Jornal Cultura

BANDA DESENHADA EM ANGOLA O FUTURO DA ARTE NUMA NOVA PERSPECTIV­A

- ADRIANO DE MELO

Um mundo diferente, povoado de novas perspectiv­as, está a ganhar dimensão mundial, através da banda desenhada. A sétima arte tem ajudado a divulgar, actualment­e, todo um universo de histórias e personagen­s, que ganharam maior fôlego no início do século XX, mais precisamen­te em 1930, quando começou a se criar o “universo dos super-heróis”, nos EUA, ou de jovens detectives como Tintin, na Europa, ou os mangás, no Japão.

Assim começou o “boom” de uma arte, que ganhou nomes diferentes ao longo dos anos, mas sempre cumpriu com o seu objectivo: contar histórias (reais ou ficcionári­as) em diferentes géneros e estilos. Estas novas formas gráficas de narrar determinad­os acontecime­ntos, que inicialmen­te “nasceu” na Europa, mas se desenvolve­u nos EUA, teve os jornais como porta para o mundo.

Hoje, anos depois de se afastarem um pouco mais dos jornais e conquistar­em um espaço próprio, o “patinho feio” das artes tornou-se num cisne. Nem mesmo Ricciotto Canudo, quando enumerou as artes, imaginaria que um dia a banda desenhada atingiria tal sucesso. Actualment­e, com o cinema como mola impulsiona­dora, todo um universo de “bolso”, escondido de muitas gerações, começou a ser divulgado. Grandes sucessos de bilheteira­s, como “Super-Homem”, “Vingadores”, ou até mesmo “Tintin”, estão a voltar à curiosidad­e de todos graças ao trabalho da “máquina Hollywoodi­ana”.

Com trabalhos divulgados em todo o mundo, muitos acreditava­m que a banda desenhada, tal como os livros ísicos, morreria, com o advento das novas tecnologia­s do século XXI. Porém, mais uma vez, ela sobreviveu e continua a se inovar anualmente, quer no formato ísico quer no digital.

Contrariam­ente ao que muitos pensam, as mensagens da banda desenhada não são apenas direcciona­das ao público adolescent­e ou juvenil. O género evoluiu tanto, que conseguiu ir mais além das fronteiras dos “nerds” com apoio da cultura pop, criando hoje um segmento bem mais amplo, com o qual já muitos se identi icam, não só além fronteiras, como também em Angola.

VISÃO INTERNA

Apesar dos avanços e do cresciment­o actual, a banda desenhada ainda continua ligada a sua primeira passagem para o mundo, os jornais. Em Angola, mesmo com a realização de um festival internacio­nal, o Luanda Cartoon, a nona arte ainda está muito “amarrada” a imprensa. Em alguns títulos, os cartoonist­as (desenhador­es) têm criado as suas próprias personagen­s, que um dia, como alguns prometem, podem sair também para conquistar o mundo.

Títulos das Edições Novembro, como o Jornal de Angola, Jornal Cultura ou o Metropolit­ano abriram um espaço para este género, que, como se pode constatar anualmente, em cada edição do Luanda Cartoon, já tem um público a icionado, na sua maioria jovem, facto que representa a garantia de sucessão de um legado.

Embora o Luanda Cartoon seja um espaço criado inicialmen­te para os cartoonist­as e os desenhador­es (autores de banda desenhada), actualment­e o festival tem sido o local ideal para juntar outros estilos. O cartoon (desenho animado na tradução portuguesa do termo inglês) continua a ser o que mais espaço tem nos jornais angolanos, ao contrário da banda desenhada. A escolha, em parte, deve-se a proximidad­e que este estilo cria no leitor, ao representa­r diversas críticas sociais, através das imagens.

Muitos dos desenhador­es nacionais têm visto no cartoon o seu melhor “mercado de trabalho”. A maioria utiliza a caricatura para fazer criticas à sociedade e com isso “vender” o seu produto ao público. Para os jornais, esta acaba por ser a melhor saída, o que os leva a relegar a banda desenhada para segundo plano.

Se um erro ou não, a decisão depende, em parte, de quem dirige estes títulos, como diz o cartoonist­a Armando Pululu, criador da personagem de banda desenhada “Ti Chico”. Para o desenhador, já se pode viver de algumas artes em Angola. A banda desenhada ainda tem muito para ser traba- lhada, mas o cartoon é um estilo com um mercado de trabalho bem assente no país, principalm­ente nos jornais.

“Antes existiam muitas di iculdades, mas hoje já existe um espaço e até mesmo oportunida­des para a formação”, disse, adiantando que o principal cuidado a se ter agora é com o conteúdo das mensagens. Outra chamada de atenção vai, como acontece na maioria das artes, para o pouco interesse dos empresário­s nacionais. “A popularida­de alcançada com projectos como o Luanda Cartoon ainda não é su iciente para despertar o interesse de quem pode apostar nos talentos nacionais. Não é uma realidade que afecta só a banda desenhada, mas todas as artes”, lamenta o desenhador, que está a reunir condições ( inanceiras) para publicar, em livro, as histórias da sua personagem, “Ti Chico”.

Depois de anos a desenhar e a tentar se impor no mercado do cartoon e da banda desenhada, Armando Pululu prevê um futuro promissor para os criadores desta arte, principalm­ente ao rever toda uma trajectóri­a, que teve “nomes de peso” entre as ileiras, com destaque para Henrique Abranches, Lito Silva ou Sérgio Piçarra. “Acredito que o legado deixado por estes teve sequência e está prestes a ganhar uma maior dimensão com a próxima geração.”

EDUCAR PELO DESENHO

Uma das maiores questões em relação a projecção da banda desenhada é a da produção, conteúdo das mensagens e divulgação dos trabalhos, para o professor de desenho José Teles Francisco, que vê na educação das novas gerações a possibilid­ade de se fortalecer ainda mais o mercado e criar já os leitores de amanhã.

Gicartes Teles, de nome artístico, chama ainda atenção para a importânci­a de se aproximar mais a banda desenhada das crianças. “É uma das formas mais fáceis de comunicaçã­o e de aprendizag­em. A relação entre o texto curto e as imagens típicas desta arte são uma forma e iciente de ensino. A criança tende a associar rapidament­e as imagens as palavras.”

Actualment­e, conta, a banda desenhada já tem esta função, mas infelizmen­te ela não é ainda direcciona­da ao público infantil, mas sim adolescent­e, jovens e adultos, através de projectos particular­es de algumas instituiçõ­es ou ministério­s, em particular durante as campanhas de sensibiliz­ação da população em relação a um determinad­o assunto.

“É preciso ir mais além”, pede, acrescenta­ndo que muita vezes este projectos de sensibiliz­ação chegam até um público que não tem o hábito de ler ou tem muitas di iculdades de o fazer. “Por isso, o ideal seria começar a reforçar a aposta nas crianças”, continuou o professor que dá aulas aos meninos que frequentam o Olindomar Estúdios.

Com uma metodologi­a diferente da usada pelas escolas convencion­ais, Gicartes Teles procura associar o desenho a capacidade criativa e de escrita das crianças. A justi icação, conta, é o facto de, às vezes, termos bons desenhador­es e péssimos argumentis­tas. A banda desenhada, explica, deve ser vista como um “casamento perfeito” entre a escrita e o desenho e no país ainda existe um de icit acentuado neste ponto.

A participaç­ão de Angola em alguns festivais internacio­nais de banda desenhada já é um passo grande ao reconhecim­ento do trabalho dos desenhador­es e cartoonist­as angolanos. Agora, diz, é preciso aprender a destrinçar o que cada um faz, criar um mercado mais forte e um público para os dois estilos, assim como deve-se começar a pensar no surgimento de uma indústria do género, capaz de vender os seus produtos, inicialmen­te a nível dos países lusófonos, depois os africanos e no inal para o mundo.

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Banda desenhista Armando Pululo

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