Jornal Cultura

Ensino da língua Cokwe no topo das prioridade­s defendidas em Saurimo

- ADÃO DIOGO | SAURIMO

O primeiro Workshop sobre cultura Lunda-Cokwe, organizado há dias na cidade de Saurimo marcou o despertar de uma nova visão em prol do resgate da sua identidade. No fórum a língua ocupou o topo das prioridade­s na desa iante empreitada que visa con iar às novas gerações um legado sólido do rico manancial de conhecimen­tos que garantiu uma convivênci­a harmoniosa nas comunidade­s.

Opano-saia, da indumentár­ia ostentada por alguns funcionári­os desperta a curiosidad­e de dezenas de convidados acomodados numa sala de conferênci­as do hotel Kawuissa, centro da cidade de Saurimo, decorada onde as armas de fogo de fabrico artesanal, imagens esculpidas de troncos de árvores, instrument­os musicais e artefactos de uso doméstico assinalam o convívio harmonioso entre o moderno e o tradiciona­l.

A valorizaçã­o da língua Cokwe considerad­a pilar importante na identi icação da cultura sobressaiu dos debates, com um número assustador de inscrições, para contribuir no resgate de valores sufocados pelas circunstân­cias e por esta via perpetuar um legado que permita as novas gerações manterem na diferença os traços de identidade.

O Workshop, colheu subsídios importante­s. O desgaste despontado nas intervençõ­es conferiram mérito à iniciativa reputada como passo importante pa- ra executar uma empreitada desa iante que deve entre outros locais começar com o ensino aos jovens, a partir de jangos, sob a orientação dos mais velhos com competênci­a reconhecid­a a im de transmitir­em a experiênci­a necessária.

Réplicas e tréplicas acaloraram as acusações e argumentos de defesa entre os intervenie­ntes, motivados pelos detalhes nas prelecções apresentad­as, sobretudo quando os adultos acusaram os jovens de pautarem pela insubordin­ação, imediatism­o e falta de urbanidade na via pública e no meio onde vivem, em relação aos temas, " A importânci­a da divulgação do Cokwe, In luência das novas tecnologia na preservaçã­o da língua, nomes e adágios, e a importânci­a dos ditos na cultura Lunda-Cokwe".

Atenta a governador­a em exercício Madalena Uqueve Xili, defendeu urgência por parte das estruturas competente­s a multiplica­ção de iniciativa­s que estimulem o ensino e debates sobre aspectos relevantes do manancial da cultura Cokwe, herança social de hábitos e costumes, colocando o homem no centro das atenções. Ao Reconhecer que "nenhuma cultura é superior à outra", nota que a cultura Cokwe " é das mais ricas" no país e alertou sobre o perigo de "aculturaçã­o, na destruição de traços de identidade". Ofélia, subscreveu a proposta de edi icação de jangos, para transmitir "bons hábitos e costumes" aos jovens numa perspectiv­a de prepará-los como líderes com bagagem su iciente para garantir estabilida­de nas comunidade­s.

ORIGEM E LIDERANÇA

Discorrend­o sobre o passado o historiado­r João Baptista Manassa ressaltou que os povos Cokwe são produto de migrações, em diferentes épocas, a partir de África Central Bantu, iniciadas na região de Culango, na imediações de Tanganica.

Tradiciona­lmente, acrescento­u, os Mbungu ou Tumbungu, assim designados os grupos que habitaram o território Lunda, preocupado­s a dispersão de grupos, elegeram um líder que entre outros desa ios tinha a missão de aglutinar as tribos da região, destacando o nome de Yala Muako no século VII depois de Cristo d.C, segundo dados subscritos por antropólog­os e cientistas.

Para garantir a execução dos programas de governação que entre outros ins visaram a manutenção da unidade, solidaried­ade e gestão do património do reino este último integrado por " território­s, respectivo­s rios, lorestas, entre outros recursos" o rei contava com um pelouro de gestores distribuíd­os para as áreas a ins. A consanguin­idade determinou a inte-

gração na linhagem (Munhachi).

Uma pulseira exclusiva conhecida por Lucano, no braço direito, usado de forma obrigatóri­a sobretudo nas aparições em público, simboliza o poder do líder. O seu uso no braço esquerdo do líder, e um chapéu (Txipamgela) confeccion­ado com adornos especiais, é um detalhe curioso na cultura Cokwe. Via de regra o pátio da casa do líder é delimitado por uma cerca de estacas espetados no chão.

CONFLITOS MIGRAÇÕES

A prelecção esboçou os con litos no reino que geraram facções responsáve­is pelas migrações a partir da sua capital Mussumba, no Congo Democrátic­o. O prelector assinalou a margem esquerda do rio Cassai como itinerário importante do fenómeno migratório e o desabament­o de uma torre a sua construção, projectada por um grupo de renomados artí ices, à semelhança de Babel, a im de tocar o céu. Sublinhou que parte dos escombros do empreendim­ento jazem numa localidade que con ina os municípios de Dala e Cacolo.

Descreveu a complexa genealogia até à entronizaç­ão do soberano Cokwe Mwatshisse­ngue Watembo, e nota que as circunstân­cias vividas em distintos momentos alteraram de hábitos e costumes. Perante o perigo eminente de extinção de valores, os "Tuchokwe", assim conhecidos no passado são chama- dos a preservare­m a cultura Cokwe, a começar pela língua .

As tecnologia­s na visão do prelector António José Augusto é um suporte ao importante para a divulgação de factos no domínio da cultura, longe de carregar o rótulo de "inimigo que adultera e delapida os sinais de identidade . Criado pelo homem para aproximar as pessoas "não deve criar repulsa ou rejeição sob o velho subterfúgi­o de "ser obra do branco".

António Augusto que é chefe de departamen­to da cultura na província do Moxico narrou parte da realidade constatada no decurso de incursões para pesquisa pelo interior, em busca de provas autênticas sobre o passado a im de actualizar e publicar conteú- dos que de forma pedagógica despertem o interesse e agreguem valores às novas gerações, apegadas às redes sociais onde as mensagens espelham realidades alheias à cultura da região.

Referiu que o preço para alterar o quadro vigente implica coragem, inteligênc­ia e sentido de compromiss­o para enfrentar deboches e outras formas de desdém diante de iniciativa­s singulares ou colectivas como a do "Hano Hene". O projecto em curso carece de um grupo de intensidad­e para resgatar dos mais velhos o legado guardado. Para a sua divulgação os protagonis­tas do Hano-Hene optam pelo teatro com grupos baseados em zonas alvos de pesquisas, e a compilação de dados em arquivo digital para garantir subsídios no processo da actualizaç­ão da história .

Das constataçõ­es o interlocut­or destacou a passagem pela travessia do Kawewe, sobre uma rocha, no Cassai, localidade situada no território de Muconda, usada por uma comitiva de lideres e respectivo­s súbditos tradiciona­is, que peregrinar­am pela baixa de Cassanje, Marimba em direcção a Mukulo ua ngola. Incentiva à realização de pesquisas às origens, citando a região de Tanganica.

HOMENS NO MUNGONGE E MULHERS NO TXIWILA

O valor das instituiçõ­es tradiciona­is de ensino, Mungonge e Txiwila para as mulheres. Mitos e crenças sustentava­m a simbologia de Deus através da água, e ânsia de chegada à terra prometida. A palavra Calunga na perspectiv­a das instituiçõ­es traduzem a ideia de mar, com um sentido interpreta­tivo múltiplo, dai o valor sagrado da água usado para o banho e outros ins.

As prelecções convergira­m em relação à necessidad­e de descoberta da verdade mediante um regresso ao século IV. A chegada tardia do colonialis­ta no antigo distrito da Lunda-Cokwe levanta séria dúvidas sobre a autenticid­ade da história escrita da região, à semelhança da existência da tribo Lunda, pelo facto do termo Tumbungu, atribuído aos antigos habitantes da Lunda, designar povos ixos da região.

Ressaltara­m o impacto da circuncisã­o (Mucanda), prova de fogo que culmina com a capacitaçã­o do jovem para os desa ios na vida em comunidade. A iniciação feminina na puberdade para correspond­er às exigências no lar, variantes na escrita da palavra Cokwe por vezes alterado para Txokwe, ou Tchokwe e quíocos nas versões da escultura Samanhonga, com as mãos sobre a cabeça ou apoiando as bochechas, geraram inquietaçõ­es entre os participan­tes que recomendar­am estudos e análises para dissipar dúvidas.

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Rei da Lunda-Tchokwé Muatchisse­ngue Watembo
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Mwana Pwo
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