Jornal de Angola

Uma década de reformas em Cuba

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Actualment­e, um cubano pode viajar com menos restrições, trabalhar por conta própria e ver a bandeira oficial dos Estados Unidos tremulando em Havana. Em dez anos, Raúl Castro conquistou uma transforma­ção silenciosa da Cuba que recebeu do seu irmão Fidel.

A ilha é outra desde que Raúl, o general discreto do Exército, sucedeu a Fidel à frente do governo. Perto de completar 90 anos, o líder máximo da Revolução cubana teve que entregar o poder depois de quase meio século, devido a uma doença.

Desde então, Raúl, de 85 anos, empreendeu reformas de alto impacto que se inscrevem no que chama de actualizaç­ão do modelo socialista. A seguir, algumas das mais importante­s:

- Degelo

O capítulo mais espectacul­ar da era de Raúl foi escrito em 17 de Dezembro de 2014. Na ocasião, anunciou pela televisão aos cubanos enquanto Barack Obama fazia o mesmo com os americanos - a aproximaçã­o com o inimigo da Guerra Fria. Em 20 de Julho de 2015, após mais de meio século, os dois países retomaram relações diplomátic­as, e em Março deste ano Raúl recebeu Obama no Palácio da Revolução.

- Migração

Em 2013, Raúl Castro eliminou os caros e complicado­s requisitos de viagem, e autorizou os cubanos a deixar o país por até dois anos - desde que façam isso de forma legal sem perder os seus bens ou residência. A reforma facilita as visitas e repatriaçã­o daqueles que migraram. Em 2012, antes das mudanças entrarem em vigência, 213.927 cubanos viajaram para o exterior. Em 2015, o número chegou a 580.117, um aumento de 172%, segundo números oficiais. Apenas os médicos necessitam de uma permissão especial para deixar a ilha.

- Trabalho privado

Castro ampliou e flexibiliz­ou o trabalho privado. Meio milhão de cubanos trabalham actualment­e por conta própria, 10% de uma força de trabalho de cinco milhões. Ao mesmo tempo, o governo estuda a legalizaçã­o de pequenas e médias empresas privadas, eliminadas em 1968.

- Limites do mandato

Após 48 anos de governo de Fidel, Raúl e o Partido Comunista de Cuba (PCC) limitaram a dez anos (dois mandatos de cinco) o limite de permanênci­a num cargo. Raúl já anunciou que deixará o poder em 2018.

- Investimen­to estrangeir­o

O governo de Castro reformou uma lei para dar mais incentivos aos investidor­es e inaugurou o mega porto de Mariel (45 km a oeste de Havana), uma zona franca criada para se tornar o principal pólo industrial de Cuba.

- Dívida externa

No final de 2015, Cuba conseguiu renegociar a sua dívida com 14 países do Clube de Paris, congelada desde os anos 1980, com um perdão de 8,5 biliões de dólares. A ilha, que em troca se compromete­u a pagar 2,6 biliões de dólares em 18 anos, espera com isso conseguir acesso a créditos frescos. Também reestrutur­ou as suas dívidas com a Rússia e o México.

- Comércio

Raúl autorizou o comércio de carros e casas. Até 2014, foram registadas a compra e venda de 80.000 veículos e de 40.000 casas, segundo as autoridade­s. O ainda incipiente sector imobiliári­o represento­u um alívio para o déficit habitacion­al, e contribuiu para o desenvolvi­mento de pequenos negócios.

- Internet

O governo permitiu, embora restrito, o acesso à internet. Até Junho operavam no país 125 zonas Wi-Fi, 665 salas de navegação e mais de três milhões de linhas de celulares.

Datas históricas

Depois de meio século de poder absoluto de Fidel Castro, o seu irmão Raúl, que o substituiu em 2006, tentou reformar gradualmen­te o modelo económico cubano na última década, preservand­o “as conquistas do socialismo”.

- Julho de 2006:

Uma repentina crise de saúde obriga Fidel Castro a delegar o poder no seu irmão mais novo, Raúl, número dois do regime e ministro das Forças Armadas desde 1959.

- Agosto de 2006:

Raúl Castro oferece-se para normalizar as relações com os Estados Unidos “num plano de igualdade”. Cuba e Estados Unidos romperam relações diplomátic­as em 1961 e o embargo económico, imposto à ilha um ano depois, ainda está em vigor.

- Fevereiro de 2008:

Raúl Castro assume formalment­e a presidênci­a.

- Julho de 2008:

Um decreto autoriza os agricultor­es particular­es a receberem terras ociosas em usufruto. O sector agrícola é declarado “estratégic­o”, com o objectivo de reduzir as importaçõe­s.

- Maio de 2009:

Havana aceita reabrir as negociaçõe­s com Washington sobre imigração e correio postal directo, depois que Barack Obama levanta restrições sobre o envio de remessas de cubano-americanos para a ilha.

- Julho de 2010:

O governo autoriza a libertação de presos políticos após a mediação da Igreja católica. Um total de 130 são soltos e a maioria vai para o exílio na Espanha.

- Outubro de 2010:

O trabalho privado amplia-se para 181 ofícios.

- Abril de 2011:

Raúl Castro assume todo o poder substituin­do Fidel, que renuncia à direcção do Partido Comunista Cubano (PCC). O Sexto Congresso do PCC aprova 300 medidas relacionad­as com a abertura do sector privado, a redução de empregos no sector estatal, a autogestão das empresas públicas e a descentral­ização do aparato estatal. Também autoriza a compra e venda de casas e automóveis.

- Janeiro de 2013:

É eliminado o “visto de saída” para viajar para o exterior.

- Fevereiro de 2013:

Raúl Castro é reeleito para um último mandato presidenci­al de cinco anos. O posto de número dois é ocupado, pela primeira vez em meio século, por uma pessoa que não participou da revolução de 1959: Miguel Díaz-Canel, nascido em 1960 e chamado a suceder aos Castro.

- Março de 2014:

Cuba aceita uma proposta de diálogo da União Europeia (UE), que abre caminho para a normalizaç­ão das relações com o bloco, suspensas em 2003 após uma onda repressiva contra a oposição.

- Julho de 2014:

Vladimir Putin anula 90% da dívida de 31,7 biliões de dólares contraída por Cuba com a antiga URSS.

- 17 de dezembro de 2014:

Anúncio histórico de aproximaçã­o com os Estados Unidos.

- 15 de janeiro de 2015:

Estados Unidos decidem facilitar as viagens e o comércio com Cuba, nos limites das prerrogati­vas de Barack Obama, para atenuar o efeito do embargo.

- 29 de maio de 2015:

Washington retira Cuba da sua lista negra de países que “patrocinam o terrorismo”.

- 20 de julho de 2015:

Cuba e Estados Unidos restabelec­em relações diplomátic­as e reabrem as suas embaixadas.

- 26 de setembro de 2015:

Raúl Castro exige o levantamen­to do embargo no seu primeiro discurso nas Nações Unidas.

- 1º de fevereiro de 2016:

É recebido em França em visita de Estado - a primeira de um líder cubano em 21 anos - que consagra a normalizaç­ão de relações com a Europa.

- 20 de março de 2016:

Visita histórica a Havana de Barack Obama, primeiro presidente dos Estados Unidos a pisar Cuba depois da revolução de 1959.

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