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Contos populares angolanos A Mariposa e as Asas de Txikungulo *

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sol chegou às terras entre Longa e Mavinga quando o Fogo teve pena dos rastejante­s e cegos que rasgavam trilhos nos areais. A primeira luz solar era tão intensa que ao dardejar nas pedras criou o Txikungulo, pássaro com cabeça de homem. Mas não tinha asas nem cantava, apenas soltava silvos: às vezes ais e suspiros. Para que um pássaro quer a vida se não tem asas para voar nem canto para amar? Era preciso um novo poder que aperfeiçoa­sse a obra moldada pelos raios luminosos à flor das pedras.

Txikungulo rastejou pelos areais e um dia, quando os raios de sol queimavam impiedosam­ente as suas penas, decidiu repousar à sombra de um imponente pau de Girassonde. Silvava e gemia, como um tristíssim­o bastardo da sorte. As abelhas casavam com Nhumbe, a essência do mel. E carregadas de pólen voavam até à colmeia, no ramo mais alto da árvore preciosa.

- Quando chegarei às alturas dos favos de mel, quando? Assim suspirava Txikungulo. Nas suas deambulaçõ­es entre Longa e Lupire, o pássaro com cabeça de homem encontrava as mais prodigiosa­s criações, mas nunca viu nos seus caminhos umas asas que lhe servissem e o elevassem às nuvens ou aos ramos mais altos das árvores. Percorreu matas e chanas, colinas e pântanos, desde Mavinga até às terras do Cuchi. Um dia, perto da aldeia de Chilandang­ombe, viu uma belíssima mariposa, batendo as asas pintadas, num voo suave e lento. Subiu, subiu, até aos ramos mais altos de uma gigantesca Mucibe, a árvore dos deuses. Era tão formosa, aquela mariposa!

Txikungulo quis cantar-lhe um hino à altura de tão sublime beleza, mas apenas soltou silvos agudos e gemidos abafados. Como a falta de asas pode causar tanta tristeza! Hipnotizad­o pelas cores da mariposa, decidiu enviar uma mensagem às alturas onde não chegavam os sons que soluçava. Fez uma lecha e construiu um arco. Apontou, disparou e acertou no coração da mariposa. Tinha acabado de nascer o Amor nas terras do Cuando Cubango. Dali foi levado para o Mundo, nas chamas do Fogo.

Mas a mariposa perdeu as cores e as asas, quando caiu a primeira chuva sobre a savana de Lupire. Assim despida e desasada, caiu morta no areal. A seguir ao Amor, nasceu a Dor nas imensas chanas que levam ao im do mundo. Desde então, Txikungulo acalentou ao peito as asas da sua amada.

Depois de muito sofrer e rastejar pelos areais, do Cuchi a Mavinga, o pássaro com cabeça de homem foi visitado pelo Fogo. E das chamas rubras que o envolveram num abraço paternal, nasceu um novo ser, com asas e penas vistosas. Da antiga cabeça nasceu um casal de Kassekele, a gente do porcoespin­ho, que criou o seu paraíso a Leste do rio Cubango.

Txikungulo, alado, aprendeu a aassobiar iníssimos sons e cantar as mais belas melodias de amor. Desde então fez ninho em todas as árvores dos deuses. O seu canto, quando está poisado num pau de Girassonde, é o mais belo sonho do mundo. Ou ouvi-lo, o feroz Leão ica tão manso como a Gunga, o Jacaré do Cuito adormece ao Sol e a Serpente transforma o veneno em mel.

Os Kassekele icaram em terra, à procura da água. Partiram em todas as direcções e quando chegaram às quedas do rio Cutato, nas Ganguelas, resolveram icar naquelas paragens, louvando o arco-íris que se formava das águas desprendid­as.

Ali cultivaram o tabaco, que trocavam por bois. As chanas em breve icaram repletas de massango e massambala. Tanta água e tanta comida abriram as portas à Felicidade. Os mais jovens regressara­m a Leste. Encontrara­m ferro para as lechas e minas de sal. Nunca mais saíram do seu chão. Nas cataratas do Cutato icaram os adoradores da água, a gente dos caranguejo­s, afamada de Mukuankala. Uns e outros são ilhos da Liberdade. Nunca izeram ninho e todos os caminhos são seu lar. África é ilha dos que nasceram da cabeça prodigiosa do Txikungulo, amado pai da dança e do canto. O deus maior. *Conto dos Khoisan recolhido na aldeia de Samaria

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Mariposa

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