“Os nossos intelectuais estão adormecidos e acomodados”
Albino Carlos
“O escritor deve ter a preocupação de colocar o país a pensar e a questionarse para melhor compreender-se a si próprio. Neste quesito, sinto que os nossos intelectuais estão adormecidos e acomodados. A principal missão de um escritor ou intelectual deve ser incomodar a sociedade, sacudir e arejar as mentes empoeiradas”, disse Albino Carlos, que acaba de colocar no mercado Caça às Bruxas.
O Jornal Culturafez uma entrevista com o escritor e jornalista, para saber quais as razões para adaptar à literatura o drama das pessoas acusadas de feitiçaria. Musseques, bairros e comunidades. A vida nestes locais e a maneira de interagir dos seus habitantes parece ser a marca registada na maioria dos livros de Albino Carlos.
Albino Carlos disse que, ao conferir voz e vez aos sujeitos dos musseques, pretende“não só mostrar as tradições, as crenças e os costumes dos angolanos, mas também as dores do sacri ício de uma sociedade à procura da inocência da utopia perdida.”Para Albino, a independência não resolveu muitos problemas que a ligem os angolanos e muito menos a democracia. “A nossa sociedade está pejada de pobres almas cujadesesperança frustra-lhes os anseios de vida.”
ORALIDADE
A oralidade tem uma presença regular nos seus textos. Este fascínio pelo linguajar da rua, pelo cancioneiro popular, assenta na expressão da singularidade cultural dos povos de Angola, na relação com o outro, e também expressa a universalidade do processo de construção de sentidos de vida, pois, diz Albino Carlos, “natextologiatradicionalangolanadescobre-se ilamentos de religiosidade e iloso ias de vivências. Com“Caças às bruxas”explorei as milhentas potencialidades e possibilidades da oralidade africana no sentido de conferir realismo dramático-mágico às cenas e situações. Eu quis demonstrar que podemos usar outros registos narrativos para contarestórias e construir sentidos.”
Nem sempre é fácil explorar as idiossincrasias de uma região ou comunidade e descrevê-las em livro. Trata-se de tarefa complexa, pois que “escrever é sempre um parto di ícil. A mensagem de“Caças às bruxas”e de “Issunje” é clara: temos que promover um verdadeiro processo colectivo de desmisti icação de muitas das nossas crenças, superstições e tradições, sem que isso signi ique derrubar os nossos mitos fundacionais. Ou seja, conquistada a reconciliação nacional ao nível político e obtidoo silenciamento das armas, agora urge intentar um processo de reconciliação com os nossos deuses e ancestrais, urge promover um processo colectivo de expiação dos pecados e paci icação dos espíritos. Há muitos fantasmas que ensombram o destino de Angola e dos angolanos.”
GLOBALIZAÇÃO
Dentro do conceito de um mundo globalizado, no qual tendemos a viver, graças a aproximação criada pela Internet, pode a oralidade ainda ser preservada por muitos anos, sem ser adulterada? A esta questão, Albino Carloos é peremptório em a irmar que “não temos que ter medo da globalização. Caso se invista à serio na educação e no ensino de qualidade, caso se aposte sério na indústria cultural e criativa, a globalização é uma janela de oportunidades que se abre para potenciar a espírito criativo e o empreendedorismo dos nossos jovens. Advogo o diálogo permanente entre o tradicional e o moderno, entre o local e o global, ou seja, a cultura angolana não deve ser pensada como oposição à globalização, mas como expressão da cultura universal.”
Para o autor de Caça às Bruxas, o sucesso internacional do kuduro e da ki- zomba mostra que a relação entre a identidade local e identidade global assume um carácter de complementaridade, bem como de negociações e disputas de sentidos no quadro da globalização. “Ao universalismo uniformizante da globalização devemos contrapor com a capacidade de criatividade estética das identidades nacionaiscapazes de se constituir como experiências dinâmicas de re lexão da nossa cultura de modo que possa- mos ocupar outros lugares simbólicos no concerto das nações.”
PAPELDO ESCRITOR
Os escritores desempenham um papel importante no processo de de inição e criação das materialidades simbólicas da nossa forma de ser e estar no mundo, destaca Albino Carlos.“Sendo que as nações diferenciam-se pelos modos como são imaginadas e narradas o seu percurso histórico, os escritores devem participar activamente dodesa io de Angola e criar a sua própria singularidade cultural e identitária, uma identidade nacional sempre renovada e em permanente interacção com as variações da sensibilidade artística própria dos contextos actuais.
Segundo Albino, o escritor deve ter a preocupação de colocar o país a pensar e a questionar-se para melhor compreender- se a si próprio.“Neste quesito, sinto que os nossos intelectuais estão adormecidos e acomodados. A principal missãode um escritor ou intelectual deve ser incomodar a sociedade, sacudir e arejar as mentes empoeiradas.”
Aos jovens escritores, além de terem de ler muito, Albino Carlosacredita que ler é a melhor forma de se enveredar para o mundo da literatura.“Sou fundamentalmente um leitor.
LIVRO E LEITURA
Albino Carlos considera que “o livro é escandalosamente caro e raro em Angola. Não há incentivos nenhuns. Nem os escritores vivem dos livros e muito menos os livros são acessíveis. Se Luanda tem, noves-fora o exagero, meia dúzia de livrarias, meia dezena de bibliotecas e uns poucos cinemas e teatros, o que dizer das restantes províncias? O mais assustador é que essa calamitosa situação não tira o sono aos políticos nem a quem de direito. Definitivamente, a criação artística e a promoção da identidade nacional têm de morar no discurso político e, sobretudo, têm de estar reflectidasno pensamento e naacção dos políticos e dos servidores públicos”, defende Albino.
Quanto ao seu novo livro, “Caça as Bruxas”, o autor acredita que houve a associação do cidadão, do escritor, do jornalista e do professor no sentido de colocar o país a re lectir sobre a sua situação no mundo. O romance é uma paródia feita aos mitos, crenças e costumes antigos e modernos que perturbam os nossos sonhos.
“A problemática da feitiçaria e das crenças é um assunto do mais alto interesse nacional. Urge envolver no processo, o Estado, as universidades, os intelectuais, a sociedade civil e as autoridades e comunidades tradicionais.”