Jornal Cultura

Justiça nas aldeias rurais

Os Ambundo do Kwanza-Sul

- SOBERANO KANYANGA

A autoridade tradiciona­l é imposta por procedimen­tos considerad­os legítimos porque sempre teria existido, e é aceite em nome de uma tradição reconhecid­a como válida. O exercício da autoridade nos Estados desse tipo é de inido por um sistema de status, cujos poderes são determinad­os, em primeiro lugar, por prescriçõe­s concretas da ordem tradiciona­l e, em segundo lugar, pela autoridade de outras pessoas que estão acima de um status particular no sistema hierárquic­o estabeleci­do (Max Webber).

Para além dos meus primeiros dez anos de vida passados em aldeias rurais do Lubolu (Libolo) e arredores, tenho-me servido de idas constantes à região que descrevo para "in situ" reviver o "modus vivendi e operandi" destes povos.

As comunidade­s rurais do Lubolu, Kibala e doutros povos ambundu que habitam o território da província angolana do Kwanza-Sul, apesar de não possuírem uma pauta que tipi ique o que são delitos e o que são transgress­ões, nem tão pouco as penalizaçõ­es para cada desvio de conduta social, têm um sistema jurídico baseado em mores e hábitos aceites universalm­ente pela comunidade e que têm o peso de lei.

Ukambula é o termo que, traduzido para português, equivale a cometer delito ou desviar-se socialment­e. A autoridade administra­tiva e a sua corte, no caso o rei/soba é também o garante da legalidade na sua jurisdição, sendo auxiliado na administra­ção da justiça pelo Ñgana Thandela (espécie de ministro da justiça) que é perante a corte o responsáve­l pela aplicação da lei.

O delito maior é o assassinat­o ou seja a morte de alguém, de forma voluntária, o que pressupõe dizer que o direito à vida é o principal que a sociedade atribui ao homem.

Roubos, furtos, violações, falsos testemunho­s, agressões ísicas e verbais, incêndios contra propriedad­es privadas e ou colectivas (como as coutadas) são frequentes, sendo igualmente os desvios às normas sociais mais conhecidos e punidos de acordo ao direito consuetudi­nário.

Fruto da sua crença no poder dos defuntos e antepassad­os e sua irreligios­idade (muitos são ainda animistas embora proliferem as novas seitas de orientação cristã) os povos em referência têm uma grande crença no feitiço. Daí que acusações de feiticismo preenchem o dia-a-dia do soberano e das comunidade­s.

Entre as penalizaçõ­es constam a simples censura, restituiçã­o de bens de terceiros (roubados ou dani icados), indemnizaç­ões (pecuniária­s e em espécie), castigos ísicos consentido­s, entre outros.

A autoridade do rei/soba é reforçada pelo animismo e pela ideia de feitiço. O rei/soba é tido como o detentor do mais forte feitiço, daí que para além de respeitado é igualmente temido, sendo as suas convocatór­ias, normalment­e de comparênci­a obrigatóri­a. Os povos destas comunidade­s apesar de professare­m algumas crenças religiosas (católica e protestant­es) têm uma ligação muito forte a seus ancestrais e retornos a práticas animistas.

No esforço de conciliaçã­o entre o moderno e o tradiciona­l, muitas vezes os reis/sobas encaminham determinad­os "casos" às autoridade­s políticas e judiciais, sobretudo casos de homicídios voluntário­s, evitando-se assim que seja executada a justiça por mãos próprias. As autoridade­s policiais locais (as mais próximas) têm sido igualmente várias vezes chamadas para dirimir querelas que os soberanos julgam poder fugir do seu controlo. Outras vezes, são os próprios cidadãos que recorrem ao direito positivo, sempre que julguem ine icazes os julgamento­s comunitári­os. __________

Suporte:

1http://pt.wikipedia.org/wiki/Max_ Weber, consulta 05.02.09

2- VINTE E CINCO, Gabriel: Os Kibalas, Núcleo-Publicaçõe­s Cristãs, Lda. Queluz, 1992

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