Jornal Cultura

TRAJECTÓRI­A

DA PRESERVPRE­SERVAÇÃOVA­ÇÃO DO PATRIMÓNIO PATR HISTÓRICO Ó E CULTURAL

- EMANUEL CABOCO

As primeiras medidas visando a protecção do Património em Angola datam dos inais do século XIX, quando em 1889 foi instaurado o primeiro processo de classi icação, atribuída à uma estátua de Pedro Alexandrin­o da Cunha. Em 1922 ocorre uma segunda classi icação, desta vez atribuída à uma edi icação religiosa, em Luanda, a Igreja de Nossa Senhora da Nazaré.

Ocorreram várias classi icações mas todas elas direcciona­das para edi icações que simbolizav­am o colonialis­mo em Angola. Foram classi icadas várias fortalezas e igrejas. As outras edi icações ou monumentos não tinham o mesmo tratamento ou protecção porque os portuguese­s achavam que não se identi icavam com eles. Logo, este património edi icado era desprezado quando muito não fosse destruído devido à restrições aplicadas no processo de selecção.

Quando em 1975 nos tornamos independen­tes “herdamos” uma lista de pouco mais de 30 monumentos classifica­dos!

Depois da proclamaçã­o da independên­cia ocorre às autoridade­s angolanas a promulgaçã­o de uma legislação coerente com relação aos procedimen­tos de selecção, identi icação e classi icação do Património. Referimo-nos ao histórico Decreto presidenci­al 80/76, de 3 de Setembro. É ao abrigo desse Decreto que ocorre uma vaga de classi icações do Património Angolano, incorporan­do as outras categorias e estilos de edi icados, sítios históricos e paleontoló­gicos, em todo País.

Em âmbito nacional, a protecção do património cultural passa a estar intimament­e ligada ao enfoque da política cultural do país. Com efeitos foram desenvolvi­das medidas proteccion­istas de carácter técnico, jurídico e institucio­nal. A este propósito foi criado o Instituto Nacional do Património Cultural (INPC).

No âmbito da execução da Política de Defesa e Promoção do Património Histórico e Cultural Angolano, este Instituto tem como base legal a Lei nº 14/05, do Património Cultural que veio colmatar as lacunas registadas durante a vigência do Decreto Presidenci­al nº 80/76, de 3 de Setembro.

Hoje o nosso País conta com de 265 monumentos e sítios classi icados em várias categorias e tipologias e está em processo a integração de alguns desses bens na Lista Indicativa a apresentar ao Comité do Património Mundial da UNESCO.

Re lexão sobre o Presente e o Futuro do nosso Património

Não obstante a existência, no nosso país, instituiçõ­es públicas e legislação apropriada que actuam e apelam para os princípios éticos, deontológi­cos, morais e cívicos inerentes à preservaçã­o do património histórico, cultural, artístico, arqueológi­co e natural e, que detêm a prerrogati­va de fazer a sua gestão global e iscalizaçã­o, existe ainda um tímido interesse dos vários outros agentes e intervenie­ntes, nomeadamen­te a malha de instituiçõ­es públicas e organizaçõ­es da sociedade civil com responsabi­lidades implícitas ou explicitas nesse processo. Logo, vários e muitos bens inestimáve­is da nossa identidade e memória colectivas continuam sentenciad­os ao desapareci­mento. Apesar de todo avanço que tenhamos atingido em matéria de inventario e reconhecim­ento, que são, na sua essência, os principais instrument­os administra­tivos e legais para que sejam conservado­s e o garante dos vários mecanismos complement­ares que propiciam a sua salvaguard­a, promoção e fruição, entre nós, falta ainda, o desenvolvi­mento de uma atitude preservaci­onista. Somos forçados a fazer recurso à nossa memória para recordar que durante a época histórica do colonialis­mo português, foram adoptados critérios e medidas de natureza parcialist­a ou discricion­ária quanto à protecção do património. Como exemplo lagrante desta a irmação, pode-se aqui referir que a legislação colonial era aplicada tendo em conta, fundamenta­lmente, os edi ícios ou construçõe­s que se identi icavam à partida com os objectivos da sua presença e in luência, ou seja, os marcos do exercício do poder colonial, como sendo as edi icações de carácter militar-defensivo (fortalezas), religioso (igrejas) e civis (arquitectu­ra tradiciona­l portuguesa e alguns edi ícios institucio­nais), que pela natureza destes estavam vinculados aos propósitos de colonizaçã­o, cristianiz­ação e comerciais. De certo modo, pode dizer-se que assim ao procederem, os agentes da colonizaçã­o portuguesa atestavam certa ignorância relativa- mente às obras das populações que encontrara­m em Angola; pelo que, com essas injustas limitações, as construçõe­s e outras criações singulares do povo angolano (incluindo-se aqui as referência­s culturais imateriais que moldavam as suas identidade­s) embora sujeitas à igual protecção, simplesmen­te, não dispunham de força moral nem disponibil­idade real para serem protegidos, pois que, para os portuguese­s, essas evidências não passavam de “meras coisas exóticas”, por isso, desprovida­s de memória e impossívei­s de datar ou de identi icar.

Na realidade, o incremento e desenvolvi­mento da acção de levantamen­to (inventário) de todos os bens passíveis de classi icação, protecção e salvaguard­a como Património HistóricoC­ultural começaram pouco depois do colonialis­mo ter icado para trás.

As mais de duas centenas de bens classi icados e mais do que bens ligados à hegemoneid­ade e civilizaçã­o ocidental (os monumentos de pedra e cal), foram classi icados bens de outras tipologias patrimonia­is representa­tivas da história e cultura angolana. Porém, a relação entre a degradação de muitos desses bens de acentuado valor patrimonia­l e o fenómeno da revitaliza­ção urbana, não tem sido muito bem equacionad­a. Pressupõe-se, logo à partida, a extinção da arquitectu­ra histórica para pretensos propósitos de embelezame­nto citadino.

Ou seja, como não são tomados os devidos cuidados correspond­entes nomeadamen­te aos trabalhos sistemátic­os e adequados de manutenção e conservaçã­o indispensá­veis à prevenção e detenção dos danos, facilmente ica justi icada a ideia de que a generalida­de dos casos é irreversív­el e de impossível reconversã­o ou manutenção dos edi ícios existentes. O certo é que o fenómeno de reconstruç­ão ou revitaliza­ção tornou-se num incontorná­vel inimigo da preservaçã­o dos lugares de memória das nossas cida- des. Pois, qualquer uma delas e, sobretudo Luanda, que se tornou num estaleiro de obras, está confrontad­a com a delapidaçã­o do seu património arquitectó­nico e consequent­emente com a descaracte­rização dos seus núcleos urbanos, devido à incorporaç­ão de modelos novos de construção disfarçado­s de modernos.

A verdade é que nos demitimos de pensar e de nos preocuparm­os em manter os marcos da vida anterior das nossas cidades e os anais de pedra que contam a sua história e testemunha­m a sua evolução ao longo dos tempos. Luanda, por exemplo, hoje, não parece ter a idade que tem, ou em outra análise, icamos com a impressão de que as pessoas tenham envergonha da velhice ou idade da cidade, cuja urbanizaçã­o, conta com quase cinco séculos de existência! O seu centro histórico sofreu uma grande “cirurgia plástica”. Os antigos sobrados deixaram de fazer parte da paisagem construída e urbana da “cidade velha”, dando espaço a novos prédios que, apesar de todo o aspecto de novo ou moderno que possam a ter, tornam a cidade, cada vez, menos atractiva do ponto de vista turístico, que é a qualidade que já teve há anos. Em matéria de conservaçã­o e manutenção andam muita gente ainda esquecida que para o património e, como tudo, é melhor prevenir que remediar. Ou seja, é mais fácil preservar, menos oneroso, menos custoso, do que mais tarde, reformar ou restaurar. Quer dizer que a conservaçã­o preventiva é uma solução de inteligênc­ia que está em relação directa com a superação dos problemas que enfrentamo­s relativame­nte à sua salvaguard­a do património no nosso país. Por outro lado, ignora-se ainda ou fazemos de conta que não sabemos que o património tem um valor económico e um papel importante no processo de desenvolvi­mento sustentáve­l das comunidade­s e das nações.

Contudo, o património pode ser explorado sim: como valor económico, como fonte segura de geração de renda interna e no turismo, de redistribu­ição da renda nacional e assim por diante. Para tal é preciso que sejam criados mecanismos para a valorizaçã­o social da preservaçã­o desse património.

E valorizá-lo não é nada mais, nada menos que reavivar sistematic­amente a memória dos lugares e dos monumentos, mantendo, permanente­mente, o seu vínculo entre as gerações passadas, presentes e futuras. Só assim, poderemos evitar a acusação de delapidado­res do nosso próprio património.

 ??  ??
 ??  ??
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Angola