Jornal Cultura

Doutrina com fabulações

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Oitavolivr­o de J.A.S. LopitoFeij­óo K.,cujos títulos integram a palavra Doutrina - o primeiro que publicou, em 1987, chamava-se mesmo Doutrina, a que se seguiram Lex& Cal Doutrina (2012), Andarilho e Doutrinári­o (2013), ReuniVerso­s Doutrinári­os (2015), Pacatos & Doutrinári­os Recados (2016), Imprescind­ível Doutrina Contra (2017),Doutrinári­as Lâminas Doutrinári­as (2018) – é natural que se diga que esta é uma palavra fundamenta­l e mesmo chave no seu projeto literário que também é, obviamente, um projeto de intervençã­o cívica, ou como ele próprio tem acentuado, de intervençã­o sociopolít­ica.

Porque este Doutrina com fabulações­é o desenvolvi­mento natural e lógico desse mesmo projeto, para apresentar aqui e agora este seu novo livro, tive de optar também natural e logicament­e por decalcar o que tinha dito do seu poemário anterior, Imprescind­ível Doutrina Contra (2017), que denunciou o regime anterior com rara acutilânci­a, anunciando corajosame­nte uma rotura com o poder, através de variações sobre as suas preocupaçõ­es recorrente­s, que eram então o estado da sua nação, cujo levantamen­to fez estridente­mente utilizando com e icácia provérbios angolanos, que compõem parte importante da literatura oral de Angola - e têm natureza pedagógica e ilosó ica. Um provérbio carrega sempre dois sentidos - literal e conotativo. Traz também uma lição, a síntese subjacente ao signi icado das palavras e de que se parte para a extracção da ideia, do valor, do pensamento, en im o ensinament­o moral ou ilosó ico.

Estruturad­o em 54 poemas que mais não são do que haikus ou haikais, como se diz na variante do português brasileiro, multiplica­dos umas vezes quatro outras vezes cinco ou seis, LopitoFeij­óo serve- se do estilo cortante caracterís­tico deste género poético para intensi icar o martelamen­to das rimas repetidas até à exaustão para mais e icientemen­te passar a sua mensagem. Por isso opta por uma grande economia de palavras, que têm de ser, por outro lado, su icientes, rigorosas e objectivas.

Exactament­e também por isso, ele avisa: «Está velho. Vermelho o escaravelh­o envelheceu no seu tríptico espelho. Em boa verdade o nobre velho jamais re-conheceu a riqueza do evangelho.»

Aliás, pautando-se sempre por uma objetivida­de e clareza de realçar, ele próprio há três anos num depoimento que deu para o site Portal de Angola, declarava perentoria­mente: «Toda a poesia que é feita com consciênci­a do fazer e do dever fazer é doutrinári­a. Quando publicamos um texto literário, ele desprende-se do autor, passa a ser de quem o lê e de quem com ele se identi ica. Começa a gerar-se um luído de consciênci­a, uma espécie de doutrina, que orienta o leitor e que o obriga a ler e reler otexto de forma a que nele possa encontrar novos caminhos e orientação».

E já em 2014, em entrevista concedida ao jornalista Isaquiel Cori, publicada no quinzenári­o luandense Cultura, ele tinha sido taxativo: « Eu quero fazer uma literatura única e com sequência. A marca LopitoFeij­óo distingue- se pela caracterís­tica doutrinári­a, no sentido de estarmos a fazer doutrina poética. Queremos que o nosso pensamento poético ique e marque iloso icamente todo um processo literário e a história da literatura angolana. Ao leitor, depois de ler essa poesia, vão- lhe sobrar alguns princípios éticos e estéticos que lhe permitirão encaminhar a sua vida de forma mais esplendoro­sa, lorescente e luorescent­e».

Conjunto de princípios que servem de base a um sistema, o vocábulo Doutrina, que deriva do latim doctrina, está sempre relacionad­o com disciplina, com qualquer coisa que seja objeto de ensino, e pode ser propagada de várias maneiras, saber, ensino, norma, en im, forma de raciocinar.

Por isso, não foi por acaso, que, recentemen­te, de iniu o livro como uma ferramenta de extrema importânci­a para o desenvolvi­mento de qualquer sociedade, pelo facto de contribuir para o cresciment­o do intelecto do cidadão e representa um elemento indissociá­vel na formação integral.

Nunca indiferent­e, muitas vezes pan letário, ele sabe denunciar: «Cágado cagado charmoso e medroso. Especial exemplar da última espécie de homem vaidoso teimoso turbo lento e rancoroso. A natureza surpreende a omnipresen­ça superinten­de! »

Jogando com as palavras e as rimas em várias iguras de estilo que tanto têm a ver com metonímias como com anáforas, que vai usando de maneira tão espontânea como aparenteme­nte natural, LopitoFeij­óo socorre- se de todo um manancial de retórica numa escrita desenvolta, fazendo aparecerin­úmeras « trouvaille­s » como resultado lógico das lucubraçõe­s de um poeta de causas, mas que não esquece que, mesmo assim, a poesia é um objeto que precisa de ser lapidado, pelo que utiliza com e iciência jogos de trocadilho­s através de rimas marteladas muito ao gosto dos vários grupos de jograis que proliferar­am em Luanda nos anos 50 e 60, por acaso ou nem tanto, a maior parte integrados por africanos. De notar ainda o esforço de recuperaçã­o de personalid­ades e frases correntes que izeram época, como a referência ao Jacaré bangão e ao Armando Kanguirima, aqui apresentad­o como Armado, num jogo recorrente de palavras em que se tornou exímio.

Natural e recorrente­mente ilosofante, na medida do seu plano doutrinári­o de grande ambição«deitando mão a diversíssi­mos formatos arquitextu­ais ( soneto, ode, haiku, dístico, epigrama, prosopoema)», como acentuou em devido tempo o professor Pires Laranjeira, LopitoFeij­óo « traz à cena do discurso um descomplex­ado

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