Entre o fim da farda e o desafio das Autarquias
VáriCarlos Feijó consegue a atenção da sala. Dezenas de anciões e jovens, que constituem membros e representantes de diversas autoridades tradicionais do país, ouvem atentamente as explicações sobre a coabitação destes no Estado moderno. Primeiro prelector a intervir, o jurista Carlos Feijó explica teorias di íceis, mas se mantém distante do que os reis e sobas pretendem ouvir: como icará o seu papel com a institucionalização das autarquias. E Esteves Hilário consegue. O jurista, docente na Universidade Católica de Angola, é categórico: "A Autoridade Tradicional deve continuar a ter o seu importante papel na resolução de problemas da comunidade", diz. "As autarquias vão simplesmente respeitar esse domínio estabelecido há séculos". As palavras do jovem jurista soam como música aos ouvidos dos anciões e leva aplausos. Seguir- seiam três fortes salvas de palmas em ocasiões diferentes, tendo sido o único a consegui-lo.
Esteves Hilário revela que tem estado a trabalhar em questões como casamento e julgamento tradi
cionais no Bailundo e que, em diversas ocasiões, contou com os esclarecimento de Armindo Francisco Kalupeteca, Rei Ekuikui V do Bailundo. "Tudo isso para explicar que há um importante papel das Autoridades Tradicionais que se deve manter e nem sequer precisa de um reconhecimento".
Apesar de não ter merecido os aplausos da plateia, Carlos Feijó não esteve distante da visão de Esteves Hilário, já que defende um Estado moderno na perspectiva africana, aliás, uma realidade que se vive em Angola com a coabitação das Autoridades Tradicionais. "O princípio de Estado Democrático e de Direito admite a pluralidade organizações", diz. Mas alerta: há que ter cuidado com as tradições inventadas ou autoridades tradicionais inventadas, numa alusão à sua proliferação, bastante referida no encontro. "Aqui está o cerne da questão da legislação que vai ser feita", diz Carlos Feijó, referindo- se à apresentação da Proposta de Lei sobre as Autoridades Tradicionais", que viria a ser apresentada pelo quadro do Ministério da Cultura, Aguinaldo Cristóvão, e que mereceria contribuições de diversos participantes.
Carlos Feijó diz que é necessário saber quem são as autoridades tradicionais que, com base na Constituição, foram realmente estabelecidas no Direito Consuetudinário. E faz "mea culpa". "É preciso ainda rever aquilo que nós próprios izemos no período Pós-Independência, em que nomeámos e politizámos Autoridades Tradicionais", reconhece. "E parece que ainda não abandonámos isso", diz, acrescentando que isso veio facilitar o crescimento desenfreado. Como exemplo, Feijó, que nasceu e cresceu no Cazenga, diz que durante até pelo menos os seus 25 anos não havia qualquer Autoridade Tradicional. "Precisamos de coragem para travar isso". Num outro ponto, diz mesmo que o Estado não deve ter a obrigação de as inanciar, estas devem procurar os seus meios. O jurista lembrou que em 2010, enquanto ainda ministro de Estado, o país gastava à volta de 100 milhões de dólares do OGE para autoridades tradicionais, muitas delas sem nenhuma legitimidade segundo o direito costumeiro.
Já o historiador Cornélio Caley, assessor do Ministério da Cultura, depois de discorrer sobre a relação do Estado e as Autoridades Tradicionais, defende que as duas organizações "estão irmanadas no campo da História". E o futuro?, questiona. "Considero que as Autoridades Tradicionais, pelo decurso do tempo, elas já estão envolvidas no Estado moderno", diz. "Devemos apostar agora é no conhecimento cientí ico, na formação, de modo que, o herdeiro do rei, não seja somente candidato na linhagem tradicional mas igualmente à autarquia ou à Presidência da República", esclarece. E categoricamente, atira: "Angola já não tem o sentido de restaurar reinos".
A antropóloga Ana Maria de Oliveira, a quem coube a apresentação de um estudo que mapeou e caracterizou a governação local, recomendado pelo então Ministério da Administração do Território, apresentou dados sobre o crescimento das Autoridades Tradicionais desde 2014, altura em que a equipa iniciou os trabalhos de campo.
A também consultora do Presidente da República explica que o papel das Autoridades Tradicionais, de acordo com as populações ouvidas em todo país, vê-se sobretudo na defesa dos interesses das comunidades junto das instituições do Estado. São ainda chamadas a desempenhar tarefas como a mobilização da população quando se registam visitas, mobilização para saneamento básico, vacinação, entre outras.