MOLDAR ANGOLA
No seguimento de outros meus artigos cujos tópicos remetem para a epígrafe, designadamente aqueles em que abordo os últimos livros de poemas de José Luís Mendonça e Carlos Ferreira; e resgatando o título de um importante ensaio de Achille-Mbembe - Moldar o futuro de África – é para mim agora estimulante aditar uma expectativa de como se poderá moldar o futuro de Angola, partindo de dois vectores que extraio da “mensagem” daqueles dois conceituados pensadores angolanos: Esperança e Con iança.
Sou charrua sem tractor,
Sou razão su iciente.
Removo as raízes de um tempo
que está por nascer em Angola.
Diz Ferreira:
Porém, a hora há-de chegar!
todos os tambores hão-de ecoar
todos os caminhos serão
de novo desbravados a ténue mal
ha do resgate será
tecida por mãos secas de implorar
outras gerações farão
perguntas o tribunal da vida abri
rá suas portas para as
contas inais deste rosário magoado
voltaremos então ao princípio!
Como em nenhum dos citados leio autoflagelação ou quejando, o que neles sobrenada há- de ser um desafio, perante si próprios, perante Angola, perante África e até perante o Mundo, já que todos são igualmente passivos de uma construção ou reconstrução em liberdade. Avocando Mbembe: “No tempo presente, quando africanidade rima com mundialidade, libertar África implica forjar novas armas para acompanhar o continente nos seus esforços para se afirmar no mundo. Há uma mudança de paradigma e devemos explorar todas as suas consequências.”
Todavia, não podemos esquecer que “muitas são as Áfricas”, como observava o então embaixador brasileiro na Nigéria, Antônio Olimpo, na década de 60, considerando as diferenças dos caminhos escolhidos após a sua independência, a despeito de um passado colonial comum em muitos aspectos, como o da exploração e humilhação, e outros, mais profundos, concernentes ao grau de desenvolvimento sócio- cultural do colonizador e do colonizado.
Cada terra e cada povo, sujeitos a estes condicionalismos, fizeram com que Angola tivesse um certo passado e provavelmente terá um certo futuro, diferente ou igual ao de “outras Áfricas”. Mas, fatalmente, o molde não se despojará da “herança” de 500 anos de dominação portuguesa, com a sua raça, língua, religião, práticas e costumes, em confronto permanente com a “herança” dos dominados, estes diminuídos pela diversidade dos seus espaços geográficos e representações étnicas. Angola só será igual à Nigéria na escolha que fizerem, agora e depois, do modelo económico- social de sobrevivência e reafirmação.
Retomemos Mbembe, quando assevera que a história de África se baseia em circulações: “As nossas culturas foram produzidas ao longo do tempo pelo movimento, a multiplicidade e a junção de elementos aparentemente heterogéneos e incompatíveis.(…) A itinerância, a plasticidade, a transumância, a capacidade de aplanar fronteiras moldaram as nossas civilizações e as formas próprias de ser e mesmo de pensar.”
Facto é que pelo seu passado colo- nial, pelo modo como começou e terminou, pelas influências maléficas e benéficas que sofreu, pela dispersão do seu povo em diásporas receptoras e mediadoras de ideias e interesses, Angola acabou por enfrentar um novo dilema: contra eventual impasse, escolher o melhor caminho consequente com o melhor destino.
Para José Luís Mendonça, é preciso “reeencontrar o passado da África, contra a tese globalizante de que os europeus são entendidos como os ‘ fazedores da história’ e que o mundo tem um centro geográfico que lidera e inova e uma periferia sempre em estado de atraso que apenas sabe imitar.”
Para Eugénia Kossi, “O sistema político e a sociedade, em geral, têm de começar a olhar para o mundo tradicional com a sua sabedoria ancestral como parte do contexto sócio- cultural das nações africanas. (…) Assim sendo, o reconhecimento do processo dialógico das comunidades tradicionais permite que todos os membros da macro-sociedade tenham expressão tendo como base a sua própria visão do mundo.”
Para Nok Nogueira, ”A elite intelectual africana, responsável pela emancipação do jugo colonial, foi nos últimos anos substituída por outra: a elite do poder. Que se despiu dos fundamentos que mantiveram acesa a chama das liberdades africanas. Esta elite não só subverteu a dinâmica cultural das nações, como instaurou uma inércia nas relações culturais entre os povos.”
Para Boaventura Sousa Santos, “O que terminou com os processos de independência do século XX foi uma forma específica de colonialismo, e não o colonialismo como modo de dominação. A forma que terminou foi o que se pode designar por colonialismo histórico caracterizado pela ocupação territorial estrangeira. Mas o modo de dominação colonial continuou sob outras formas.
O colonialismo como modo de dominação assente na degradação ontológica das populações dominadas por razões etno- raciais está hoje tão vigente e violento como no passado.”
No que toca a Portugal, diz ainda Nok Nogueira: “Angola e Portugal estão, felizmente, querendo ou não, condenados a manter uma parceria estratégica saudável devido à posição que ambas as nações ocupam no plano internacional.
Recomendamos, por isso, vivamente que nos livrem a nós, angolanos e portugueses de bem, desses desvarios e desse sentimento de ódio, de rejeição do Outro, dessa vontade expressa de maldizer os nossos países, quando as coisas correm mal para os círculos de interesses de parte a parte.”
E Achille-Mbembe: “Tal como a autoflagelação, que pretende compensar, a auto- exaltação não tem o menor interesse. África não é o reino da virtude nem o reino do vício. O que importa realmente é não nos enganarmos a nós próprios e não perder de vista as nossas potencialidades. O nosso futuro está nas nossas mãos, podemos moldá- lo e orientá- lo no sentido que desejamos.”
Donde, como já disse Júlio César na travessia do Rubicão: Ala jacta est!-os dados estão lançados.