ASSIMILADOS VERSUS BANTU
Quando queremosqueremos ler o nosso dia-a- dia é inevitáinevitável que queiramosamos queir saber quais são as nossas origensorigens.igens. Este conflito do nosso foroo íntimoín é remetido,, ciosamente,ciosamen para os bastidoreses da História. Para um palcoo cuidadosamencuidadosamente reser-reservadovadoado a iniciados e suficientesuficien mentementee isolado parpara que o “mundo realeal oficialoficial” não possa ser contaminado. contaminado taminado.
A QUESTÃO
Quando queremos ler (compreender) o nosso dia-a-dia é inevitável que queiramos saber quais são as nossas origens. Este con lito do nosso foro íntimo é remetido, ciosamente, para os bastidores da História. Para um palco cuidadosamente reservado a iniciados e su icientemente isolado para que o “mundo real o icial” não possa ser contaminado. Um espaço que semantize um limbo estranho à realidade e distante do que importa à vida das pessoas, onde se discuta, assepticamente,a nossa matriz cultural.Temos muito orgulho em sermos ilhos de África porque é “o berço da humanidade”. Num texto publicado neste jornal no nº 154 trazemos uma fala de Ki-Zerbo, em várias ocasiões citada, que nos diz que “a menos que optássemos pela inconsciência ou alienação, não poderíamos viver sem memória ou com a memória do outro”.Somos qualquer coisa, lá isso somos porque das suas origens ninguém pode ser, mesmo que queira, separado,mas o que somos é assumido silenciosamente, envergonhadamente.
O PATRIMÓNIO MATERIAL
Num texto, ainda no prelo, respigamos duas passagens que colocam à apreciação o património construído. No texto 1 tropeçamos num monumento funerário próprio das culturas megalíticas registadas por Redinha na sua carta cultural editada em Etnias e Culturas de Angola. No texto 2 encontramos, no coração da Quilenda, ou melhor no extremo Sudeste do seu território, ruínas duma construção que terá sido um estaleiro que baseou as primeiras edi icações que iriam dar origem à Gabela.
Texto 1:
“Esse chefe que a tradição conhece como Kimburi ou Kinguri, ( Ngana Mburi) estacionou no alto do morro do Capilo, olhou atrás, olhou em frente, olhou à direita, olhou à esquerda e disse:
– “O muno mopilu piluylamo uphela wami”. “Aqui se vira e vai-se virar o meu sobado. Aqui.”
Nesse mesmo sítio existe um monu- mental túmulo megalítico circular, dividido em quatro sectores circulares, que ainda há relativamente pouco tempo era alvo de peregrinações e devoções mas que hoje se encontra abandonado e completamente imergido pela floresta circundante. Perto, mas na base do morro do Capilo está um outro grande túmulo que segundo a tradição se destinou a Kandondu, irmão de Ngana Mburi.”A Quilenda. Textos da Escrita e da Oralidade; Convergências, p. 20
Texto 2:
“No território da Kasuswa, na Kipeta, pode ver-se ruínas de um antigo entreposto de contratados assimilado à fundação do povoado da Gabela.
– Na Kipeta chegou um branco que pedia ao soba ilhos para a renda. O soba a princípio foi mandando jovens da Banza recrutados nos bairros pois a renda era um tributo que se pagava em trabalho. As mães começaram a queixar-se porque nem todos regressavam e então o soba, pressionado pelas mamãs, para por im a esse tributo, em vez de ilhos enviou uma seta em sinal de protesto. Este sinal de resistência levou a que houvesse um confronto vigoroso em Wangulungu que fez com que fosse abandonado esse entreposto, que era mais como uma prisão onde pernoitavam os homens da renda.”A Quilenda. Textos da Escrita e da Oralidade; Convergências, p. 19
O texto 1 fala-nos, pela boca de Ngana Ngwangwa, de uma construçãodo séc. XVII,de um património construído que nos remete para a recuperação da memória bantu.
O texto 2, guiados pelo mesmo Ngana Ngwangwa, leva-nos às ruínas de uma construção do início do séc XX que nos recupera a memória de um tempo em que o protagonismo já não é banto mas da penetração portuguesa no interland do Amboim.
O PATRIMÓNIO IMATERIAL
A igura 1 é uma fotogra ia de 1958 retirada de Redinha, Etnias e Culturas de Angola, e repre-senta um soba da região dos Dembos com o seu gorro distintivo de chefe e de manufactura ritual local.
A figura 2 é uma fotografia actual e representa um soba da região da Quilenda.
A igura 3 representa um soba cokwe e é uma fotogra ia de 1945 retirada de Redinha, Etnias e Culturas de Angola. Como símbolos do seu poder reconhece-se o seu manto ou mukambo. Ao ombro tem o machadinho de para- da, mundambala e à cinta o cindalu ou bainha pregueada para facas, de acordo com a sua hierarquia.
Ngana Ngwangwa, um soba de uma das Banzas da Quilenda, ouvido por nós, discorre assim sobre a legitimação do Poder Tradicional:
– Anualmente os sobas reunidos nas suas jimbanza fazem uma peregrinação ao malombe (museu).
O termo malombe nomeia o sítio sagrado onde repousam os artefactos totémicos que susten- tam a coesão clânica da população afecta à mbanza. A esse local chama- se em português museu. Propus a retroversão para mausoléu mas foi- me explicado que o local não tem nada a ver com o repouso dos restos mortais dos sobas falecidos pelo que esse nome criaria ambiguidades que ensombrariam o seu significado.
A peregrinação anual ao museu começa com o envio de um recado (mukanda), a partir da Mbanza, a convocar todos os sobas e makota (mais velhos conselheiros) para o dia aprazado.
Todos os convocados devem apresentar- se em jejum. As vitualhas para a confecção dos ali- mentos são reservadas antecipadamente na Mbanza onde um dos auxiliares do Soba ( Oleyi) se encarrega de ver respeitado todo o procedimento exigido para tal fim.
Esse auxiliar do soba chama-se Oleyi. Tem de ser homem e de linhagem própria. É ele que recebe a comida da cozinha para servir o Soba que é o an itrião da cerimónia. É também o Oleyi que dirige a lavagem dos utensílios usados na distribuição da refeição e ele próprio lava o prato do Soba que é feito de ibra de palmeira (como os cestos, as quindas).
– É verdade, tem o próprio que prepara a comida e lava o prato do Soba, «Oleyi mutata opeka udya kwa soba. O owo wangwana o maluvu, o mapya, o mathu owo sukula malonga (pratos de ibra de palmeira)» – explicou Ngwangwa.
Então, no dia aprazado, os sobas e os seus conselheiros dirigem-se para o Museu, em jejum e assim se mantêm enquanto lá estiverem. É feita a chamada a todos os sobas que um a um vão respondendo confirmando a sua presença no acto. Cada soba é chamado não pelo seu nome civil mas pelo nome do ancestral que deu origem à linhagem.