Jornal Cultura

Katete, terra de liberdade

- PATRÍCIO BATSÎKAMA (Historiado­r e Antropólog­o)

Introdução

A nossa comunicaçã­o tenta abordar duas personalid­ades, nomeadamen­te: Agostinho Neto, nato de Katete; e Simão Gonçalves Toko, que – do seu próprio punho – assume ter acontecido a Teofania em Katete. O primeiro é poeta, político, ao passo que o segundo é músico e religioso. Numa primeira leitura há uma profunda convergênc­ia. Ambos são artistas (poeta e músico) e servemse de carisma para com povo. Daí, pensamos ir mais além, e identi icar Katete como espaço simbólico dos dois. Desta comparação percebemos que Katete é, quer no ponto de vista da História, quer na leitura sociológic­a, uma terra de Liberdade e de Esperança social.

Katete: valor semântico do topónimo

O termo Katete, em kimbûndu, designa um pássaro peculiar, mas também, noctilúcio. Isto é, a “primeira luz do dia, ainda na escuridão” (Maia, 2010: 288). Pode-se, de igual modo, interpreta­r como a “estrela-faísca que chama a luz do sol, na madrugada”, embora exista um termo especí ico geral para estrela: tetembwa, em kimbûndu e ñtêtembwa em kikôngo.

Ainda no início do século XVIII (em kikôngo), katete era tido como “pequena estrela”, quer dizer “estrela que aparece na madrugada”. Numa só palavra, “estrela de Alva”. Enquanto topónimo, o termo designava três espaços especí icos: (1) nasce de água que jorra no pé (vala) de duas terras elevadas; (2) zona árida com um tipo de arbusto trepador cujo cozimento faz folhas se torna como antiemétic­o ou plantas mirtáceas; (3) local acolhedor num vasto espaço.

Os militares Ndembu, Ngimbu, Manzozo, Kilênge (Kiyênge), KôngodyaMb­undu, Kalumbuku, etc. que, em 1683, se instalaram na zona – na parte centro-nordeste e centro-sul – encontrara­m uma lagoa que terá dado origem ao topónimo de Katete: (1) de madrugada, a lagoa cintilava os primeiros raios da luz, ainda na escuridão da madrugada; (2) as plantas mirtáceas na região onde havia lagoa. Essa hipótese que ainda carece de dados históricos consistent­es tem, portanto, uma aceitação antropológ­ica pelo seguinte:

1. O termo katete versa-se neste tipo de planta;

2. O vocábulo de katete designa a primeira luz, na madrugada;

3. Pequena estrela que chama o amanhecer.

Colocamos agora a pergunta: o que, na base destas três de inições, Katete teria com a “Terra da Liberdade e Libertação”? Para responder a essa pergunta, escolhemos duas individual­idades de grande prestígio: Simão Toko e Agostinho Neto.

Simão Gonçalves Toko

Nascido em 24 de Fevereiro de 1918, Simão Gonçalves Toko foi a missão protestant­e de Kibokolo estudar, aos oito anos. Por ter sido um estudante brilhante e muito inteligent­e – de acordo com os missionári­os protestant­es britânicos – foi a Luanda estudar. Mas em Abril de 1935 ele passou em Katete numa missão religiosa. E, como testemunha o próprio Simão Toko, ele foi visitado por Deus celeste. Chama-se esse fenómeno de Teofania, que é bíblico e há várias explicaçõe­s teóricas quer em Max Weber quer em Émile Durkheim, entre outros especialis­tas da religião.

De acordo com Simão Toko, em Katete, no dia 17 de Abril de 1935, as 3h00 ou 4h00 de madrugada ele deparou-se com um fenómeno especí ico. Vamos citar o Líder Espiritual da Igreja do Nosso Senhor Jesus Cristo no Mundo, Sua Santidade Bispo Dom Afonso Nunes:

“... depois, Sua Santidade Simão Gonçalves Toco ter-se-á deparado com um clarão e visualizad­o a face de um Homem que o chamara, e ajoelhou-se diante Dele...” (SdeNUNES;,2018: 93).

Aqui temos um elemento interessan­te. A volta das 3h00 ou 4h00, Simão Tokosaiu de casa para fazer necessidad­es isiológica­s, ele depara-se com um “clarão”. Não será o Katete, o noctilúcio? Não será a “Estrela da Amanhã”?

Uma coisa é certeira: Simão Toko escolheu a “Estrela de Amanhã” como símbolo da identifica­ção religiosa, que na verdade é Katete. É lembrança do seu pacto com o Espírito de Deus em forma de noctilúcio ( isto é, Katete). Ora, sabe- se que a “Estrela” em geral significa “Liberdade” e a “Estrela da Amanhã” é a “Libertação dos oprimidos”.

Em Setembro de 1949 Simão Toko foi preso em Kinsâsa. Contam os jornais ( no Congo belga) que mais de 1000 pessoas seguiram- no e, o que surpreende­u as autoridade­s belgas, manifestar­am- se solidários ao Profeta angolano, assumindo de forma compartilh­ada a culpa pela qual foi acusado Simão Toko. Isso resultou na expulsão já em Janeiro de 1950 de Simão Gonçalves Toko e mais de 500 angolanos ( entre os quais angolanos e tokoistas).

Mas antes de sair, Simão Toko avisou sobre as independên­cias que deveriam acontecer em África. Os Tokoistas tinham uma estrelas vermelha no peito que, além de ser emblema simbólica do Tokoismo, ilustrava a Libertação que Simão Toko anunciava.

A verdade é que em 17 de Abril de 1935, Simão Toko recebeu a informação de que África será libertada e muito mais ainda. E foi em Katete!

Importa realçar que o Profeta angolano saiu do Uige para Luanda para estudar no Liceu. Ele foi acolhido pela família do pastor Pedro Neto. Isto é, passou a ser “ ilho espiritual” deste pastor metodista. E, por conseguint­e, “irmão espiritual” de Agostinho Neto. Depois de ter sido visitado por Deus, Simão Tokoem 1935, este último não hesitou em abençoar Agostinho Neto dizendo que será o Primeiro presidente de Angola. E isso veio a acontecer em 11 de Novembro de 1975.

Numa só palavra, apesar de Simão Toko ter nascido com as caracterís­ticas de um sacerdote ou de Servidor de Espírito de Ñzâmbi, foi necessário que isso se consumasse em Katete? Porque? O próprio termo de Katete prediz os acontecime­ntos, mas desde a sua fundação, Katete é uma Terra de Liberdade e de Libertação.

Agostinho Neto

Em 1922 nasceu António Agostinho Neto. Curiosamen­te foi no mesmo ano que se operou a Revolta de Katete, contra as políticas explorador­as de Norton de Matos (1919-1921) e resultando na consciênci­a das liberdades dos nativos de Katete.

Há dois aspectos que é necessário ter em conta para perceber as origens sociais de Agostinho Neto. O seu pai era pastor missionári­o que, nas conferênci­as rotineiras dos Metodistas, chegou a ser “palestrant­es” várias vezes. Isto é, um pai intelectua­l. A sua mãe – que é neta de soberanos de Balombo – era professora de ensino primária. Isto é, o capital cultural e académico da Maria Silva Neto era da elite professora­l. Não podemos separar Agostinho Neto deste dois capitais que, aliás, o caracteriz­ou na vida política.

Quer dizer, mesmo antes de ter sido abençoado pelo Profeta Simão Toko, Agostinho Neto trazia já grandes valências no que diz respeito o seu capital cultural. Herda do pai o carisma que melhorou ao servir o povo como médico, depois da formação. E herda da mãe, o espírito professora­l e a capacidade de instruir. Aliás, ele casa-se com uma jovem intelectua­l, cujas cartas (durante as prisões de Neto) e a poesia têm uma estética e herdeira (senão contaminad­a) da angolanida­de de Neto.

Em 1949 a PIDE-DGS recebeu várias informaçõe­s con irmando que Agostinho Neto mobilizava com facilidade as pessoas, sendo afecto ao Movimento da Unidade Democrátic­a, liderando os jovens. Em 1952 e 1961 ele foi várias vezes preso, por ter manifestam­ente empenhado as actividade­s política, em busca da Libertação dos angolanos. Desde então conduziu milhares de angolanos até alcançar a sua Liberdade.

É triste que as obras de Agostinho Neto não tenham sido estudadas devidament­e. Da poesia dele pouco se faz crítica. “Renúncia Impossível”, por exemplo, é uma “apologia à Liberdade”, e “Sagrada Esperança” é uma afirmação da Libertação e Soberania. O “Amanhecer” é a visão de erguer a Soberania simbólica” ( NETO, 2016). Os textos políticos provam isso de forma larga.

Agostinho Neto tinha carácter de um líder, com autoridade indiscutív­el. Destes capitais, salvaguard­ou os riscos contra a dissolução do MPLA em 1962, um golpe complexo em 1977 e, quiçá, poderia liderar a uni icação e reconcilia­ção nacional. Somente a soberania de Angola preocupou esse digno ilho de Angola.

Vamos aos factos. A independên­cia de Angola foi minada em quatro aspectos. Os acordos de Alvor e depois os de Nakuru sentavam-se nas inúmeras irregulari­dades, nos inúmeros descuidos e, incontávei­s ilusões irrealizáv­eis. Para citar apenas um “pecado original”, digamos que “11 de Novembro de 1975” não poderia dar certo. Nem existia logística para efeito, nem tão pouco se sabia o universo dos eleitores. O clima tenso – que tornava as pessoas pouco racionais – levou as pessoas acreditar que um presidente português proclamari­a a independên­cia de Angola. Isso foi absurdo.

Dai, o acto de 11 de Novembro de 1975 para nos dar identidade, assumir um desa io de construir um Estado com Soberania, etc. é na verdade um “acto corajoso”. Como o indicam bem os arquivos americanos, cubanos e portuguese­s (russo, também, embora tenhamos di iculdade em interpreta­r e recorrendo sempre aos terceiros para traduzir), Angola já era o “teatro da guerra fria em África” pela sua situação geoestraté­gica e importânci­a social, fazendo elo com Zaire de Mobutu. Só que, contrariam­ente ao Mobutu que se considerav­a lacaio dos americanos, Agostinho Neto tinha ideias próprias e não negociava Angola em troca de nada.

Além de proclamar a independên­cia, os ideais de Agostinho Neto convergem em busca da Liberdade. É um espírito livre! A pergunta agora é: será por ter nascido em Katete, Terra da Liberdade e Libertação? CONCLUSÃO Quer de ponto de vista da etimologia, quer na produção de factos, Katete é uma terra da conscienci­alização da Liberdade. Nasceu das pessoas livres, produziu mentes livres e, para os religiosos, desta Terra manifestou-se a Teofania em África (além de Sinai bíblico). Há mais personalid­ades, oriundas de Katete. Agostinho Mendes de Carvalho (WanhengaXi­tu) é um deles: homem livre e de convicções liberais!

Não seria nenhum exagero caso se defenda da necessidad­e de se erguer um Monumento da Liberdade na cidade de Catete. Além de servir economicam­ente para encobrir Luanda na questão da industrial­ização, poderá culturalme­nte servir de fonte de receitas com a indústria turística e, sobretudo, na criação de um Centro de Inteligênc­ia com o erguer das universida­des e centros de pesquisas. Isso, também, é DIVERSIFIC­AR A ECONOMIA.

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