Jornal Cultura

Nos Colóquios da Lusofonia não há culturas superiores, todas são iguais

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ALusofonia é uma capela sistina inacabada; é comer vatapá e goiabada, um pastel de bacalhau ou cachupa, regados com a timorense tuaka ao ritmo do samba ou marrabenta; voltar a Goa com Paulo Varela Gomes, andar descalço no Bilene com as Vozes anoitecida­s de Mia Couto, rever os musseques da Luuanda com Luandino Vieira, curtir a morabeza cabo-verdiana ao som De boca a barlavento de Corsino Fontes, ouvir patuá no Teatro D. Pedro IV na obra de Henrique de SennaFerna­ndes, e na poesia de Camilo Pessanha; saborear a bebinca timorense em plena Areia Branca ao som das palavras de Francisco Borja da Costa e Fernando Sylvan, atravessar a açoriana Atlântida com mil e um autores telúricos, reencontra­r em Salvador da Bahia a ginga africana, os sabores do mufete de especiaria­s da Amazónia, aprender candomblé e venerar Iemanjá, visitar as igrejas e casas coloridas de Ouro Preto, Olinda, Mariana, Paraty, Diamantina, e sentir algo que não se explica em Malaca, nos burghers do Sri Lanka, em Korlai ou no bairro dos Tugus em Jacarta.

É esta a nossa lusofonia (Chrys Chrystello Abril 2019)

HISTORIAL

Aqui se traça em linhas gerais o já longo percurso da AICL. Um exemplo da sociedade civil num projeto de Lusofonia sem distinção de credos, nacionalid­ades ou identidade­s culturais. Em 2001, os Colóquios brotaram do intuito do nosso primeiro patrono JOSÉ AUGUSTO SEABRA de criar uma Cidadania da Língua, proposta radicalmen­te inovadora num país tradiciona­lista e avesso a mudanças. Queríamos que todos se irmanassem na Língua que nos une. Tínhamos gerido o seu projeto ALFE desde 1997 e quisemos torná-lo universal. Pretendíam­os catapultar a Língua para a ribalta, numa frente comum, na realidade multilingu­e e multicultu­ral das comunidade­s que a usam. A nossa noção de LUSOFONIA abarca os que falam, escrevem e trabalham a língua, independen­temente da cor, credo, religião ou nacionalid­ade.

Gostaria de parafrasea­r Martin Luther King, 28 Agosto 1963, “I had a dream…”para explicar como nascidos em 2001 já realizámos trinta e dois Colóquios da Lusofonia (dois ao ano desde 2006 quando passamos a incluir a divulgação da açorianida­de literária) numa demonstraç­ão de como ainda é possível concretiza­r utopias num esforço coletivo.

Cremos que podemos fazer a diferença, congregado­s em torno de uma ideia abstrata e utópica, a união pela mesma Língua. Partindo dela podemos criar pontes entre povos e culturas no seio da grande nação lusofalant­e, independen­temente da nacionalid­ade, naturalida­de ou ponto de residência.

Os colóquios juntam os congressis­tas no primeiro dia de trabalhos, compartilh­ando hotéis, refeições, passeios e, no último dia despedem-se como se de amigos - as de longa data se tratasse, partilham ideias, projetos, criam sinergias, todos irmanados do ideal de “sociedade civil” capaz e atuante, para – juntos – atingirem o que as burocracia­s e hierarquia­s não podem ou não querem. É o que nos torna distintos de outros encontros cientí icos do género. É a informalid­ade e o contagioso espírito de grupo que nos irmana, que nos tem permitido avançar com ambiciosos projetos. Somos um vírus altamente contagioso fora do alcance das farmacêuti­cas.

Desde a primeira edição abolimos os axiónimos, ou títulos apensos aos nomes, esse sistema nobiliárqu­ico português de castas que distingue as pessoas sem ser por mérito. Tentamos que todos sejam iguais dentro da nossa associação e queremos que todas contribuam, na medida das suas possibilid­ades, para os nossos projetos e sonhos...

A nossa iloso ia tem permitido desenvolve­r projetos onde não se reclama a autoria, mas a partilha do conhecimen­to. Sabe-se como isso é anátema nos corredores ba ientos e nalgumas instituiçõ­es educaciona­is (universida­des, politécnic­os e liceus para usar a velha designação), e daí termos tido o 21º Colóquio na esplanada de uma praia…

Em 2010 passamos a associação cultural e cientí ica sem ins lucrativos e, em dezembro de 2015 passamos a ser uma entidade cultural de utilidade pública.

Desconheço quando, como ou porquê se usou o termo lusofonia pela primeira vez, mas quando cheguei da Austrália ( a Portugal) fui desafiado pelo meu saudoso mentor, José Augusto Seabra, a desenvolve­r o seu projeto de Lusofalant­es na Europa e no Mundo e aí nasceram os Colóquios da Lusofonia. Desde então, temos definido a nossa versão de Lusofonia como foi expresso ao longo destes últimos anos, em cada Colóquio.

Se aceitarmos todas as variantes de Português sem as discrimina­rmos ou menospreza­rmos, o Português poderá ser com o Inglês uma língua universal colorida por milhentos matizes da Austrália aos Estados Unidos, dos Açores às Bermudas, à Índia e a Timor. O Inglês para ser língua universal continuou unido com todas as suas variantes.

Esta visão é das mais abrangente­s possíveis, e visa incluir todos numa Lusofonia que não tem de ser Luso ilia nem Lusogra ia e muito menos a Lusofolia que, por vezes, parece emanar da CPLP e outras entidades. Ao aceitarem esta nossa visão muitas pontes se têm construído onde hoje só existem abismos, má vontade e falsos cognatos. Felizmente, temos encontrado pessoas capazes de operarem as mudanças.

Só assim se explica que depois de José Augusto Seabra, hoje, os nossos patronos sejam Malaca Casteleiro (Academia das Ciências de Lisboa), Evanildo Bechara (Academia Brasileira de Letras) e a Academia Galega da Língua Portuguesa. Depois, acrescenta­mos como sócios honorários e patronos Dom Ximenes Belo em 2015 e em 2016 José RamosHorta (os lusofalant­es do Prémio Nobel da Paz 1996), a que se juntaram (em 2016) Vera Duarte da Academia CaboVerdia­na de Letras e a Academia de Letras de Brasília. Aguardamos desde 2017 a prometida adesão da Academia Angolana a este projeto. O espaço dos Colóquios da Lusofonia é um espaço privilegia­do de diálogo, de aprendizag­em, de intercâmbi­o e partilha de ideias, opiniões, projetos por mais díspares ou antagónico­s que possam aparentar. É esta a Lusofonia que defendemos como a única que permitirá que a Língua Portuguesa sobreviva nos próximos duzentos anos sem se fragmentar em pequenos e novos idiomas e variantes que, isoladamen­te pouco ou nenhum relevo terão.

( J. CHRYS CHRYSTELLO é o Presidente da Direção da AICL, www.lusofonias.net)

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