REQUIEM PARA AUGUSTO FERREIRA
Logo na primeira semana do mês de Fevereiro, fomos brutalmente confrontados com o prematuro desaparecimento físico de um dos grandes pilares da plasticidade angolana, o mestre Augusto Ferreira de Andrade. Desde muito jovem, Augusto Ferreira desenvolveu as suas habilidades artísticas. As suas obras pictóricas denunciam, em grande medida, a “presença” perene do grande mestre Neves e Sousa, cuja composição, sobretudo geométrica, resvala para a corrente cubista, escola e tendência aliadas às inovações dinâmicas de autores como Pablo Picasso.
O país cultural e artístico voltou a mergulhar em luto, numa altura em que a classe não estava ainda devidamente recomposta, depois do desaparecimento ísico precoce de dois grandes vultos do nosso mosaico cultural: tratam-se por um lado, do Historiador e intelectual Simão Souinduila (que deixou as suas impressões digitais indelevelmente marcadas no projecto “A Rota dos Escravos”) e, por outro lado, o cantor de palmo cheio, o emblemático Zé do Pau (que dentre tantas outras canções, deixou-nos como maior deleite a música “Página rasgada do Livro da minha Vida” cuja entoação melódica, dedicada ao falecimento da sua mãe, não é indiferente à sensibilidade auditiva de qualquer mortal).
Logo na primeira semana do mês de Fevereiro, fomos brutalmente confrontados com o prematuro desaparecimento ísico de um dos grandes pilares da plasticidade angolana, o mestre Augusto Ferreira de Andrade, vitimado por maleitas que o vinham apoquentando ao longo de algum tempo a esta parte. Augusto Ferreira, ou simplesmente “Gugu” como era carinhosamente tratado em círculos mais restritos, nasceu em Xá Muteba, em 1946, o que signi ica um ano após o im da II Guerra Mundial. Desde muito jovem, Augusto Ferreira desenvolveu as suas habilidades artísticas. Mesmo sendo autodidacta, teve forte influência dos grandes mestres da sua época: as suas obras pictóricas denunciam, em grande medida, a “presença” perene do grande mestre Neves e Sousa, cuja composição, não diria temática, mas sobretudo geométrica, resvala para a corrente cubista que, na altura, era a que mais dominava enquanto escola e tendência aliadas às inovações dinâmicas de autores como Pablo Picasso, por exemplo.
Ao longo da sua vida, muito particularmente ligada ao mundo artístico, Augusto Ferreira teve uma carreira bastante pro ícua e promissora, sobretudo em inais dos anos 60 e início da década dos anos 70 do século passado, em cujo período, obras da sua lavra artística chegaram ao patamar de espa- ços e galerias de arte de grande prestígio tanto em Angola como no resto do mundo. No período pós-independência, Augusto Ferreira não cruzou os braços, e na continuidade da sua produção artística, participa activamente em exposições colectivas de arte, ao lado de outros monstros das artes plásticas angolanas como VITEIX, Ndunduma, Tomás Dombele, Henrique Abranches, Tomás Vista, Rui de Matos, Matondo Afonso, António Ole, Luzolano João de Deus, Vaz de Carvalho, Eleutério Sanches, entre tantos outros que fazem a arte com mestria e dignidade que se impõe. Dessa tão rica trajectória na área da plasticidade, valeram-lhe variados prémios de reconhecimento pela produção, promoção e divulgação das artes plásticas angolanas no país e no estrangeiro. Dessa cruzada de divulgação, em meados do ano 2000, o mestre Augusto Ferreira, o pintor Álvaro Macieira e o pintor alemão Horst Poppe ( já falecido) criam o projecto “Conexão” cujo objectivo principal consistia em juntar as distintas tendências artísticas (angolana e alemã) e, dessa fusão, dá-la a conhecer não só em Angola e na Alemanha, mas também um pouco por todo o mundo. O projecto foi extremamente interessante e amplamente divulgado e teve um impacto bastante positivo na dinâmica interactiva e cultural que une os dois povos por via das artes. Pessoalmente, tive o grato privilégio de acompanhar o referido projecto, tendo inclusive feito curadoria de uma das suas mais memoráveis exposições que teve lugar no Salão de Internacional de Exposições de Arte “SIEXPO” (do qual fui responsável entre 2002 e 2005) no Museu Nacional de História Natural, aqui em Luanda.
De resto, devo confessar que conheci o mestre Augusto Ferreira em 1980, altura em que me tornei membro efectivo da União Nacional dos Artistas Plásticos ( UNAP) onde, sete anos depois, eu viria a receber o galardão do Prémio Nacional de Gravura UNAP/87, referente a um concurso que a Associação artística havia lançado ao nível do país, e em cujo corpo de jurado então constituído, igurava, entre outros, o pintor Augusto Ferreira. Depois de anunciado o vencedor, lembro-me, o mestre Augusto Ferreira felicitou-me com um forte abraço, e me havia dado forças e incentivo na prossecução da arte da gravura artística, algo que efectivamente assumi até aos dias de hoje. Todas essas recordações, justi icam, em certa medida, o testemunho vivo que tivemos desse consagrado pintor que, para além das artes plásticas, também fazia incursões na área das artes grá icas, tendo sido responsável pela execução técnica e grá ica de uma boa parte de selos editados pelos Correios de Angola, bem como criou um sem número de logomarcas para distintas instituições nacionais.
De igual modo, são também inúmeras as exposições individuais de artes plásticas por si realizadas, e incontáveis ainda as exposições colectivas em que participou dentro e fora do país. Está representado em diversos museus e galerias de arte a nível nacional e do mundo, e também em instituições e colecções particulares de grandes coleccionadores de obras de arte. Por tudo quanto fez por este país em termos artísticos, em 2003, a sociedade, representada pelo Estado, rendeu-se à sua longa caminhada artística que já levava, na altura, 40 anos de percurso, ao atribuir-lhe o prestigiado Prémio Nacional de Cultura e Artes (PNCA) que meritoriamente lhe coube, e que o País atribui aos maiores e melhores fazedores de arte ao nível nacional. Foi, obviamente, motivo de muito orgulho e satisfação que se viveu na altura, pois o mestre Augusto Ferreira já há muito bem o merecia. Discordamos plenamente que o reconhecimento de certos artistas muita das vezes seja feito apenas a título póstumo, existindo possibilidades de se reconhecer os criadores artísticos em vida. Felizmente, não foi este o caso do mestre Augusto Ferreira, não obstante nos últimos tempos ter optado por levar uma vida menos publicamente exposta, entregando-se à Palavra do Senhor, mas, nem por isso terá abandonado os pincéis na prateleira. Antes pelo con- trário, mesmo já isicamente debilitado, tinha telas preparadas para a realização de uma grande exposição individual com expressões temáticas distintas das que antes nos habituou a ver (tendência para a pintura sacra), mas sempre iel à paleta que sempre utilizou com predominância cromática direccionada sobretudo para os verdes, pois ele amava a vegetação, o meio ambiente, en im, a Natureza.
O mestre Augusto Ferreira deixounos. Partiu para a Eternidade, mas deixa um valioso legado artístico que deve, necessariamente ser cuidado, preservado e quiçá, divulgado. Na hora da partida para o Campo Santo, que teve lugar no dia 7 do mês corrente no Cemitério do Camama em Luanda, houve um banho de multidão para lhe prestar a última e derradeira homenagem. Nota negativa foi a ausência notória, no funeral, de um representante o icial da Direcção do Ministério da Cultura, sobretudo pelo facto do malogrado ter sido distinguido com o Prémio Nacional da Cultura e Artes (PNCA) pelo grande contributo que dedicou ao desenvolvimento cultural e artístico do nosso país! No entanto, a família augura que possa haver, no futuro, apoio institucional no sentido de se poder preservar a acervo artístico deixado pelo malogrado.