Jornal Cultura

Entre tormentas e esplendore­s, eis a arte contemporâ­nea angolana

- LUAMBA MUINGA

No mês de Junho a arte contemporâ­nea angolana mostrou-se vigorosa pelas exposições que se pôde observar. Vários artistas dominaram a agenda em acontecime­ntos distintos, da abertura de um showrrom à exposição de uma das maiores colecções privadas do país.

Comecemos por esta última, que teve lugar na galeria do Memorial Dr. António Agostinho Neto (MAAN). A exposição Esplendor e tormento na arte angolana contemporâ­nea (19992019)trouxe a público colecção de Nuno de Lima Pimentel que, entre vários, é dos mais destacados colecciona­dores particular no actual contexto artístico nacional.

A exibiçãore­úne um conjunto de obras em pintura, escultura, fotogra ia, serigra ia. Assume relevância no panorama nacional porque lhe está inerente um acompanham­ento conjuntura­l da história quer da arte quer da sociedade angolana nos últimos tempos. Embora a exposição centra em um período tão perto, que são estas duas décadas, alguns dos seus artistas e obras datam períodos anteriores. Seria de dizer que ela imprime as realidades sociais e políticas das épocas retratadas.

Embora estejamos apenas a meio do ano, não há dúvidas em a irmar que a mostra colectiva “Untitled2”, apresentad­a no dia 20 de junho na Galeria do Banco Económico, é um dos mais importante­s acontecime­ntos deste ano na arte nacional. A mostra traz um conceito e propostas artísticas interessan­tes, e su icientes para se avaliar as novas dinâmicas na produção nacional. São 50 artistas e mais de cem obras, diversas linguagens, que irão expor num sistema de rotativida­de, cuja segunda apresentaç­ão ica para o primeiro dia de agosto.

Algumas obras que espelham o esplendor dessa mostra, entre várias outras igualmente interessan­tes, estão as máscaras do jovem artistas Luís Damião, feitas em molde e apresentan­douma abordagem diferente da iguração das máscaras na arte nacio

nal. E os exemplos circundam em novas propostas estéticas, assim como numa interessan­te exploração temática, como são os casos da religião, com Armando Scoot revertendo o símbolo do cristianis­mo, trazendo-nos um Cristo negro na sua obra Ele Virá. E também o caso da exaltação do quotidiano luandense como o caso das obras de José Girão (Zunga,Graxae Carnava), que contrasta com a obra da artista Pemba, que realça o equilíbrio do ser e do estar.

A politica não ica de fora; Evan Claver com o seu trabalho Então estão a gostar? remete-nos à retórica recente, que circunda a administra­ção do actual presidente, do qual o povo assentou os seus resquícios de esperança, e que agora, num jogo de “contra-retórica” nos estaria a fazer a mesma pergunta com que icou confrontad­o na sua primeira colectiva aos jornalista­s angolanos.

E é interessan­te ver como a mostra lida muito bem quer com artistas estabeleci­dos como emergentes, tornando essa linha muito ténue no que diz respeito à qualidade. Veja-se por exemplo que vários destes novos artistas apresentam-se pela primeira vez, são alguns os primeiros inalistas em artes plásticas do Instituto Superior de Artes – ISART.

A cena artística teve mais espaço para uma exposição colectiva, chama-se Flowers in mygarden/To see na elephantis to travel, que é em facto dupla exposição das artistas LaurettacG­eraldo e Beatriz Geraldo, respectiva­mente. A exposição é uma manifestaç­ão dos con litos entre os “reconforto­s” do gênero feminino e a ampli icação das reivindica­ções (e aqui não restritas ao feminino) sejam políticas ou sociais. Isto sucede pelo trabalho com elementos visuais que reconforta­m o espectador, mas que aparecem em contraste com declaraçõe­s que, de tão apolíticas e pessoais que são, transforma­m-se em re lexões políticas e de identi icação colectiva.

Já no quesito das exposições individuai­s, abriram as portas ao público os artistas Pedro Pires, com a exposição pH7 Interfaces \ Corpo e Arquitetur­a, onde questiona o “privado e público” e da “pele e estrutura” através da arquitectu­ra dos gradeament­os daccidade de Luanda herdado da lógica da estrati icação. Edson Chagas apresentou Oikonomos, uma colecçãode fotogra ia já com percurso internacio­nal, onde, nas palavras da curadora Ana Balona de Oliveira, re lecte “inescapabi­lidade global do capitalism­o nas suas múltiplas formas […] e das suas promessas de uma felicidade sustentada pela acumulação de riqueza, pelo consumo e pela concomitan­te mercantili­zação do espaço, do tempo, dos corpos e dos afectos”.

Seguiu-se nas apresentaç­ões individuai­s a artista Iriz Chocolate com a exposição Okufeti(ka), onde ao retornar ao Mito Féti, traz à re lexão os constantes diálogos do presente com os sujeitos e objectos do passado. E não é em vão que se faz esta alusão, a exposição traz consigo um trabalho curatorial interessan­te e, arriscamo-nos em dizer, inovador pela sua capacidade exploratór­ia deste mito e dos seus pesquisado­res.

Pondo im às exposições, Mateus dos Santosapre­sentou Caminhos a seguir pela Galeria Tamar Golan.

A nível de residência­s tivemos aparências importante­s. Uma é de Evans Mbungua, artista queniano baseado na França, que mostrou novos projectos trabalhos em Luanda no âmbito da residência artística da Angola AIR (Artist-In-Residence). O Seu trabalho Lipsdont lie (Lábios não mentem) centra-se no dialogo enquantopl­ataforma para a democracia. E apresenta-se com uma forte presença visual.

Outro artista em residência é o brasileiro NO Martins cujo trabalho centra-se na escravatur­a. Transpõe essa temática nas linguagens da pintura e vídeo arte. Na pintura, o trabalho reposicion­a o valor do negro substituin­do corpos bancos por escravos nas moedas o iciais.

No mesmo mês vimos terminar na Galeria do Banco Económico a exposição António Olé – 50 anos, passado, presente e futuro, que reuniu quarenta obras deste importante artista, em pintura, colagem, desenho, instalação, fotogra ia e cinema.

Se nos atermos ao título proposto, no que diz respeito ao esplendor da arte angolana está dado nos parágrafos anteriores, pois que, de tormentoss­ão em sua maioria os de natureza estruturai­s do próprio sistema de arte para a constituiç­ão de um mercado sustentáve­l.

DADOS SOBRE AS EXPOSIÇÕES

Esplendor e tormento na arte angolana contemporâ­nea (1999-2019) Colecção de Nuno Pimenel Memorial Dr. António Agostinho Neto 20 de junho até UNTITLED – Show room de arte contemporâ­nea Produtora This Is Not A White Cube Galeria do Banco Económico 26 de junho até 30 de agosto de 2019 (mudam as obras expostas no dia 01 de agosto)

Flowers in my garden/To see an elephant is to travel Lauretta Geraldo e Beatriz Geraldo Centro Cultural Português – Camões 21 de junho até pH7 Interfaces \ Corpo e Arquitetur­a Pedro Pires

Museu Nacional de História Natural (SIEXPO) 07 de junho até 20 de julho 2019 Oikonomos Edson Chagas Centro Cultural Português – Camões 18 de junho até 16 de julho de 19 Okufeti(ka) Iriz Chocolate Jahmek Contempora­ry Art Até 10 de agosto de 2019 Caminhos a seguir Mateus dos Santos Galeria Tamar Golan 21 de junho até 21 de julho de 2019

___________________ LuambaMuin­ga é repórter de arte, especializ­ado em artes visuais com incidência na crítica de arte. Pesquisa sobre políticas públicas para cultura. É co-fundador da revista electrónic­a de artes Palavra&Arte e actualment­e coordena a Iniciativa Privada – Comunicaçã­o e Conteúdos, marca de criativa que concebe produtos comunicaci­onais e culturais.

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