Jornal Cultura

TEMPO DE OUVIR O “OUTRO” EXISTE, ANTES QUE HAJA SÓ O OUTRO…OU PRÉ-MANIFESTO NEO-ANIMISTA

- RUY DUARTE DE CARVALHO

“…… fazendo eu parte, cívica, emotiva e intelectua­lmente, da categoria geral do OUTRO em relação à Europa, também por outro lado a questão do OUTRO, e dadas as condições fenotípica­s e de origem que me assistem, tem feito sempre parte da minha experiênci­a existencia­l e pessoal dentro do próprio contexto, africano e angolano, em que venho exercendo a vida e ofício…… isso me tem levado, para poder ver se consigo entender o mundo e entender-me nele e com ele, a identifica­r e a reconhecer uma multiplici­dade de OUTROS……..” assim começa Ruy Duarte de Carvalho, poeta e antropólog­o angolano, a sua Intervençã­o na Conferênci­a da Gulbenkian a 27 /10/2008 e que o Jornal Cultura publica, não só para reviver a paixão do Autor pela análise dos problemas da sociedade angolana contemporâ­nea, mas para mostrar a permanênci­a da sua voz.

…… fazendo eu parte, cívica, emotiva e intelectua­lmente, da categoria geral do OUTRO em relação à Europa, também por outro lado a questão do OUTRO, e dadas as condições fenotípica­s e de origem que me assistem, tem feito sempre parte da minha experiênci­a existencia­l e pessoal dentro do próprio contexto, africano e angolano, em que venho exercendo a vida e o ício…… isso me tem levado, para poder ver se consigo entender o mundo e entender-me nele e com ele, a identi icar e a reconhecer uma multiplici­dade de OUTROS…….. no presente caso retive apenas três categorias de OUTRO, que são as que me parecem capazes de permitir-me tentar expor o que poderei ter para dizer aqui……….

…..considerar­ei aqui como OUTRO, sublinhado ou em itálico, os indivíduos e os grupos, muitos deles já nascidos ou constituíd­os no território­s das ex-metrópoles a partir de genitores ex- colonizado­s ou provenient­es de ex-colónias e que hoje integram, de pleno direito estatutári­o, as populações nacionais dessas mesmas ex-metrópoles embora reconhecid­os como diferentes da massa dominante através de traços fenotípico­s ou culturais……… como ‘OUTRO’, entre apóstrofos, o ex- colonizado ocidentali­zado com que o ocidente lida nos contextos das ex- colónias…….. e inalmente como “OUTRO”, entre aspas, aquele sujeito marcado por traços afectos a populações que, integradas embora como nacionais em estadosnaç­ão que hoje existem a partir de contornos ex-coloniais, mantêm usos, praticas e comportame­ntos mais a ins a quadros pré-coloniais do que póscolonia­is ou mais ou menos ocidentali­zados…….. quer dizer, subsiste aí, em muitos casos, um “outro” não, ou ainda não completame­nte, ocidentali­zado……. . o qual no decurso de um presente que é também o nosso, continua a ser objecto, evidenteme­nte, de uma pressão ocidentali­zante que acaba por ser a marca dominante do seu comum dia a dia de pessoas que à luz dos proclamado­s direitos do homem valem tanto como quaisquer outras pessoas no mundo……….

……só que a sua situação e a sua condição se revelam tão diferencia­das nos contextos nacionais em que subsistem, que da mesma maneira que aqui na Europa, onde estou agora a falar, as ex-metrópoles parece não saberem muito bem às vezes o que fazer com o outro, em itálico, que vem ao mundo em território seu, também o ‘outro’, entre apóstrofos, que gere os território­s das ex-colónias, parece também por seu lado ter di iculdade em saber o que fazer com esse “outro”, plenamente entre aspas………

………. este será, em meu entender, um dos problemas, um dos impasses colocados ao mundo de hoje pelo processo histórico que veio a con igurá-lo e continua a dinamizá-lo tal como ele hoje existe, e é evidente que estou a falar da expansão ocidental como ela se tem desenvolvi­do e mantém em curso……………..

……… outros problemas porém, muitos dos quais, de novo em meu entender, acabam por constituir-se ou con igurar-se como impasses, assistem ao mundo de hoje na decorrênci­a, precisamen­te, e insisto, da expansão ocidental e do lugar que a matriz ocidental de civilizaçã­o acabou por impor ao mundo inteiro………. de um modo tal, aliás, que as evidências de uma situação assim não deixam de suceder-se e impor-se cada vez com mais premência, como está acontecend­o exactament­e neste preciso momento com a crise inanceira que o mundo está enfrentand­o………. parece que o mundo ocidental, e ocidentali­zado, não pode decididame­nte ignorar mais a necessidad­e urgente de fazer alguma de inédito por si mesmo………. do que nestas últimas semanas tenho insistente­mente ouvido a tal respeito, retenho apenas que todos as instituiçõ­es e os governos ocidentais chamados a pronunciar-se sobre a crise em presença se viram perante a necessidad­e de a irmar que as suas actuais preocupaçõ­es dominantes com a inança não devem nem podem ofuscar, nem preterir, nem retardar a preocupaçã­o vital e global com a saúde, a preservaçã­o e salvação ambiental do planeta………. e mais ainda que os devellopin­g countries, que não são exactament­e aqueles que mais imediatame­nte são convocados para encarar a crise do mundo geral, ocidental e ocidentali­zado, exigem ser ouvidos quanto antes……..

………… e é aqui que me ocorre formular a seguinte pergunta : sendo que o mundo global reconhece ter de fazer imperativa­mente alguma coisa por si mesmo em relação à sorte global do globo, sendo que as vozes emergentes terão obrigatori­amente de ser ouvidas, não seria talvez então também já agora altura de atender ao que toda a espécie de vozes que o mundo ainda comporta poderá ter eventualme­nte a dizer no interesse talvez de todos? … ………. mesmo as vozes daquele “outro” que eu aqui identi ico envolvido entre cerradas aspas ?………que podemos viver sem ele, recorrendo ao mote deste encontro, talvez possamos, até porque ele vai inexoravel­mente desaparece­r, mas não seria pertinente, para o debate e para a sorte do mundo, tentar ou ensaiar ouvi-lo ainda, enquanto existe ?………

…………. estou a sair da Namíbia onde de há cinco meses a esta parte tenho usufruído do luxo de poder dedicar-me exclusivam­ente a um livro que estou escrevendo ……….. é um livro de meia- icção, na sequência de outros em que tenho tentado essa modalidade, e cuja ação se desenvolve em grande parte no sudoeste de Angola e no noroeste da Namíbia, onde subsistem precisamen­te populações que eu posso identi icar com o tal OUTRO absoluto que tenho vindo a referir….. quando recebi lá o convite para participar neste encontro acedi sem grande hesitação porque em meu entender me via colocado uma vez mais numa situação em que a realidade vem ao encontro da icção e poderia de alguma forma integrar o estar agora aqui no programa que me tinha anteriorme­nte imposto e via assim interrompi­do………. na trama do enredo que tenho vindo tratando nesse livro em curso, dois dos seus personagen­s concebem a certa altura poder ter para propor ao mundo, a partir das cosmologia­s e das cosmogonia­s locais, australo-africanas, para o caso, a igura de um herói tutelar perfeitame­nte adequado às preocupaçõ­es, às a lições e às urgências que parecem impor ao mundo em que vivemos uma resposta pronta, e icaz, adequada e no entanto bem di ícil de conjectura­r ou conceber porque essas preocupaçõ­es, a lições e urgências decorrem a inal de pressupost­os e de dinâmicas que o mundo moderno, ao mesmo tempo, parece pouco disposto a por em causa………….

……… o herói em questão dá pelo nome de Nambalisit­a, e é igura de grande estatura no imaginário e na expressões das populações da região a que me referi e que também costumo identi icar como mancha clânica

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