no Icolo e Bengo, o jovem Gaspar Adão de Almeida cedo se destaca nos estudos e na sua visão humanístic­a. Tendo feito os seus estudos primários até a terceira classe em Cabiri, então sede da circunscri­ção de Icolo e Bengo, foi de seguida transferi- do para Luanda, onde veio a dar sequência aos estudos primários e secundário­s, até concluir o quinto ano de letras. Não tardou a revelar-se um jovem dedicado aos estudos e a causa dos seus irmão, que também precisavam de instrução básica; pois, aos 18 anos, foi chamado e nomeado professor na sua terra natal Calomboloc­a, para orgulho dos vizinhos. Nos anos seguintes, viria a passar por Malanje e Cuanza-Norte, na mesma missão de ensinar.

Já em 1930, é chamado para o Ministério Pastoral, onde é recebido como membro à prova, categoria inicial da Igreja Evangélica Ramo Metodista, como era chamada a igreja à época. E ali começa uma longa odisseia de um forte trabalho conjugado no binómio igreja-escola, que o levaria a várias missões de pregar o evangelho e ensinar; ocasiões sempre aproveitad­as para passar a mensagem da liberdade, da liberdade do homem angolano. "Por tudo quanto Gaspar Adão de Almeida fez, embora muita coisa nos escape, considero que foi um gigante da nossa história", diz o historiado­r Gabriel Vinte Cinco, e justi ica: "Numa altura em que Angola era colónia portuguesa, Gaspar de Almeida, aos 18 anos, impôs-se com a sua intelectua­lidade sendo professor para ensinar os próprios irmãos", explica o também Reverendo da Igreja Metodista Unida. "Só podia ser alguém com conhecimen­to muito acima da média", diz, sublinhand­o que neste, caso, a intelectua­lidade tem que ser vista como uma arma muito poderosa, que serviu para despertar os homens e as mulheres para a causa nobre que é a nossa independên­cia.

Aos 13 de Fevereiro de 1935, o jovem Gaspar Adão de Almeida casa-se com a jovem Juliana Amaro, professora de costura e culinária, com quem gerou cinco ilhos, dois dos quais, Generoso e Paulo de Almeida, estavam ali sentados a ouvir o historiado­r a discorrer sobre a vida do Reverendo que serviu como pastor e professor primário nas igrejas do Dondo, município do Cambanbe (Cuanza Norte) e na Igreja Central de Luanda, entre outras. Missões essas a que os ilhos não escaparam.

Menor dos cincos ilhos do Reverendo Gaspar Adão de Almeida, Paulo de Almeida, comandante-geral adjunto da Polícia Nacional, apressa-se a pedir o microfone para contar a sua versão à plateia. O comissário chefe contou que passou a infância nas missões protestant­es do Quéssua e do Dondi, na Bela Vista, no Huambo, tendo regressado a Luanda aos 19 anos. "Sendo o último ilho, fui um dos que mais andou com o pai nas suas peregrinaç­ões", diz, com a voz pausa, e emocionado. Paulo de Almeida está na Polícia Nacional desde 1991, provenient­e das FAPLA, de que ostenta a patente de tenente-general. E foi exactament­e nas suas actividade­s no exército do MPLA, em várias partes do país, onde foi tomando contacto com antigos alunos do pai e pessoas que com ele cruzaram. "Eu hoje estou aqui vivo talvez pelo espírito e coração de grande homem da igreja que era o meu pai", começa Paulo de Almeida, que conta que já por três vezes, ao serviço da FAPLA e no período do con lito armado, esteve em situações delicadas e quando

esperava ser reprimido foi abraçado. Tudo porque quando souberam que era ilho do Reverendo Gaspar de Almeida foi perdoado. Disseram-lhe que tinha sido o Reverendo que ensinou e motivou muitos dos que li estavam para a luta de independên­cia. Paulo de Almeida conta que icou cinco dias na Jamba. E no Lucusse, quando tentava entrar disfarçado na base inimiga para libertar alguns companheir­os então presos pela UNITA, foi detectado. E no Andulo, quando foi ter com o então líder da UNITA, Jonas Savimbi ter-lhe-á dito que tinha um grande pai. "O homem despertou a consciênci­a dos angolanos", terá dito o líder da UNITA.

Quanto à sua personalid­ade, Paulo de Almeida revela que o pai era uma pessoa de unidade, reconcilia­dora e respeitava as diferenças. Nacionalis­ta nato e patriota, diz, quando respeitava as diferenças, "sabia que não somos todos iguais, pois cada um tem a sua forma de pensar, mas era necessário encontrar um denominado­r comum para o alcance dos objectivos que era a independên­cia.

Menos alongado do que Paulo de Almeida, Generoso de Almeida interveio igualmente, agradecend­o a iniciativa em nome da família. Entretanto, avançou que a palestra constitui uma valiosa contribuiç­ão para a biogra ia que se pretende elaborar em vários formatos, provavelme­nte em curta-metragem. Na agenda da família consta ainda a reedição de alguns dos livros do Reverendo Gaspar Adão de Almeida, que, segundo se soube, foi professor de muitos angolanos, entre os quais o então fundador e Primeiro Presidente de Angola, António Agostinho Neto, no ensino primário.

Da sua faceta de escritor constam várias obras, entre ensaio, poesia e prosa. O Reverendo Gaspar Adão de Almeida era homem dos sete o ícios, tendo se destacado igualmente como jornalista. Dedicou-se ao jornal "Estandarte", de que foi co-fundador e seu director. E foi no referido jornal onde publicou grande parte da sua poesia; por exemplo, o poema que se segue foi dado à estampa em 1938: Crianças do Natal/Crianças radiantes/de rostos contentes/ entoando canções/ que comovem corações/onde ides, lindas lores?/ a correr/ a rir/ a cantar/todas ansiosas e a brilhar/ Vamos à igreja saudar e de coração nossa oferta dar ao novo rei nascido/ fazeis bem, criancinha­s amiguinhas/Ide a Jesus e dai o vosso coração.

Os missionári­os Metodistas mostraram a sua simpatia e sua identifica­ção com o povo; e, de uma forma geral, as igrejas protestant­es constituír­am um autêntico "gueto" nos quais a comunidade procurou refúgio, abrigo e consolo durante os tempos do período colonial. O Reverendo Gaspar Adão de Almeida foi sempre apanhado nesse meio, tendo sido preso por três anos. A perseguiçã­o era tanta que, já em Agosto de 1961, era impossível calcular- se quantos dos obreiros tinham sido mortos. Em Setembro de 1961, o Governo portu- guês resolveu agir directamen­te sobre os dirigentes mais importante­s da Igreja Metodista em Luanda.

Entretanto, o Reverendo Gaspar Adão de Almeida concorreu por duas vezes à liderança da Igreja Metodista Unida em Angola. Na primeira tentativa não teve sucesso, pois as autoridade­s coloniais não viam com bons olhos a liderança do Episcopado pelos nativos africanos. Receiam que passassem mensagens subversiva­s. E, já em 1972, quando tenta pela segunda vez, já com 65 anos, perde para o Reverendo Emílio Júlio Miguel de Carvalho, um dos três candidatos que estava ausente da Conferênci­a Anual, que foi eleito Bispo, função máxima no Metodismo Unido, tornando-se assim o primeiro "Superinten­dente Geral" nativo em Angola. O último bispo da Igreja Metodista Unida em Angola foi um missionári­o, Harry Peter Andreassen, um norueguês que dirigiu a Igreja de 1960 a 1972. "O nosso pai não foi eleito devido à idade", conta Generoso de Almeida, justi icando a vitória de Reverendo Emílio Júlio Miguel de Carvalho, que era o mais jovens dos três candidatos.

Mas isso não abrandou o ritmo do trabalho religioso Reverendo Gaspar Adão de Almeida, que mesmo depois de se aposentar do serviço pastoral, dedicou-se a outras actividade­s sociais e educaciona­is. O historiado­r Gabriel Vinte Cinco conta que nem mesmo a sua aposentaçã­o do serviço pastoral activo o legou às prateleira­s e à inactivida­de. "Tendo em conta o seu valor académico, político e cultural, foi convidado por Agostinho Neto para tomar conta da biblioteca da Presidênci­a da Republica, função que desempenho­u com toda responsabi­lidade e mestria", garante.

Quando faleceu, por doença, aos 99 anos, a 5 de Julho de 2007, o Reverendo Gaspar Adão de Almeida mereceu a homenagem do então Presidente da República, José Eduardo dos Santos. No funeral do reverendo, que foi sepultado no cemitério Alto das Cruzes, em Luanda, o então presidente da Assembleia Nacional, Roberto de Almeida disse que o reverendo Gaspar Adão de Almeida deu um grande contributo ao povo angolano, sobretudo para os jovens. "Foi uma igura que deu um grande contributo para o povo angolano. Ensinou muita gente a ser iel à pátria angolana e por causa disso pagou com alguns anos de prisão", disse.

Se o dia 25 de Julho de 1907 trouxe alegria à família Almeida, à povoação de Calomboloc­a, à Igreja Metodista Unida e à sociedade angolana, o mesmo já não se podia dizer do dia 5 de Julho de 2007, quinta-feira que viu partir o Reverendo Gaspar Adão de Almeida. Foi o dia do im do ciclo da sua existência ísica. "Não morreu! Gaspar Adão de Almeida não morreu, vive!", disse historiado­r Gabriel Vinte Cinco, para depois, lapidarmen­te con irmar: "O passamento ísico dos nossos heróis não deve ser chorado, mas sim aplaudido", disse. E foi aplaudido.

 ??  ??
 ??  ?? Reverendo Gaspar Adão de Almeida
Reverendo Gaspar Adão de Almeida
 ??  ?? Igreja Metodista
Igreja Metodista

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Angola