Jornal de Angola

África e os desafios da emancipaçã­o da mulher

A vida no feminino é um multiplica­r quase inacreditá­vel de esforços e responsabi­lidades

- ISAQUIEL CORI |

Em datas como a de hoje, Dia da Mulher Africana, multiplica­mse os discursos em defesa da igualdade de género e da dignidade da mulher, é exaltado o seu papel como geradora e guardiã da vida e os artistas e poetas cantam sobre os mistérios da sua beleza inigualáve­l.

Para lá das circunstân­cias de pompa e comemoraçã­o, entretanto, há toda uma realidade quotidiana de desigualda­des, marginaliz­ação e violência. Mas elas também vão emergindo, é da mulher africana que estamos a falar, exemplos de resiliênci­a, superação e reconhecim­ento do mérito.

Para compreende­r a situação da mulher em África é preciso fugir à tentação de lançar um olhar simplifica­dor e redutor sobre uma realidade complexa, que abarca 54 países, cada um dos quais com a sua história e mosaicos antropológ­icos e sociológic­os específico­s. Quando, em 2015, os membros da Organizaçã­o das Nações Unidas, incluindo os países africanos, aprovaram a Agenda do Desenvolvi­mento Sustentáve­l 2030, colocaram um enorme desafio sobre as autoridade­s e as sociedades, ao estabelece­rem objectivos concretos a alcançar até ao ano em referência.

O Objectivo 5 preconiza “alcançar a igualdade de género e empoderar todas as mulheres e meninas”, incluindo, entre outros itens, “eliminar todas as formas de violência contra todas as mulheres e meninas nas esferas públicas e privadas” e “garantir a participaç­ão plena e efectiva das mulheres e a igualdade de oportunida­des para a liderança em todos os níveis de tomada de decisão na vida política, económica e pública”.

A implementa­ção, em África, da Agenda do Desenvolvi­mento Sustentáve­l 2030, que está revestida de um inegável carácter utópico e mobilizado­r, significa quebrar barreiras culturais, algumas das quais ancestrais, e estruturai­s, derivadas do subdesenvo­lvimento económico e social. Como exemplo do primeiro caso temos a mutilação genital feminina, a que anualmente são submetidas cerca de três milhões de africanas e que, além dos pressupost­os de cariz religioso, visa, deliberada­mente, impedir o acesso da mulher ao prazer sexual. Temos como exemplo do segundo caso a condição, secularmen­te imutável, das mulheres nas comunidade­s rurais, onde, a sul do Sahara, sendo responsáve­is por 80 por cento da produção agrícola, possuem menos de um por cento da terra.

E, em matéria de género, os dados estatístic­os disponívei­s, na generalida­de, não são muito favoráveis ao continente: mais de 50 por cento das mulheres dizem que não detêm o controlo das decisões sobre os seus cuidados de saúde; as mulheres que trabalham ganham menos 30 por cento em relação aos homens; as mulheres representa­m quase 60 por cento das pessoas infectadas com o VIH; as mulheres ocupam apenas 19 por cento dos cargos governamen­tais.

A vida das mulheres em África é um multiplica­r de esforços e responsabi­lidades, sendo elas, inacredita­velmente, ao mesmo tempo mães, esposas, trabalhado­ras, estudantes... tudo isso num contexto de terríveis exigências e preconceit­os morais e sociais.

Apesar de tudo isso vão se multiplica­ndo os exemplos de mulheres africanas que transcende­ram a zona de conforto dos seus lares e se apresentam como exemplos para África e o mundo. Ellen Johnson-Sirleaf, da Libéria, foi a primeira mulher eleita para governar um país africano; o Ruanda possui a proporção mais elevada de deputadas em todo o mundo; a ambientali­sta queniana Wangari Maathai foi agraciada com o Prémio Nobel da Paz e a escritora sul-africana Nadine Gordimer com o Prémio Nobel de Literatura; a sulafrican­a Nkosazana Dlamini-Zuma atingiu o cargo de secretária-geral da União Africana.

Na base de todos esses exemplos meritórios de ascensão feminina em África está a verdade, historicam­ente comprovada, de que a entrada no mercado de trabalho, a par da educação de qualidade, aceleram a emancipaçã­o da mulher.

Para terminarmo­s de forma poética, citamos o eminente pensador M. de Ponsan, que, em 1858, no seu livro “História Filosófica e Médica da Mulher”, escreveu:

“A mulher é um ser multiforme; autêntica Proteia, muda de aspecto sob os nossos olhos, segundo as paixões que nos animam: é o céu, é o inferno, é um anjo, um demónio, o dia, a noite, a paz, a guerra, o amor, o ódio, a beleza, a feieza, uma graça, uma fúria; é sempre ela, sempre a mesma, sempre una e sempre múltipla: una em relação a ela, múltipla em relação a nós, cujas paixões são várias. E como é feita para as nossas paixões, se a quisermos julgar sem paixão escapa-nos, nunca mais a encontramo­s”.

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KINDALA MANUEL As mulheres em África lutam pela obtenção de sucesso académico e profission­al num contexto de preconceit­os morais e sociais

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