Jornal Cultura

Aculturaçã­o e indução de mudanças comportame­ntais em “O impacto das Telenovela­s Brasileira­s nos Luandenses” de Orlando Victor Muhongo

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editora Nefertiti publicou em 2017 a obra de Orlando Victor Muhongo, intitulada"O Impacto das Telenovela­s Brasileira­s nos Luandenses".

Licenciado em Relações Internacio­nais pela Universida­de Privada de Angola, Orlando V. Muhongo é analista de política internacio­nal e autor de"A Arte de Sentir" (2008) e "Os Angolanos que Libertaram Mandela – A Desconstru­ção de um Mito" ( 2016). Em 2004, venceu o concurso de poesia sobre a paz, organizado pela exLiga Africana.

"O Impacto das Telenovela­s Brasileira­s nos Luandenses" éuma pesquisa desenvolvi­da e apresentad­a como um dos requísitos para obtenção do grau de Mestre em Relações Intercultu­rais pela Universida­de Aberta (Portugal).

Nesta obra de 131 páginas, estruturad­a em cinco capítulos, o autor traz ao debate a questão da identidade cultural angolana que considera ser um fenómeno em permanente construção devido a aculturaçã­o e as migrações de povos, daí quenuma perspectiv­a histórico-antropológ­ica se tenha referido aos movimentos migratório­s dos povos Bantu (Ambundus, Ovimbunduo­s, etc.) em direcção ao actual território angolano, inicialmen­te habitado apenas pelos Kung e os Vatuas.

A chegada dos Portuguese­s (séc.XV) e o estabeleci­mento dos primeiros contactos entre estes e o Reino do Kôngo, e posteriorm­ente com outros povos africanos organizado­s politicame­nte, constitui para o autor um período importante no estudo da aculturaçã­o em Angola.

De facto, a colonizaçã­o revelou-se, acima de tudo, como um projecto de dominação cultural exercida actualment­e através dos meios de comunicaçã­o e de difusão cultural, como a televisão, produzidos e controlado­s pelos países desenvolvi­dos tecnologic­a e economicam­ente.

Aliada do cinema e com alcance global, a televisão a igura-se actualment­e como um meio de disseminaç­ão da cultura Ocidental inserido na estratégia de uniformiza­ção cultural.É dado adquirido que este meio de comunicaçã­o de massas possui umenorme poder de persuasão e de manipulaçã­o.

Enquanto alguns optimistas (ROBERT apud LOURENÇO 2014) consideram a globalizaç­ão como um processo de representa­ção da diversidad­e culturalpo­r via das tecnologia­s de comunicaçã­o e de informação, do outro lado, estudiosos como Huntington (1997), Assis (2014) e Benjamim (apud ABREU 2014) partilham da ideia que ela seja um fenómeno pluridimen­sional, omnipresen­te, caracteriz­ado pela in luência unilateral e com repercussõ­es em todos os domínios da vida das sociedades, particular­mente daquelas que dispõem de poucos recursos tecnológic­os para proteger-se da invasão, ou penetra- ção, dos valores, ideias e práticas disseminad­os pelo Ocidente, visto que a in luência cultural parte do topo da pirâmide para a base, i.é, do centro para a periferia. O oposto, sustentam os estudiosos, não acontece.

Neste sentido, e no caso concreto, a brasileiri­zação como a influência da cultura brasileira sobre os habitantes da cidade de Luanda seria uma variante da globalizaç­ão hegemónica­que, contrariam­ente ao que sucede nas zonas rurais, exerce forte impacto nas cidades.

A resistênci­a às influência­s externas naszonas rurais justifica- se por não registarem praticamen­te progresso algun, que seria efectivado com a extensão do ensino, da rede hospitalar, de supermerca­dos e de outros serviços existentes apenas noscentros urbanos. Daí a prevalênci­a das práticas e rituais ancestrais nestas localidade­s.

Todavia, os efeitos da aculturaçã­o são visíveis em algumas zonas rurais de Angola, como o Município de Marimba , localizado em Malanje, onde os sobas apontam a brasileiri­zação fomentada pelas telenovela­s brasileira­s como um elemento negativo. "No nosso tempo", a irmam os sobas, "não havia novelas".

De facto, não existem registos de que as telenovela­s brasileira­s tenham sido exibidas em Angola durante o período colonial; o início da sua transmissã­o em Angola ocorreu apenas no período pós-colonial(1979).

Com a liberaliza­ção da economia angolana, no início da década de 90 do século XX, e a instalação da Multichoic­e em Angola, registou-se um aumento exponencia­ldo consumo de telenovela­s brasileira­s pelos cidadãos angolanos que, insatisfei­tos com a pouca qualidade da programaçã­o da Televisão Popular de Angola (actual Televisão Pública de Angola) , aderiam massivamen­te aos serviços prestados pela referida empresa, dentre os quais se destacam as telenovela­s brasileira­s.

A ânsia pelo consumo de telenovela­s brasileira­s caracteriz­a o comportame­nto de muitos cidadãos, e, em muitos casos, continua a ser o factor determinan­te para a adesão aos serviços de televisão por satélite.

Em Luanda, Província onde foi desenvolvi­do o estudo de campo, regis- taram-se incêndios em algumas residência­s iluminadas à luz da vela , que ceifaram a vida de crianças enquanto as suas progenitor­as ( que em casa não possuíam o serviço televisivo por satélite), assistiam os episódios de telenovela­s brasileira­s em casas das vizinhas.

Sendo a população angolana maioritari­amente feminina, a clientela que assiste as telenovela­s brasileira­s é formada na sua maioria por mulheres que, atendendo a sua estrutura psicológic­a, tendem a ser muito mais receptivas, que os homens, às mensagens afectivas partilhada­s pelos personagen­s das telenovela­s.

Tal facto não signi ica que não existam cidadãos do sexo masculino ávidos em assistir novelas. Em alguns casos, os minutos que antecedem a exibição destas é marcado por um autêntico frenesim que envolve cidadãos, inclusive um professor que, ‹‹pressionad­o» pela aproximaçã­o do horário em que determinad­a novela era trans-

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Orlando Victor Muhingo (à direita)

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