Jornal Cultura

A caça entre os Lubolo e Kibala

- SOBERANO KANYANGA

Nunca é demais explicar que o meu engodo pela descrição de factos vividos e presenciad­os no Lubolu e Kibala resultam da minha descendênc­ia Lubolista/Kibalista.

Nestas linhas tentarei trazer à memória episódios distanciad­os há mais de trinta e cinco anos, mas que se mantêm intactos fruto de idas constantes à região e recomposiç­ão dos traços e factos culturais dos povos em descrição.

Embora sedentário­s, a caça entre os povos que habitam o Lubolu (Libolo) e Kibala é uma actividade de importânci­a transcende­ntal, na medida em que permite o enriquecim­ento da dieta alimentar. Serve igualmente de exercício para aptidões mentais e físicas. Pois só homens dotados de inteligênc­ia e robustez são capazes de conseguir presas e desfazer- se de iminentes predadores.

No Lubolu e Kabala, tal como em toda Angola, o ano é composto de duas estações: a estação chuvosa (nvula) que é mais longa (9 meses) e a estação seca, também conhecida como (kixibo) cacimbo. É nessa última que mais se pratica a caça por meio de queimadas (uximika mwízo).

As grandes extensões de terras comunitári­as, incluindo as de caça, são, em teoria, "pertença" do soba/rei. O direito consuetudi­nário impõe limites geográ icos não muito tangíveis, mas inviolávei­s. Ninguém, sem autorizaçã­o do soba/rei, deve atear fogo ao capim para a prática da caça.

É o soba ou são os mais velhos da comunidade, competente­mente autorizado­s, a quem cabe delinear o programa de caças durante os três meses de tempo seco.

Antes de se fazerem ao mato para a caça colectiva, são preparados minuciosam­ente os instrument­os: la honji l'isongo ( arcos e flechas), l'ombwa ( cães), salamba ( cesto de junco para transporte de animais de pequeno porte e carne limpa), tubia/ tibia ( lume), lambala,( archotes), lungwa ( cone feito de malha metálica), mbwety/ ñondo ( cacetes), etc., bem como o roteiro. As instruções são passadas ao pormenor e o seu cumpriment­o é seguido à risca. Qualquer desvio pode, não só, perigar a vida dos caçadores, mas também fracassar a caçada. Para a operação, grandes espaços de capim seco são cercados e é ateado o fogo. A operação é feita de tal forma que os animais que se encontrem no espaço a arder tenham apenas uma escapatóri­a. Geral- mente áreas já queimadas, pequenas florestas, encostas de rios com pouca vegetação, etc. Terminada a queima do capim e com a ajuda de cães, arcos e flechas e outras armadilhas e artefactos, passa- se à procura dos animais que tenham escapado ao cerco.

Enquanto os mais velhos da comunidade se responsabi­lizam por apanhar os animais, os mais novos têm por missão carregá- los até ao local combinado para a limpeza e divisão. Por cada animal carregado, qualquer que seja o seu porte, um pedaço de carne era/ é destinado ao transporta­dor. Uma parte ( metade do animal) é/ era para o caçador e outra para os integrante­s da caçada que a repartem em pedaços mais ou menos iguais. Utona é o termo que se aplica ao acto de repartir os proventos da caça entre os caçadores.

Ao ( mwen'axi) "dono da terra" ( rei/ soba) ficam igualmente salvaguard­ados os seus direitos. Importante­s pedaços de carne vão ao "palácio real" ( zemba) para o seu consumo e dos visitantes da aldeia, pois é para lá que se dirigem aqueles que estejam de passagem e que não tenham família na aldeia.

Existe entre os Lubolu e Kibala outras formas de caçar. No período chuvoso ou impróprio para queimadas, usam- se armadilhas metálicos ( otwela), rudimentar­es como a pumba ( obolo/ indamba), laços ( nzomba) e ainda armas de caça. Aqui, sendo actos individuai­s, o produto da caça isenta- se de obrigações sociais, salvo para com o mwen'axi e familiares directos.

As armadilhas são normalment­e colocadas nos atalhos, por onde passam frequentem­ente os animais para os locais de alimentaçã­o e ou abebeirame­nto, ao passo que com as armas procuram- se igualmente por locais onde se possam encontrar animais que procuram por relva fresca ou água.

Lebres, pacas, seixas, veados, corças, nunces, palancas (castanhas), pacaças, raposas, cabras-de-leque, javalis, porcos-espinhos, canta-pedras mangustos e outras espécies são abundantes e, por isso, os mais caçados. Predadores como hienas, leões, leopardos, jacarés e onças também habitam a região. As carnes de moma ( jibóia) e de nguvo (hipopótamo) são igualmente apreciadas pelos ambundu do Kwanza-Sul. A onça (ongo), enquanto animal "sagrado", deve ser presente ao rei/soba da aldeia e com ele ica a pele, símbolo de poder.

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Capa do livro “Angola - No Visor da Máquina Fotográfic­a e da Carabina” de José Fenykovi
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