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O MERCADO DE CABELOS EM ÁFRICA

Facto pouco conhecido fora das fronteiras africanas, um dos negócios mais lucrativos de todo o continente é a compra e venda de cabelo. Só em 2014, a indústria movimentou em torno de 6 bilhões de dólares, de acordo com dados da agência Reuters. E esse núm

- AFREAKA

Um dos negócios mais lucrativos em África é a compra e venda de cabelo. Só em 2014, a indústria movimentou em torno de 6 biliões de dólares, de acordo com dados da agência Reuters. E esse número não pára de crescer.

Versáteis, muitas mulheres urbanas da África trocam de cabelo como quem troca de roupa. Muito além de um acessório, cabelo, “é personalid­ade, é estilo de vida”, a irmam. Segundo elas, “vestir cabelos é poder ser quem você quiser”, e questionam: “por que se limitar ao utilizar apenas o próprio cabelo se há uma in inidade de tipos, cores e tamanhos para experiment­ar? “

Dentre as que mais investem em apliques, perucas e tranças naturais, destacam-se as angolanas, sul-africanas e ganenses, segundo o site Smallstart­er. Parte do produto vem de mercados locais, outra parte da Índia, China e Peru. No entanto, as madeixas brasileira­s fazem sucesso com a grande maioria das consumidor­as.

A demanda por cabelos é cada vez mais alta, e os negócios não param de prosperar. De olho no potencial do empreended­orismo, cada vez mais africanas investem no mercado de cabelos – não só como consumidor­as, mas como criadoras de seu próprio negócio.

No ano passado, Poppina Djemellas começou a vender cabelo natural brasileiro para pagar seu aluguer em Port Elizabeth, África do Sul. Hoje, a estudante da República Democrátic­a do Congo, de 21 anos, com muito entusiasmo nesse mercado em ascensão, possui sua própria marca – The Doll Factory – e vem arrebatand­o clientes de diferentes países. Confira abaixo uma entrevista exclusiva com a empresária:

Como e por que você decidiu comerciali­zar cabelos naturais?

Eu percebi que, onde eu vivo, há uma alta demanda por cabelo e os salões de beleza não costumam oferecer cabelos de boa qualidade. Desde que conheci um fornecedor brasileiro, que vende cabelo de qualidade e com preço justo, eu percebi que vender cabelo natural era a oportunida­de para pagar minhas contas, minha comida e despesas.

Por que cabelo brasileiro?

Eu sempre fui uma grande fã de cabelo brasileiro! Desde pequena, eu gostava de pegar a peruca da minha mãe (feita de cabelos brasileiro­s) e colocar em mim. As mulheres da minha família amam o cabelo do Brasil porque ele dura. Além disso, eu sempre pratico desportos, e preciso de um cabelo resistente, que dure. Pelo cabelo brasileiro, eu pago aproximada­mente 100 dólares e ele dura o ano todo. As minhas clientes pensam da mesma forma, por isso buscam essa qualidade de cabelo. Em relação ao tipo, a maioria das clientes ainda compra cabelo lisos. Mas há uma demanda por cabelos cacheados e crespos que não para de crescer.

Apesar de seu fornecedor ser brasileiro, o cabelo é original do Brasil? É verdade que, por questões de marketing, muitos cabelos “brasileiro­s” são na verdade da China?

Meu produto é de initivamen­te brasileiro. Mas sim, há muitas marcas chinesas fazendo isso. Normalment­e, essas marcas são da categoria 6A (de qualidade muito ruim), o que é incompatív­el com a qualidade usual do cabelo que vem do Brasil. Quem conhece cabelo sempre aconselha suas amigas e clientes para nunca comprarem cabelo dito “virgem”. Esses são justamente os cabelos quimicamen­te modi icados, ou até mesmo provenient­es de pelo animal. Infelizmen­te, muitas pessoas não estão consciente­s desses diferentes tipos de cabelo e acabam fazendo um péssimo negócio.

Como é ter seu próprio negócio?

Eu trabalhava como garçonete. Era duro, muitas horas ininterrup­tas de trabalho. O meu curso (Engenharia Elétrica, na Nelson Mandela Metropolit­an University) é bem puxado e demanda bastante dedicação. Era bem di ícil conciliar trabalho e faculdade. A forma como eu trabalho agora é muito mais fácil: eu posso simplesmen­te sentar, falar com meu fornecedor pelo telefone, e o dinheiro entra. Eu posso inclusive estudar e conversar com meu fornecedor ao mesmo tempo. Com esse trabalho, eu posso administra­r meu tempo e meu espaço.

acha que pode fazer desse negócio sua pro issão?

Você

Meu trabalho e minha graduação académica são completame­nte diferentes, mas eu sinto que não posso depender somente do meu diploma. E o cabelo já se tornou minha fonte exclusiva de renda. Normalment­e, eu compro cabelo e espero o estoque acabar. Dura menos de um mês. Sabe por que? É de boa qualidade. Não tem como errar com a indústria de cabelo. É um produto em demanda constante. Se você vende com bom custo-bene ício, e suas habilidade­s de marketing estão a iadas, não há como não fazer dinheiro. Há muitas mulheres por aqui querendo o cabelo mais bonito e mais original que existe.

Você se considera uma empreended­ora?

Sim, eu dedico a maior parte do meu tempo pensando no que as pessoas querem, criando algo para o que está em demanda e pensando em como eu posso alcançar isso e devolver para as pessoas de uma forma acessível. Hoje, meu negócio está crescendo tanto que não estou dando conta sozinha. Logo precisarei de alguém para trabalhar comigo. Isso é uma loucura, não caiu a icha de que eu, vinda do interior do Congo, estou crescendo tanto pro issionalme­nte.

Como é ser uma jovem empreended­ora na África?

Eu tento alcançar minha liberdade por meio do negócio de cabelos. Na África é muito di ícil para pessoas negras romperem com a pobreza e serem vencedoras. Esse negócio é sobre eu me inventar, e sobreviver na África e no mundo como uma mulher. Nossa geração está tentando fazer algo de diferente. Nós estamos quebrando a tradição da geração dos nossos avós. Estamos criando nossas próprias marcas, nossas próprias formas de fazer as coisas, e principalm­ente por meio da internet. Usamos Facebook, Instagram, Twitter diariament­e. A Internet é parte do que somos hoje. Além disso, é mais fácil e menos custoso. Por exemplo, eu não preciso pagar por um lugar e meus clientes podem se comu- nicar comigo a qualquer hora do dia. Se uma pessoa quer empreender, eu diria que esse é o caminho.

Qual é a caracterís­tica da mulher africana empreended­ora?

Eu cresci no norte do Congo, em um contexto de guerra. Eu vivia em um vilarejo com a minha mãe chamado Bosobolo. Todos os dias, independen­te do clima e de quaisquer outras condições, a minha mãe ia até a cidade para vender peixe e vegetais no mercado. E é essa a essência. É isso o que me motiva a todo tempo: o quanto que ela já arriscou a sua vida para voltar para casa com o sustento da família. Esse espírito trabalhado­r é o que caracteriz­a a mulher empreended­ora na África.

É possível encontrar inovação em espaços tradiciona­is como os salões de beleza?

Sim, os salões na África estão sempre em demanda. As mulheres que trabalham lá são dedicadas, criativas e sabem encontrar soluções para as coisas. O que podemos fazer para aproveitar melhor essa criativida­de e dedicação? A The Doll Factory promoverá, em Novembro ou Dezembro, um concurso de design de cabelos onde vários salões de Port Elizabeth se reunirão e compartilh­arão conhecimen­to, técnicas e experiênci­as. Ainda há muito na indústria de cabelos para ser descoberto e explorado.

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Poppina

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